Ainda não apareceu o "tímido senador" pronto a puxar o tapete a Trump
Há seis meses no poder, Donald Trump surpreendeu em várias frentes. Uma delas foi não ter virado contra si nenhum congressista ou senador. No Partido Republicano, só está contra Trump quem já era contra.
A sequência parece indicar uma espiral imparável e sem ponto de retorno. Só nos últimos dias, o senador Lindsey Graham, da Carolina do Sul, disse que a proposta de Donald Trump para criar uma Unidade de Cibersegurança com os russos “está muito perto de ser a ideia mais estúpida” que ouviu na vida; o senador Marco Rubio, da Flórida, disse que fazer essa parceria com Putin "equivale a fazer uma parceria com Assad para uma Unidade de Armas Químicas”; o senador John McCain, do Arizona, não se deu ao trabalho de analisar o projecto e limitou-se a dizer uma piada: “Tenho a certeza de que Vladimir Putin vai ser uma grande ajuda nesse esforço — uma vez que é ele que está a piratear-nos”; a senadora Shelley Moore Capito, da West Virginia, disse que se tiver de ser “a pessoa a chumbar” a proposta de lei de Trump para acabar com a Affordable Care Act (ou Obamacare) “eu serei essa pessoa — porque olho para isto através das lentes da população mais vulnerável que precisa de ajuda”; o senador Ben Sasse, do Nebraska, disse que, ao repetir que a CNN “só faz jornalismo de sarjeta”, Trump está a “bombardear desconfiança” sobre os media e a esquecer que a Primeira Emenda da Constituição, sobre liberdade de imprensa, “é o batimento cardíaco da experiência americana”; e a senadora Susan Collins, do Maine, foi taxativa: “Isto tem que parar. Todos temos uma função — os três ramos do Governo e os media. Não temos que ser amigos, mas temos de mostrar respeito e civismo.”
Impressionado? A verdade é que esta sequência, embora pungente, pode não significar nada de muito relevante. Estes seis senadores são todos do Partido Republicano, o mesmo que elegeu Trump, mas são também todos “velhos” críticos do Presidente.
Em Janeiro, quando ainda não era certo se o novo Presidente norte-americano iria ter o Congresso na mão, vários republicanos próximos dos círculos de poder em Washington diziam que, mais tarde ou mais cedo, os americanos iriam decidir que não queriam “viver numa versão americana da Turquia de Erdogan ou da Hungria de Orbán ou da Rússia de Putin”. Um conselheiro de Condoleezza Rice, Secretária de Estado de George W. Bush, fez até uma aposta, talvez para sossegar os que ficaram muito agitados com a vitória de Trump (talvez para seu auto-apaziguamento): se as linhas vermelhas forem ultrapassadas, “o mais tímido dos senadores conservadores dirá basta” — “Enough is enough”.
Seis meses depois, nada disso aconteceu. Com uma lupa sobre o Congresso, fomos à procura do “senador tímido”. Nada. A seguir, analisámos a Câmara dos Representantes. Nada. “Não há sinais disso”, confirma José Gomes André, professor do departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que dá aulas de Ciências Políticas e é investigador de política americana “É incrível, mas é a verdade.”
Até McCain está apagado
Nas votações dos últimos seis meses, não há dissidências de nota dentro do Partido Republicano e até John McCain — sobre quem se chegou a acreditar que seria o líder da oposição republicana ao novo Presidente —, tem estado surpreendentemente apagado e votou a favor das propostas da Administração Trump em mais de 90% dos casos. Já na retórica, se há dissidências ruidosas, elas vêm quase sempre da pequena minoria de republicanos moderados de quem já se esperava uma contestação firme. Até agora, mais de 90% dos republicanos têm alinhado com Trump.
Num Presidente que baralhou os especialistas e nos habituou a surpresas de parar o coração, esta é mais uma: “Na verdade, o que é curioso é não haver ninguém dentro do grupo que apoiava Trump que se tenha virado contra ele. Não há nenhum sinal de viragem”, diz José Gomes André. “O que vi nestes seis meses foi uma reacção de apoio generalizado dentro do Partido Republicano e a oposição mais dura vem da ala dos republicanos mais radicais, que acham que Trump está a fazer pouco.” E mesmo os que criticam Trump, "não cortam com ele radicalmente”, acrescenta Nuno Gouveia, também especialista em política americana e hoje assessor do social-democrata Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga. “Há algum oportunismo: os senadores que vão a eleições em 2018 receiam que a base se volte contra eles.”
