Altice do outro lado do espelho
Aparentemente — sublinhe-se o aparentemente — a Altice não conta com a simpatia deste poder. Será mais uma razão para evitar cruzar as linhas cinzentas onde esta multinacional com sede holandesa gosta de fazer os seus negócios.
Depois de dois anos de agitação nos grandes grupos de comunicação social, as casas começam a ser arrumadas. A Prisa, desesperada por liquidez, livra-se do negócio português que até dava lucro; e a Altice segue a sua tendência de aliar telecons a conteúdos, os dois braços do grupo detido por Patrick Drahi. A agitação não vai ficar por aqui, como os próximos meses certamente mostrarão.
A Altice quer da TVI aquilo que as telecons querem dos meios de comunicação: conteúdo exclusivo para diferenciar a sua oferta e um caminho para crescimento rápido. A sua actuação na Media Capital vai depender de qual será a expectativa mais forte: se optar por maximizar retorno, vai apostar em despedir em massa; se optar por promover o aumento da oferta digital, vai despedir menos mas enfrentar maiores problemas com os reguladores.
Este negócio não deverá levantar problemas de regulação. Mas o que aí vem, e a estratégia que a Altice pretenderá adoptar, já devem obrigar a maior atenção. Vai a Altice tentar fechar os seus conteúdos de cabo ao operador Meo? Vai a Altice comprar conteúdos, como fez em França com os direitos desportivos, para os fechar nas suas plataformas? O negócio dos conteúdos é cada vez mais competitivo, as margens são muito apertadas e o mercado está cada vez mais disperso. Só se vai lá com afinamento estratégico e agressividade comercial.
Por definição, tudo o que limite as escolhas do consumidor é mau em termos de mercado — independentemente de engordar accionistas. Tudo o que feche acessos a informação é mau em termos democráticos — independentemente do aumento da oferta. Será preciso ter um regulador activo e atento, que proteja o consumidor e não algum formalismo menos eficiente. Aparentemente — sublinhe-se o aparentemente — a Altice não conta com a simpatia deste poder. Será mais uma razão para evitar cruzar as linhas cinzentas onde esta multinacional com sede holandesa gosta de fazer os seus negócios.
Nota: É fácil reduzir Américo Amorim ao epíteto de detentor da maior fortuna portuguesa. É mais difícil explicar como conseguiu chegar onde chegou, como conseguiu manter a força do conglomerado e passar o testemunho conservando a coerência estratégica. Américo Amorim, tal como o grupo que fundou e tem o seu nome, foram e são muito úteis a Portugal e aos portugueses. Merece admiração e muito respeito.