Oposição denuncia “golpe” contra os tribunais na Polónia

Leis permitem afastamento directo dos elementos do Supremo Tribunal pelo Governo e alargam influência do partido no poder na escolha de novos juízes.

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O líder do Partido do Direito e Justiça, Jaroslaw Kaczynski, durante um discurso esta semana Reuters/AGENCJA GAZETA

Um novo conjunto de leis aprovadas nos últimos dias pelo Parlamento polaco está a apertar o cerco ao poder judicial, com a oposição a anunciar o início de um “golpe” contra a independência dos tribunais.

Um dos diplomas, aprovado às primeiras horas deste sábado, vem alterar a composição e o processo de escolha dos membros do Conselho Nacional Judiciário, o órgão constitucional responsável pela nomeação e promoção dos juízes. Este órgão é composto por 25 elementos, na sua maioria juízes, mas a nova lei permite que 22 sejam escolhidos pelo Parlamento, onde o Partido do Direito e Justiça (PiS, na sigla original) detém a maioria. Até agora, o CNJ era escolhido pela comunidade judicial polaca.

Na quarta-feira já tinha sido aprovada uma outra lei que vem dar poderes ao ministro da Justiça para demitir os juízes do Supremo Tribunal e escolher os seus substitutos. De acordo com a BBC, os pormenores sobre o diploma não foram conhecidos até ter sido apresentado durante uma sessão nocturna no Parlamento.

Segundo o PiS e o Governo, as reformas judiciais são necessárias para combater a “ineficiência” dos tribunais e o “corporativismo” entre os juízes. “A Polónia é uma democracia baseada no Estado de direito, não é uma ‘tribunalocracia’”, disse o ministro da Justiça, Zbigniew Ziobro. Também o líder do partido no poder, Jaroslaw Kazcynski, considerado o “homem-forte” por trás do Executivo, deixou fortes críticas ao poder judicial, que diz sofrer “duas doenças graves”.

“A primeira é um colapso dos princípios morais, a segunda é uma enorme ineficiência, atrasos nos casos, que causam sofrimento a muitas pessoas”, disse o também ex-primeiro-ministro.

A oposição receia que decisões como esta estejam a aproximar a Polónia cada vez mais dos regimes autoritários. “É assim que a ditadura começa”, disse esta semana o deputado da Plataforma Cívica, Borys Budka, citado pela Reuters. O líder do partido, Grzegorz Schetyna, disse que o objectivo do PiS com a aprovação destas medidas legislativas é “conseguir introduzir um governo ditatorial”.

"Controlo total" dos tribunais

Depois da promulgação pelo Presidente, Andrzej Duda, também do PiS, o Governo pode alcançar “o controlo quase total do aparelho judicial da Polónia em poucas semanas”, escreve o professor de Direito da Universidade Central Europeia, Maciej Kisilowski, num artigo de opinião publicado pelo site Politico.

“A lei permite o afastamento total e imediato do quadro completo dos 83 juízes dos principais tribunais superiores da Polónia. A purga pode começar no dia seguinte à promulgação da lei”, continua Kisilowski. Também o líder histórico do sindicato Solidariedade, que acabaria por se tornar no primeiro Presidente eleito do país, Lech Walesa, criticou as novas leis, qualificando-as de “muito perigosas e muito estúpidas”.

Um grupo de cinco ex-juízes do Tribunal Constitucional escreveu uma carta ao Presidente em que apela ao bloqueio das reformas judiciais, caso contrário “a Polónia será afastada do posto de Estado democrático governado pelo Estado de direito”, cita a agência estatal PAP. Para este domingo está marcada uma manifestação contra as novas leis em Varsóvia.

Desde que foi eleito, em 2015, o Governo ultra-conservador do PiS tem tido na mira os tribunais e o poder judicial. Os poderes do ministro da Justiça foram reforçados, passando a exercer o cargo de procurador-geral e com capacidade para lançar investigações e nomear procuradores-especiais. Também o Tribunal Constitucional foi alvo de uma reforma que muitos vêem como uma tentativa para limitar a sua independência.

Bruxelas tem demonstrado grande preocupação com as acções do Executivo polaco e tem emitido vários avisos nos últimos meses. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, pediu que o estado do poder judicial na Polónia fosse discutido na próxima semana, revelou a porta-voz, Mina Andreeva.

O líder do Partido Popular Europeu, o maior grupo no Parlamento Europeu, Manfred Weber, afirmou que o PiS “está a acabar com o Estado de direito e a abandonar a comunidade europeia de valores”. 

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