Apesar de ter começado com o índice de popularidade mais baixo desde que a Gallup faz este tipo de sondagens, Trump continua muito popular junto do eleitorado tradicional republicano. Quando a semanas das eleições de 8 de Novembro o escândalo do “grab by the…” rebentou, grande parte do establishment republicano retirou-lhe o seu apoio. O próprio líder republicano da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, anunciou que ia deixar de fazer campanha por Trump e ia concentrar-se em lutar para manter a maioria parlamentar. “Mas Trump ganhou à mesma”, lembra Nuno Gouveia, que durante as presidenciais de 2008 manteve um blogue activo sobre os EUA. “Nem essa semi-revolta, que envolveu dezenas de senadores e de governadores, o derrotou. Claramente, há receio em afrontar Trump de uma forma total. Os senadores estão com medo das eleições e dos efeitos no partido.”
A espada sobre a cabeça
Começou a falar-se de impeachment ainda Trump não tinha posto um pé na Casa Branca. É a palavra maldita e ao mesmo tempo a palavra desejada. Alguns analistas, incluindo conservadores da direita tradicional do Partido Republicano, não se inibem em fazer comparações com a era de Richard Nixon, lembrando que “o caminho para o Watergate” começou em Abril de 1969, três meses depois da tomada de posse do Presidente, mas que foi preciso esperar por Agosto de 1974 para a demissão. Ou que em Washington já se sente o “distintivo aroma” dessa época, aquilo a que Henry Kissinger chamou “o odioso odor da verdade”.
As comparações com os anos 1970 são perigosas, mas há uma coisa que é seguro imaginar Trump a repetir Nixon: fazer “listas de inimigos”. Hoje é mais simples, basta ir à Wikipedia: a “Lista dos republicanos que se opuseram à campanha presidencial de Donald Trump” inclui dois ex-Presidentes; cinco candidatos à nomeação pelos republicanos; 22 “ministros”; nove governadores e 12 ex-governadores; dez senadores e sete ex-senadores; 32 congressistas e 31 ex-congressistas; 28 antigos altos funcionários do Departamento de Estado; 16 ex-altos funcionários do Departamento da Defesa; 25 ex-altos funcionários da Segurança Nacional — a lista é longa e tem mais de 357 republicanos “notáveis”, quase todos com projecção internacional. Muitos anunciaram o seu apoio formal a Hillary Clinton. Neste exercício de olhar para o Congresso à procura do 'tímido senador' pronto a puxar o tapete a Trump, este é um bom ponto de partida.
De todos, são os congressistas e os senadores os que mais pesam. São eles que podem iniciar o processo de impeachment. A Constituição americana prevê no artigo 2.º que o Presidente seja destituído se for condenado por “traição, suborno e/ou outros crimes e contra-ordenações graves”. E o artigo 25.º prevê a sua substituição em casos de “morte ou incapacidade para desempenhar os poderes e os deveres da presidência”. Tratando-se de Donald Trump, há um debate sobre se uma certificação clínica de que o Presidente tem problemas de saúde mental graves seria motivo legal para o afastar. Uma das teses é a de que Trump sofre de “narcisismo maligno”.
O processo de impeachment começa na Câmara dos Representantes e não precisa de mais do que uma maioria simples para passar e "subir" ao Senado. É aí que é feito o julgamento, mas é necessário uma maioria de dois terços para ser aprovado. O processo contra o Presidente Bill Clinton passou na House, mas foi reprovado no Senado (nenhuma das duas ofensas aprovadas na câmara teve mais de 50 votos a favor no Senado).
“É quase impossível haver um impeachment. Terá de haver um erro muito manifesto”, diz José Gomes André, que é também autor de Razão e Liberdade – O pensamento político de James Madison (Esfera do Caos, 2012). “Trump tem essa espada sobre a cabeça, mas a sociedade americana aprendeu com o desgaste do processo de impeachment de Bill Clinton e não quer meter-se num igual a não ser que haja uma prova irrefutável, uma violação eminente da Constituição.”
