Embora mais escondido, o sexismo continua a existir nas universidades portuguesas
Socióloga Maria do Mar Pereira publica livro em que conclui que há comentários sexistas e homofóbicos nos corredores da academia portuguesa.
Se é homem e chora, está a reagir como uma mulher. Ou se é mulher e tem um “grande” decote, alguém vai comentar. Ou ainda, se se interessa por temas relacionados com género é porque é homossexual. Estes são alguns dos comentários ou situações sexistas que a socióloga Maria do Mar Pereira diz existirem nas universidades portuguesas, como revela no livro Power, Knowledge and Feminist Scholarship: an Ethnography of Academia (ou Poder, Conhecimento e Investigação Feminista: Uma Etnografia da Academia), apresentado esta quinta-feira no simpósio “Sexismo nas Universidades Portuguesas”, no Centro de Cultura e Intervenção Feminista (CCIF-UMAR), em Lisboa.
Já se tinham realizado estudos sobre a discriminação de género nas universidades portuguesas, como a diferença de salários entre homens e mulheres ou a percentagem de mulheres que ocupam cargos de gestão nas universidades. Mas Maria do Mar Pereira, que actualmente é investigadora e docente na Universidade de Warwick (no Reino Unido), quis saber como é que nas instituições portuguesas se falava sobre as questões de género e como eram tratados investigadores e estudantes em relação a este tema.
“Interessava-me perceber quais eram as representações do sexismo na universidade em Portugal”, conta ao PÚBLICO Maria do Mar Pereira. E o que é o sexismo? “As pessoas pensam que é apenas a discriminação das mulheres, mas, na realidade, significa mais do que isso”, responde. “É uma discriminação que tem como base ideias de como devem ser os homens e as mulheres. Esse sexismo é aplicado tanto a homens como a mulheres que não encaixam nas ideias do que é um comportamento certo para um homem e para uma mulher.” Um dos exemplos que dá é a associação da masculinidade à virilidade.
Como tal, iniciou um projecto em 2006, no seu doutoramento, com financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Entre 2008 e 2009 fez entrevistas a quase 40 docentes, investigadores e estudantes – tanto homens como mulheres – de oito universidades de Norte a Sul do país. E também fez entrevistas a pessoas fora da faculdade, como a trabalhadores da FCT: “Têm uma visão que é um pouco diferente da de quem é cientista e quem é estudante.” Observou também mais de 50 eventos e reuniões públicas ou fechadas na área das ciências sociais e das humanidades. Anos mais tarde, entre 2015 e 2016, voltou a entrevistar 12 das pessoas já estudadas.
Ao longo do seu trabalho, alguns dos comentários mais frequentes foram sobre a depilação das mulheres ou sobre o uso de um “grande decote”. Ou até mesmo em sala de aula, quando alguém disse: “Alguma verdade deve haver quando se diz que os homens são melhores do que as mulheres.” Maria do Mar Pereira explica que essa pessoa teve a intenção de fazer uma piada, mas há algo mais complicado por trás: “Há muita investigação que demonstra que o humor é usado pelas pessoas para dizerem coisas em que acreditam e para não serem responsabilizadas”, explica.
Maria do Mar Pereira fala-nos também do “duplo padrão”, em que um mesmo comportamento de um homem ou de uma mulher é avaliado de forma diferente. “Um exemplo no meio académico é quando os homens criticam o trabalho de colegas são considerados inteligentes. Quando uma mulher critica o trabalho de outras pessoas, é considerada problemática, má e ressabiada.”
Estas situações existem em todos os sítios da universidade: durante a tomada de decisões, nas salas de aula, em congressos, em reuniões entre professores e alunos, nos corredores, nas redes sociais, nas associações de estudantes ou nas praxes.
Uma “cadeira” sobre género
A que conclusões chegou? “Existe sexismo diário entre docentes, entre estudantes, em todos os níveis e em todas as dimensões da vida universitária.” E ainda explica, num comunicado de imprensa, que hoje há um maior reconhecimento das questões de género no discurso oficial das universidades, que é mais cuidado e igualitário, o que não se verifica na vida universitária mais quotidiana.
E considera que isso pode afectar directamente a carreira de quem passa pelo sexismo: “Conheço casos de pessoas que não completaram os seus cursos ou que tiveram de sair de instituições, porque não viam maneira de ver resolvido e castigado o assédio sexual a que estavam sujeitas.”
Para a socióloga, o sexismo é mais invisível nas universidades porque são considerados espaços de liberdade, de questionamento da sociedade e de meritocracia. “Somos capazes de acreditar que [o sexismo] aconteça nas empresas, mas de alguma maneira pensamos que os cientistas são mais críticos ou educados. A verdade é que o estudo demonstra que há sexismo, tal como noutras áreas da sociedade, e que esse sexismo se torna mais invisível, precisamente porque estamos à espera de que não exista nas universidades.”
O que se deve fazer então? “Acho que não é possível esperar que as universidades façam espontânea e voluntariamente qualquer coisa para resolver estas questões.” Para a investigadora, a estrutura das universidades é demasiado fechada e renova-se pouco. Portanto, esta é uma questão que deve envolver o governo, as secretarias de Estado, os movimentos sociais e os media, para que se promova o debate público e se criem medidas. Além disso, devem ser feitas campanhas para tornar visível este tipo de situações.
E dá uma sugestão para as disciplinas nos cursos: “Parece-me fundamental que se encoraje o debate das questões de género dentro dos programas de licenciaturas e mestrados. Por exemplo, em Inglaterra, no meu departamento [de Sociologia] é obrigatório que toda a gente das ciências sociais faça uma cadeira sobre género.”
Quanto ao livro, foi publicado pela editora internacional Routledge, já tinha sido apresentado na sua universidade este ano e em Agosto vai ser lançado no Brasil. É possível comprá-lo por um “preço exorbitante”, como diz, por cerca de 28 euros em e-book e em papel por 102 euros. Estará disponível na biblioteca do CCIF-UMAR e de algumas universidades portuguesas. Para que, sublinha Maria do Mar Pereira, o sexismo nas universidades seja mais visível e combatido.