Ordem dos Médicos acusa DGS de ter pessoas ligadas a associações antivacinas
Bastonário defende que o Governo deve apresentar queixa contra instituições que fazem publicidade antivacinas. Miguel Guimarães diz ainda que a utilização excessiva de antibióticos é um reflexo da falta de proximidade que existe entre médico e paciente.
A Ordem dos Médicos acusa a Direcção-Geral da Saúde de ter a trabalhar pessoas ligadas a associações que são contra a vacinação quando este organismo tem a obrigação de defender a saúde pública e de recomendar fortemente as vacinas.
O bastonário Miguel Guimarães defende, aliás, que o Governo já devia ter apresentado queixa no Ministério Público contra associações que fazem publicidade contrária às vacinas, não compreendendo que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) albergue pessoas que pertencem a instituições daquelas.
"Está a acontecer um fenómeno sobre o qual o Governo nada está a fazer, que é a publicidade que está a ser feita sobre a questão da vacinação por algumas instituições. Não podemos aceitar que, por exemplo, a chamada Sociedade Portuguesa de Homeopatia passe a mensagem para os portugueses de que as vacinas são más. E estou a ser simpático, porque o que dizem sobre vacinas é absolutamente pavoroso", afirmou à agência Lusa o bastonário dos Médicos.
Recentemente relançou-se em Portugal um debate sobre a importância da vacinação, depois de um surto de casos de sarampo, maioritariamente em pessoas não vacinadas, e que acabou por provocar a morte a uma jovem de 17 anos.
Miguel Guimarães insurge-se ainda contra o facto de "trabalharem na DGS pessoas que estão ligadas a este tipo de associações" que promovem a não vacinação: O "não é aceitável que no seio da DGS existam pessoas a trabalhar que promovem exactamente o contrário daquilo que a própria DGS promove". "Isto é um sistema estranho. A DGS tem obrigação de defender a saúde pública e de recomendar fortemente determinado tipo de práticas, depois, por outro lado, tem a trabalhar no seu seio pessoas que têm posições completamente opostas. É uma situação incompreensível", insiste.
A Ordem pode mesmo, "num futuro muito curto", equacionar a parceria que tem com a DGS em relação à elaboração de normas de orientação clínica, recomendações que funcionam como instrumentos de apoio à decisão clínica. "Temos uma parceria com a DGS para as normas de orientação clínica. Não sei se esta parceria deve ou não manter-se. Pode ser perfeitamente a Ordem a fazer as recomendações clínicas", avisa Miguel Guimarães.
O bastonário alerta que há pessoas que fazem campanha contra as vacinas e que haverá sempre uma faixa de população que "pode acreditar" nas afirmações que são feitas, "sem evidência ou base científica". "As autoridades podem fazer queixa no Ministério Público. Mas que país é este que está à espera que sejam as ordens profissionais a assumir um papel que devia ser predominantemente do Governo?", questionou Miguel Guimarães, em entrevista à agência Lusa.
O bastonário recorda que a Ordem pode actuar quando são médicos a pronunciarem-se, lembrando também que foram movidos "dois ou três" processos disciplinares a clínicos "que deixaram entender que as vacinas podiam estar associadas a autismo".
Ainda assim, sobre a vacinação, o bastonário recordou que Portugal tem das taxas de vacinação mais elevadas da Europa e um Programa Nacional que "tem funcionado bem", duvidando mesmo que seja necessário chegar a medidas que tornem as vacinas obrigatórias. Para Miguel Guimarães, o importante é dar informação às pessoas sobre a importância das vacinas, mostrando que ao não se vacinarem podem estar a "pôr em causa muitos milhares de vidas". Mas, ao mesmo tempo, é necessário combater a "publicidade" que é contrária à saúde pública.
Uso excessivo de antibióticos e falta de proximidade
A Ordem dos Médicos considera que a utilização de antibióticos em excesso se deve, em parte, à falta de proximidade na relação médico/paciente e lembra que há infecções cada vez mais complexas mas a indústria não investe em novos antibióticos.
O bastonário dos Médicos, Miguel Guimarães, recorda que a medicina começa na relação médico/doente, considerando que uma melhor comunicação e maior proximidade favorecem utentes e profissionais, inclusivamente no campo da prescrição de fármacos. "Utilizam-se antibióticos em excesso porque a relação médico/doente não é tão próxima como devia ser. Se fosse mais próxima, provavelmente havia menos necessidade de usar antibióticos. É mais fácil medicarmos um doente do que não medicarmos", afirmou Miguel Guimarães.
O representante da classe médica insiste que há uma elevada pressão na relação entre médico e doente, além da responsabilidade associada, levando à prática de uma medicina defensiva. "A medicina defensiva está a crescer porque as condições de trabalho não são as melhores. Neste momento, no nosso país, são particularmente más", indicou. O que ocorre, com a falta de tempo entre médico e doente e com as deficientes condições de trabalho, é que os médicos tentam proteger-se e acabam, por vezes, por actuar por excesso, "o que é mau", reconhece Miguel Guimarães.
A este propósito, o bastonário alude ainda ao "elevado nível de responsabilidade que os médicos têm em termos de sociedade civil", pagando até indemnizações aos doentes não por erro médico ou negligência mas por "complicações que eram previsíveis no decurso de um tratamento".
"Os médicos têm grande pressão e em última análise tentam proteger-se e atuam por excesso. Temos de desaconselhar esta actuação. É uma situação a que a Ordem vai ter particular atenção para tentar definir recomendações clínicas que protejam os próprios médicos para que, em determinadas circunstâncias, os médicos se sintam mais confortáveis para fazer só o que devem fazer e não medicina defensiva", afirmou Miguel Guimarães. Um exemplo desta medida defensiva é a realização de um exame que o médico está seguro de que não será necessário, mas avança com a prescrição por temer eventuais queixas formais por parte do doente.
Ainda no que respeita ao uso excessivo de antibióticos, apontado no recente relatório do Observatório dos Sistemas de Saúde, o bastonário lembra que há cada vez infecções mais complexas, uma realidade não exclusivamente nacional. "Mas também é verdade que o investimento que tem sido feito pela indústria farmacêutica na procura de novas soluções de antibióticos praticamente não existe. Nos últimos dez anos não apareceu nenhum antibiótico novo, o que surge são réplicas dos que já existem", sustentou o representante dos médicos.
A investigação nesta área está actualmente a ressurgir, mas a eventual falta de lucro destes fármacos para a indústria pode ser uma das causas para durante tantos anos ter havido pouco investimento.