Nuno Gouveia faz uma leitura semelhante: “Não há condições políticas. É muito difícil porque o Partido Republicano tem uma maioria muito pequena na câmara [mais 46 congressistas num total de 435] — teria de haver uma debandada para passar. Por outro lado, há uma grande desorganização no Partido Democrata, que está à deriva e não encontrou o tom de oposição eficaz. É preciso argumentos jurídicos fortes, mas sobretudo é preciso condições políticas.” A revista New Yorker resumiu há umas semanas a que é talvez a visão mais consensual sobre o problema: “Em circunstâncias normais, a possibilidade de um Presidente sair antes do fim do mandato é remota. Em 228 anos, só um se demitiu, dois tiveram processos de impeachment, embora nenhum tenha acabado por sair das funções, e oito morreram. Mas nada à volta de Trump é normal.”
O clique
Por causa das polémicas não cairá, isso já é mais do que evidente. “Ele pode dizer tudo que a opinião pública não muda”, diz Nuno Gouveia. “Durante a campanha, quantas vezes dissemos ‘isto é o fim’, ‘já não tem hipótese’, 'depois desta não sobrevive'? Eu disse várias vezes. Mas ele foi sobrevivendo e ganhou as eleições.”
O que pode ser o clique da mudança? Todos os especialistas fazem cenários. Será "apanhado" por algum crime relacionado com os seus negócios; por abuso de poder para beneficar o seu império com informação privilegiada; por obstrução à justiça num dos 75 processos que tem em tribunal (num longo histórico de 4000 ao longo de 30 anos); porque o procurador Robert Mueller, do Departamento da Justiça, vai descobrir que Trump está a tentar encobrir alguma coisa censurável (ou criminosa) que a sua campanha possa ter feito com os russos durante as presidenciais; ou porque, simplesmente, Trump não se controla e despede Mueller.
O professor José Gomes André vê dois tipos de cliques possíveis: “Uma medida de política extrema com impacto mediático internacional que seja claramente impopular ou catastrófica, como uma intervenção militar em que as coisas corressem mal ou um embargo à China que três meses depois gerasse o colapso da economia americana. Ou uma reforma económica ou um plano fiscal com resultados desastrosos.” Nuno Gouveia lança mais dois cenários: um desastre “tipo furacão Katrina”, em que ficasse à vista o Estado a falhar como falhou em 2005 (e o mandato de George W. Bush desabou e nunca mais recuperou). A segunda hipótese é surgir “algo de muito concreto do affair russo, do qual já são conhecidos factos escandalosos”. Um conselheiro de Bush para as questões éticas, lembra o especialista, acaba de dizer que a reunião que Donald Trump Jr., o filho mais novo do Presidente, teve com uma advogada russa em 2016 que prometia informação comprometedora do Kremlin sobre Hillary Clinton “se assemelha a traição”. O facto de Trump Jr. já ter apresentado diferentes versões dos factos “é um sintoma de que algo muito grave aconteceu”, considera o antigo blogger.
Peter Wehner, que trabalhou nas administrações dos Presidentes George W. Bush, George H.W. Bush e Ronald Reagan, escreveu que estes emails de Trump Jr. são “devastadores para a presidência de Trump, devastadores para Donald Trump e devastadores para qualquer pessoa na órbita de Trump, porque começam a confirmar-se as piores suspeitas e as mais sérias preocupações em relação à sua campanha. É evidente que fomos enganados e que tudo o que a campanha de Trump disse sobre a Rússia não é para ser levado a sério”.
Já estão em curso cinco investigações. A do Departamento da Justiça liderada por Mueller, o ex-director do FBI (2001-2013) a quem democratas e republicanos pediram que seguisse “os factos, aonde quer que eles conduzam” e cuja escolha foi vista como um “alívio a curto prazo” para Trump, mas “um risco a longo prazo”. Mueller tem fama de independente. A investigação é sobre as relações entre a campanha de Trump e a Rússia — e do seu possível encobrimento. Ao mesmo tempo, há investigações nos dois comités de Intelligence (da Câmara dos Representantes e do Senado), que estão a investigar se houve interferência russa nas eleições americanas de 2016. E, finalmente, há os comités de Assuntos Judiciais do Senado e de Reforma do Governo da câmara, que começaram por investigar a conduta de Michael Flynn, o conselheiro de segurança nacional forçado a demitir-se por causa (também) das suas ligações à Rússia, e que mais tarde se alargaram às razões que levaram Trump a despedir o então director do FBI James Comey (o mesmo que pediu ao “ministro” da Justiça Jeff Sessions para “nunca” o deixar “sozinho com Trump”).
