Quase 200 fotografias para os bombeiros de Castanheira de Pêra
Com o lema O melhor de cada um de nós, para os melhores de todos nós, cerca de 200 fotógrafos reúnem os seus trabalhos na exposição Uma Imagem Solidária. A 19 e 20, quem passar pela Fundação Portuguesa das Comunicações, em Lisboa, pode comprar estes trabalhos por um valor simbólico.
Trabalham com o rosto escondido pelas máquinas fotográficas, mas elas de pouca protecção servem quando as imagens que têm para captar são como as do grande incêndio de Pedrógão Grande. Os fotojornalistas chegam, muitas vezes, mais rápido, mais perto e mais dentro das tragédias do que quase todos nós. E, às vezes (tantas vezes), como em Pedrógão, não regressam os mesmos.
António Cotrim, fotojornalista da Lusa, não foi dos primeiros a chegarem ao incêndio que matou 64 pessoas, a 17 de Junho, mas quando por lá andou, dois dias depois, o peso do que encontrou levou-o a querer fazer algo mais do que o trabalho do dia. “Em quase 30 anos de profissão nunca vi uma coisa daquelas. Tudo ainda queimado, aquele cenário preto, preto, preto, de fumo. Só se via fumo”, diz ao P2. Desta impressão tremenda nasceu a iniciativa Uma Imagem Solidária. Dela e de uma outra realidade, que ele sente de forma mais pessoal, e que achou ser hora de contrariar. “Nós, os fotojornalistas, somos muitas vezes vistos como vampiros. Como pessoas que não têm sentimentos, que só se preocupam com o ‘boneco’. Por isso nasceu a frase desta campanha solidária: O melhor de cada um de nós, para os melhores de todos nós.
No dia 22 de Junho era criada a página no Facebook Uma Imagem Solidária, com uma fotografia de António Cotrim na capa, de um bombeiro sobre um chão queimado, que, curiosamente, não foi tirada em Pedrógão, mas num incêndio em Lisboa, junto à Calçada de Carriche. Cotrim pensava que ia captar o interesse “de meia dúzia” de colegas, mas cerca de 200 pessoas responderam ao apelo e as fotografias doadas, e que vão estar disponíveis para compra com um preço mínimo de 20 euros, começaram a cair em catadupa. Já não só de fotojornalistas, mas também de fotógrafos premiados mas sem carteira profissional, que Cotrim não quis deixar de fora. Chegaram contributos do estrangeiro – Macau, Luxemburgo, Alemanha –, de colegas das agências internacionais (Reuters, Associated Press, France Press) e de muitos, muitos portugueses.
É só espreitar a página para descobrir lá as imagens cedidas por vários fotojornalistas da Lusa e de muitos jornais, incluindo o PÚBLICO, revistas ou freelancers. Estão lá imagens de Adriano Miranda, Paulo Pimenta, Manuel Roberto, Enric Vives-Rubio, Miguel Madeira, Alfredo Cunha, Luiz Carvalho, Estela Silva, Mário Cruz, Patrícia de Melo Moreira, Mestre Homem Cardoso, Leonel de Castro, Rodrigo Cabrita, Daniel Rodrigues, André Kosters, Egídio Santos, José Carlos Carvalho, Rui Duarte Silva, Tiago Petinga ou, entre muitos outros, Cristina Fernandes, a quem Cotrim quer deixar um agradecimento especial. “Foi a primeira fotojornalista portuguesa a trabalhar numa agência, a ANOP [Agência Noticiosa Portuguesa, a antecessora da Lusa], e é ela que está a ser a minha retaguarda e coordena a página do Facebook”, diz.
Cada um deles, e todos os outros cujo nome aqui não está, doou uma imagem à ideia solidária que vai concretizar-se na próxima quarta-feira, 19 de Julho, em Lisboa, na Fundação Portuguesa das Comunicações (espaço que se quis associar à iniciativa, muito por intervenção de Paulo Guerrinha, a quem Cotrim também quer agradecer). As fotografias, impressas com o patrocínio da Colorfoto, vão estar “penduradas numa espécie de floresta, suspensas”, explica António Cotrim. Pouco depois das 18h, quando as portas para esta exposição improvisada se abrirem, o fotojornalista da Lusa há-de perguntar aos presentes quem quer, então, contribuir para os bombeiros de Castanheira de Pêra – porque “os melhores de todos nós” do lema da iniciativa são os bombeiros portugueses e, em particular, os desta corporação a que pertencia Gonçalo Correia, que morreu na sequência do incêndio. “A ideia é que cada um vá, então, buscar a fotografia que quer e deixar a sua contribuição”, explica.
Cada um pode deixar o que quiser, acima do preço simbólico: “Os 20 euros são um donativo, que não paga o nosso trabalho nem o valor do fotojornalista. Mas lembrei-me dessa verba porque queremos cativar o maior número de pessoas, para que não haja quem diga que gostaria de lá ter ido, mas que não podia contribuir por o valor em causa ser demasiado alto”, diz Cotrim.
O fotojornalista não sabe quantas pessoas vão aparecer, mas admite que gostava que todas as imagens se vendessem logo na quarta-feira. As fotos que, eventualmente, não se venderem a 19 de Julho, continuarão disponíveis no mesmo local no dia seguinte e, se ainda houver sobras, poderão ser, posteriormente, adquiridas online. Cotrim diz também que está a pensar na possibilidade de a iniciativa chegar à cidade do Porto, para que também aí, os interessados, possam ajudar e levar para casa uma fotografia solidária.