Construtora que fez obras em Tancos diz que “trabalho foi limpinho”

Corifa descarta responsabilidades no roubo de material de guerra. Alguém abriu o portão de segurança, sustenta sócio-gerente. Só foram reparados 900 dos 2500 metros da vedação dos Paióis Nacionais do Exército.

Foto
A vedação das instalações de Tancos ainda não está totalmente reparada David Clifford (arquivo)

“O acesso aos paióis é feito por um portão de alta segurança. O que faz sentido é que alguém tenha aberto o portão de segurança [para o veículo que terá transportado o material roubado entrar] e que o buraco na vedação tenha sido aberto como mera manobra de distracção.” A tese é de Manuel Castelão, sócio-gerente da Corifa – Construção Civil Lda., a empresa privada que, até há cerca de um mês, esteve a trabalhar na reparação da vedação e de dez paióis e um paiolim em Tancos, onde na quarta-feira foi roubado material de guerra.

Garantindo que os paióis intervencionados estavam vazios, Manuel Castelão garantiu ao PÚBLICO que ainda não foi ouvido pela Polícia Judiciária Militar (PJM) — o órgão de polícia criminal do Ministério da Defesa que está a investigar o roubo que já levou à exoneração de cinco comandantes envolvidos na segurança dos paióis de Tancos, depois de um primeiro “relatório-síntese” do chefe do Estado-Maior do Exército apontar aparentemente para o facto de ter havido “colaboração interna” neste assalto, nomeadamente porque os assaltantes actuaram nos locais sem videovigilância.

“Coincidência infeliz”

Para realizar a reparação nos paióis intervencionados, o pessoal da Corifa teve de aceder àquelas instalações militares e Manuel Castelão adianta que não foram adoptadas medidas especiais de segurança “porque os paióis que foram intervencionados ao nível da cobertura estavam completamente vazios”. A esta empreitada, no valor de cerca de 145 mil euros, somou-se uma outra de reconstrução da vedação periférica exterior no perímetro poente” dos paióis, a rondar os 137 mil euros. E também aqui não foram requeridas medidas especiais de segurança, “porque a reparação nos cerca de 900 metros de uma rede que tem à volta de 2500 metros foi feita pelo lado exterior”, ainda segundo o empreiteiro.

O sócio-gerente da Corifa garante que a sua empresa tem “um longo historial de colaboração” com o Ministério da Defesa. “Os nossos primeiros trabalhos para o Exército e para Tancos já têm mais de 20 anos”, assevera. Efectivamente, a construtora privada de Ourém tem um longo historial de contratos com instituições e organismos na alçada do Ministério de Defesa. Uma rápida consulta ao portal Base da contratação pública permite perceber que desde Junho de 2009 até Dezembro de 2016 a Corifa celebrou um total de 47 contratos com o Exército, Marinha e Força Aérea e organismos como o Instituto de Acção Social das Forças Armadas, Direcção-Geral de Armamento e Infra-estruturas de Defesa ou a Direcção-Geral de Recursos da Defesa Nacional. O valor total desses contratos ascende a 2,4 milhões de euros. O mais alto, de 190 mil euros, data de Agosto de 2013, quando a Corifa foi chamada a reabilitar unidades de alojamento na messe de sargentos da Marinha.

Só três destes contratos publicados no portal Base dizem respeito ao polígono militar de Tancos, todos celebrados no último trimestre de 2016 — incluindo a referida reconstrução da vedação exterior no perímetro poente dos paióis e as “reparações gerais” em dez paióis e num paiolim que servem para guardar armamento militar.

Que o roubo de armamento tenha ocorrido pouco tempo depois de concluídas estas últimas empreitadas foi, para Manuel Castelão, “uma coincidência infeliz”. “No início até fiquei preocupado mas não me parece que a investigação aponte para nós e ainda bem, porque o nosso trabalho foi todo limpinho. Espero que não nos façam perder muito tempo com isto”, declarou, para acrescentar que a Corifa se prepara, de resto, para concorrer ao novo concurso público para “reconstrução da vedação periférica exterior no perímetro Norte, Sul e Este dos paióis”.

Novas câmaras já

Por se tratar de uma empreitada superior a 299 mil euros (316 mil euros, mais IVA), a despesa estava sujeita à prévia concordância da tutela. O despacho do ministro Azeredo Lopes tem a data de 5 de Junho e o respectivo concurso foi publicado no Diário da República do dia 19 de Junho (embora o mesmo despacho só tenha saído a 30, ou seja, depois do assalto).

Enjeitando responsabilidades nas falhas de segurança que propiciaram o roubo de material de guerra — que o Ministério da Defesa se tem recusado a especificar mas que foi ontem tornado público pelo jornal online El Español , o porta-voz do Exército, tenente-coronel Vicente Pereira, sustentou que o Exército tinha há muito identificado a necessidade de várias reparações tanto nos paióis como nas vedações que os protegem.

“Já tínhamos reparado a rede do lado Oeste e já tínhamos requalificado alguns dos paióis. Mal acabaram estas empreitadas, foi pedido ao senhor ministro que se iniciasse a segunda fase. Estava tudo identificado e os pedidos feitos, estava tudo a decorrer. Infelizmente, fomos assaltados antes, mas a verdade é que há procedimentos administrativos a que o Exército não escapa”, declarou.

Relativamente às falhas na videovigilância, avariada desde 2015, Vicente Pereira garante também que “já estava a ser implementado o novo sistema integrado de controlo de acesso e vigilância electrónica”, sendo que, no caso de Tancos, “o investimento estava previsto para 2018, porque se considerou que as duas linhas de rede seriam suficientes e não justificavam a antecipação”. Face ao ocorrido, “o chefe do Estado-Maior determinou que houvesse uma antecipação para 2017”, acrescentou. 

PÚBLICO -
Aumentar
Sugerir correcção
Ler 9 comentários