Só passaram seis meses, mas já são visíveis as dificuldades em definir os limites. Em Washington, a nova pergunta mais repetida é simples: “Qual é a sua linha vermelha para trabalhar com Trump?”. Com ou sem clique, a resposta, já sabemos, só deve surgir depois das intercalares de 2018.
A importância da popularidade
Ainda é cedo. É difícil acreditar que um Presidente possa governar o país durante anos a fio com índices de aprovação continuamente tão baixos. Bill Clinton começou o primeiro mandato com 55% de popularidade, George W. Bush com 57% e Barack Obama com 67%. Donald Trump entrou na Casa Branca com 45% e esse foi o seu ponto máximo. Em Março já estava nos 40% e desde então só desceu. Também é interessante ver as médias de taxa de aprovação desses três antecessores: 55% (Clinton), 49% (Bush) e 59% (Obama).
“O tempo vai fazer a diferença”, acredita Nuno Gouveia. “Esses três Presidentes tiveram uns primeiros seis meses pacíficos, de estado de graça, em que as suas Administrações puderam respirar, preparar a sua agenda para quatro anos e lançar medidas emblemáticas. Trump não consegue nomear pessoas para os altos cargos da Administração”, nota o especialista. “Nesta altura, Obama já tinha nomeado 320 pessoas. Trump ainda nem 200 nomeou. Obama já tinha conseguido do Senado a aprovação de 200. Trump ainda só conseguiu 47 aprovações.” Ao mesmo tempo, o novo Presidente já despediu dez altos funcionários do seu circuito mais próximo e na semana passada o director dos Assuntos Éticos do Governo (que exerceu funções com Bush e Obama) demitiu-se antes de terminar o mandato e fez críticas muito duras ao Presidente.
“Enquanto Trump não descer abaixo dos 30%, não deverá aparecer ninguém disposto a apoiar um processo de impeachment”, acredita Nuno Gouveia. Mas os níveis de desaprovação em relação a Trump podem virar-se contra o partido. Os senadores têm medo de afrontar Trump por causa das eleições, mas têm medo de perder as eleições por causa de Trump. “A Administração Trump é profundamente incompetente e amadora e por isso não conseguiu alcançar os seus objectivos políticos para estes seis meses. Não estou a falar das ideias, se concordamos ou não com elas. Estou a falar sobre conseguir fazer aquilo que eles querem fazer.”
Os EUA transformaram-se numa “república das bananas de Terceiro Mundo, onde o poder está entregue à família do Presidente e a seguidistas incompetentes, cujo critério é o de Trump confiar neles e não o de serem especialistas”, disse à New Yorker Jerry Taylor, presidente do Niskanen Center, um think tank libertário, numa linguagem que, nestes tempos peculiares, passámos a ver usada pelos mais sensatos, discretos e moderados políticos norte-americanos. E será que também pelo 'tímido senador' que um dia vai revelar-se? É Taylor também quem avisa que devemos ter cuidado ao interpretar o apoio actual do Congresso a Donald Trump: “Eu diria que há entre 50 a 100 congressistas republicanos que são genuínos entusiastas de Trump. Os outros vêem-no entre o embaraço profundo e a ameaça à Constituição.”
Um erro sem danos
Paradoxalmente, esta ausência de críticos pode ser uma armadilha. Se Trump ficar em rédea solta, rodeado por amigos e yes men, sem especialistas nem técnicos com experiência, tem as condições criadas para fazer mais políticas radicais. Será que uma dessas políticas pode ser o tal clique? José Gomes André ri-se: “O que me preocupa são os danos estruturais, as medidas que podem ter um impacto durante décadas.” O professor considera que os maiores riscos estão no Trabalho, Ambiente e Educação. “Há um bando de fanáticos incompetentes em áreas onde se podem provocar danos gravíssimos e que só serão visíveis daqui a dez anos.” Resumindo: “Eu gostava que Trump fizesse um grande disparate, mas que fosse um erro sem grandes danos no país. Ou seja, espero que o erro grave não seja na relação com o poder judicial, na relação com os estados e no sistema federal, ou seja, no sistema político. Essas são as áreas perigosas.”
E estas são, justamente, as áreas de onde tem surgido uma contestação dura à nova Administração. Há estados que não concordam com as decisões do governo federal e anunciaram que vão fazer “à sua maneira”. Vimos isso quando Trump rasgou o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas e vários estados disseram no próprio dia que cumpririam as metas do protocolo internacional. Trump vai tentar impor-se aos estados? Vai fazer-lhes frente? “Estas questões parecem parcelares e não são muito mediáticas, mas têm efeitos duradouros e estruturais e por isso são perigosas”, sublinha o professor. Que dá um exemplo. “Os juízes são os profissionais mais respeitados dos EUA. Imagine uma campanha que mine esse prestígio e vire a sociedade contra o poder judicial? Já temos um cargo desacreditado, um Presidente maluco e passaríamos a ter os tribunais desacreditados. Que república seria esta?!”.
