Dos textos e voz dos jornalistas André Correia e Joana Ascensão surgiu "Com'versados", um projecto online de declamação de poesia que pretende criar proximidade com os ouvintes, onde os poemas são interpretados como se de uma conversa se tratasse. "Muitas vezes, a poesia acaba por servir para abrandar o tempo e o ritmo dos dias", afirmou André Correia, sendo um "escape do mundo frenético" em que se vive.
A escolha do formato de áudio para o projecto deve-se à vontade de ambos em se distanciarem dos estímulos visuais com que as pessoas são "bombardeadas" diariamente, permitindo-lhes entrar num universo próprio, no qual a palavra tem uma maior impacto. "Queremos que sejam poemas para levar para casa" e " que as pessoas sintam que também lhes pertencem, um pouco", acrescentou Joana Ascenção.
O intuito é que este projecto chegue às pessoas, mesmo às que não apreciam poesia, disse ainda a jornalista, para quem o "Com'versados" permite libertar o lado criativo dos dois fundadores.
O nome "Com'versados", contou André Correia, permite várias leituras, entre elas o facto de o programa ter surgido a partir de muitas horas de conversa e devido à interpretação muito própria da colega, que declama os poemas como se estivesse a conversar com o ouvinte. Joana Ascensão, que fez teatro e já foi vocalista numa banda de garagem, acredita que a sua experiência nas artes performativas a ajuda a ter uma maior sensibilidade na interpretação dos textos.
Com o mote "A tua voz nos meus poemas", a iniciativa, que arrancou oficialmente no domingo, tem como primeiro capítulo a interpretação do poema "Expedições Homéricas" do próprio André Correia, texto que, contou, questiona o sentido da poesia, a sua utilidade e a importância de saber esperar, por um momento ou por alguém.
A vontade do jornalista de 26 anos de dar vida aos seus textos é "antiga e peregrina" e foi crescendo ao longo dos anos, tornando-se mais séria nos últimos três meses, graças ao contributo da colega Joana Ascensão, de 22 anos, que passou a ser a voz dos seus poemas, interpretando-os com "total liberdade".
Natural de Mindelo, André Correia, que actualmente colabora com o jornal Expresso, escreve poesia desde os 16 anos, embora os cerca de 800 textos que foi elaborando ao longo do tempo só tenham sido vistos pelas pessoas mais chegadas, indo parar à gaveta, na maioria das vezes.
Enumera as ligações humanas e pessoais, os conflitos internos, as questões de identidade, a perda e a relação de "amor combate" que mantém com Portugal como temas recorrentes nos seus poemas, influenciados, em parte, pela corrente do surrealismo.
Segundo André Correia, normalmente, quando se fala de poesia, as pessoas pensam que é "uma coisa muito séria e chata" e associam o declamar poesia a "algo pomposo e formal", ideia que pretendem desconstruir. Talvez a poesia seja "tempo deitado" fora mas, se for isso, enquanto tiver tempo, há de continuar a "gastá-lo mal gasto", continua, confessando que escreve, muitas vezes, porque não tem as palavras certas para dizer. "Se fosse bom com palavras, não precisava de as escrever", concluiu.
Embora o foco do "Com'versados" seja a interpretação de textos dos criadores, Joana Ascensão, que trabalha no Smack (um projecto multimédia do Grupo Impresa), admite que podem existir excepções, como foi o caso do capítulo Zero, onde os criadores optaram por ler um texto do também jornalista José Miguel Gaspar, do Jornal de Notícias sobre a tragédia de Pedrógão Grande.
"Consideramos que seja um episódio zero por tratar-se de uma tragédia, que ninguém esperava que acontecesse e todos desejavam que nunca tivesse acontecido", referiu André Correia, considerando que o artigo é "arrepiante". A escolha deste texto para iniciar o projecto trata-se, simultaneamente, de uma homenagem a Pedrógão Grande e a todas aquelas pessoas que perderam tudo, mas, acima de tudo, de um tributo "ao bom jornalismo que se faz em Portugal".
De acordo com o colaborador do Expresso, durante a semana em que a tragédia se deu, viu exemplos "muito maus e degradantes" no jornalismo, no entanto, este texto, que considera "um banho de humanidade", trouxe-lhe uma "lufada de ar fresco". O facto de "andar à volta das relações humanas e afectivas", de deixar clara a necessidade de ligação entre as pessoas e de mostrar a incapacidade "que todos" têm de verbalizar certas coisas, são outros factores que levaram os criadores a escolher o texto, indo ao encontro daquilo que pretendem para o "Com'versados", que passa pela criação de proximidade e afectividade com o ouvinte.