China diz que declaração conjunta sobre Hong Kong “não tem significado”
Pequim diz que Reino Unido não tem qualquer “poder de supervisão” sobre Hong Kong. Londres contesta.
A frágil situação política em Hong Kong ameaça tornar-se num escolho diplomático entre a China e o Reino Unido. Numa aparente resposta a comentários do Governo britânico, Pequim afirmou esta sexta-feira que a declaração sobre a transferência de soberania assinada pelos dois países há vinte anos não passa de “um documento histórico”.
“Agora que se cumprem 20 anos desde que Hong Kong regressou à pátria, a Declaração Conjunta Sino-Britânica, como um documento histórico, já não tem qualquer significado realista”, afirmou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lu Kang, citado pela agência estatal Nova China.
Em causa está a declaração diplomática que regulou o processo de passagem da soberania britânica sobre Hong Kong para a China – que se concretizou a 1 de Julho de 1997. Neste documento está presente a fórmula “um país, dois sistemas”, que garante que um certo estatuto de autonomia à antiga colónia. Segundo esta noção, o modelo comunista da China continental não tem aplicação em Hong Kong, que tem obrigação de garantir uma série de direitos e liberdades – de imprensa, expressão, participação política – e manter um sistema judicial independente. Há ainda o compromisso de as autoridades locais promoverem reformas que ponham a cidade no rumo da democracia durante os 50 anos em que a Lei Básica está em vigor, ou seja, até 2047.
Lu Kang lembrou ainda que o documento “não tem qualquer poder vinculativo sobre a forma como o Governo central chinês administra Hong Kong”. “O Reino Unido não tem soberania, nem poder governamental, nem poder de supervisão sobre Hong Kong”, acrescentou.
As declarações do Governo parecem uma resposta a comentários feitos pelo ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Boris Johnson, que lembrava o 20.º aniversário da transferência da soberania de Hong Kong. “O compromisso do Reino Unido com Hong Kong, inscrito na Declaração Conjunta com a China, é tão forte hoje como há 20 anos”, afirmou Johnson.
O entendimento sobre o valor legal do documento parece diferente para Londres e Pequim. Numa resposta emitida pouco depois das declarações do Governo chinês, uma porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico reiterou a “validade” da declaração. “É um tratado legalmente vinculativo, registado junto da ONU, e continua em vigor. Como co-signatário, o Governo britânico compromete-se a monitorizar a sua implementação de forma próxima”, acrescentou.
A situação política em Hong Kong tem sido um factor contencioso nas relações entre Londres e Pequim. Recentemente, o último governador britânico do território, Chris Patten, acusou o Governo chinês de não respeitar a declaração conjunta. “Por vezes foi violado de forma revoltante, por exemplo com o caso do rapto dos livreiros”, disse Patten, numa entrevista ao The Guardian. O responsável referia-se ao caso de um grupo de editores que em 2015 foram sequestrados e levados para a China para serem interrogados – as autoridades continentais não podem interferir com a segurança interna de Hong Kong, de acordo com as disposições do “um país, dois sistemas”.
O político conservador deixou também muitas críticas à relutância do Governo britânico em defender a autonomia de Hong Kong publicamente. “De uma forma geral, continuamos a agir com a ilusão de que a não ser que nos curvemos de forma suficientemente baixa, nunca faremos negócios com a China”, afirmou o ex-governador.