Para já é a república onde os advogados de quatro dos principais escritórios de advocacia do país recusaram defender o Presidente no affair russo. Talvez sem grande surpresa para ninguém, Trump acabou por contratar Marc Kasowitz, um advogado nova-iorquino conhecido por ter um “estilo pit-bull”, a quem dizem “faltar a elegância” necessária para representar o Presidente dos EUA. Num acumular de episódios extraordinários, esta quarta-feira o ProPublica noticiou que Kasowitz não tem as credenciais de segurança formais atribuídas pelos serviços secretos para ter acesso a todos os documentos do Presidente. O advogado tem problemas sérios com álcool e essa é uma das razões para não atribuir as credenciais, “por ser considerada um modo de tornar a pessoa vulnerável a chantagens ou revelar pouco discernimento”. Depois de ler a notícia, um leitor escreveu um email a Kasowitz a defender que deveria demitir-se, a bem de todos. Em resposta, Kasowitz respondeu isto: “Estou de olho em ti. Estás a meter-te comigo. Vou apanhar-te. Tem cuidado, meu cabrão.” A sequência de emails deixou o leitor tão perturbado que enviou cópias para o FBI.
Dentro da lista dos que podem iniciar um processo de impeachment, há várias micro-listas possíveis. A dos senadores republicanos que já votaram contra Trump ou dos republicanos que não aceitaram convites para trabalhar na Administração. Mas a “lista do momento” é a dos senadores que vão votar contra a proposta para destruir o Obamacare e substitui-la por um Trumpcare (que um estudo do próprio Comité do Orçamento do Congresso diz que deixará sem cobertura de saúde 23 milhões de pessoas).
Mal a proposta foi conhecida, surgiram dois blocos de oposição dentro do Partido Republicano. Um grupo de senadores (Ted Cruz, do Texas, Ron Johnson, do Wisconsin, Mike Lee, do Utah, e Rand Paul, do Kentucky) consideraram que a proposta era pouco ambiciosa por não desfazer totalmente o Obamacare. E outro grupo, de senadores moderados (Dean Heller, do Nevada, Rob Portman, do Ohio, Capito e Collins) disseram que eram contra porque a proposta destruía demasiado o que fora construído por Obama. A dúvida vai desfazer-se nos próximos dias. Quem vai bloquear a primeira grande iniciativa legislativa de Trump, que os republicanos andaram oito anos a dizer que era a sua prioridade máxima? Lisa Murkowski, do Alaska, outra republicana moderada, está indecisa, tal como Dan Sullivan, do mesmo estado. Bastam três votos para chumbar o Trumpcare e dois já anunciaram esta quinta-feira que vão votar contra (por razões diferentes): Susan Collins e Rand Paul. Um moderado e outro radical.
Será interessante ver o resultado. Para já, as críticas a Trump têm sido mais em relação à sua retórica e atitude do que à sua política. “Quantas vezes ouviu no Congresso um republicano dizer: ‘Não concordo com essa política?’. Aqueles que relutantemente lutaram contra Trump continuarão a fazê-lo relutantemente”, diz o professor José Gomes André. “Estes seis meses não trouxeram nenhuma mudança no partido, mas as coisas estão muito frágeis. O barril de pólvora está ali. Se se der um clique, emergem logo 30 ou 40 senadores e congressistas anti-Trump. Para já, no entanto, não há sinais disso. Trump tem conseguido manter as coisas num estranho controlo.”
Qual é o futuro de Donald Trump? Nuno Gouveia nem chega a hesitar. “Com Trump falhei redondamente, mas diria que vai aguentar-se até ao fim do mandato. Uma vez eleito, acho difícil sair antes do fim do mandato. Trump foi eleito porque teve Hillary Clinton do outro lado. Foi uma tempestade perfeita, difícil de repetir-se em 2020.” O especialista faz uma pausa e acrescenta: “Se tivesse que apostar, apostava num novo Presidente, mas só a partir de 2020...” Nova pausa: “Mas não me importava de me enganar e ver Trump sair antes."