Comissão técnica sobre Pedrógão Grande não tem acesso a informação em segredo de justiça
Especialistas têm no máximo três meses para entregar conclusões sobre os incêndios. E as autárquicas são a 1 de Outubro.
A comissão técnica independente para averiguar o que se passou nos incêndios em Pedrógão Grande pode fazer audições e ter acesso a informação de entidades públicas e privadas, à excepção do que se encontra em segredo de justiça ou de Estado. Quando a comissão for constituída – o que só acontece nas próximas semanas – terá no máximo três meses para entregar conclusões, o que atira o relatório para depois das autárquicas a 1 de Outubro.
O prazo para a conclusão dos trabalhos acabou por ser mais alargado do que o PSD pretendia inicialmente – que era de 30 dias prorrogável por mais 30 - por insistência do PS. O que acabou por ficar definido é que o mandato é de 60 dias, prorrogável por mais 30. Foi também por iniciativa dos socialistas que ficou consagrada no texto a possibilidade de uma entidade externa à Assembleia da República – o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas – nomear seis especialistas de entre os quais será escolhido o presidente. Os outros seis serão indicados pelo Presidente da Assembleia da República, depois de ouvidos os grupos parlamentares. Mesmo os que não apoiam a comissão – como o PCP e o PEV – vão poder indicar membros. Esse passo deverá ser dado já na próxima semana.
Se o Conselho de Reitores tende a escolher personalidades com um perfil mais académico, os partidos podem indicar “personalidades com experiência e conhecimento na gestão operacional”, segundo o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, que se congratulou com o “consenso” ainda que não fosse alargado. Os 12 elementos serão equiparados a dirigentes superiores de 1º grau (para efeitos remuneratórios), terão direito a receber ajudas de custo e o período em causa conta como tempo de serviço.
O projecto de lei que cria a comissão estabelece as “entidades públicas e privadas” estão “obrigadas” ao fornecimento de informação “atempado” e aos “esclarecimentos adicionais que lhes forem solicitados”. Se isso não acontecer, o relatório final pode assinalar a omissão da informação mas não há lugar a outras penalizações ao contrário do que aconteceria se se tratasse de uma comissão parlamentar de inquérito, que tem poderes judiciários. Mesmo entre os partidos que apoiam a iniciativa do PSD – o PS, CDS e BE – há quem tenha dúvidas sobre a capacidade de investigação desta comissão por causa da falta de poderes judiciários. Aliás, o projecto de lei ressalva que a comissão não tem direito a aceder a dados que estejam em segredo de justiça, o que pode ser relevante já que está a decorrer um inquérito no Ministério Público.
Há ainda dúvidas - mesmo dentro do PSD – sobre se a investigação da comissão esgota outros inquéritos. Luís Montenegro voltou a afirmar que a iniciativa não prejudica outro escrutínio, nomeadamente o parlamentar. Mas o certo é que Governo e PS – como ainda se viu no debate desta quinta-feira – pedem serenidade e remetem os esclarecimentos para as conclusões da comissão.
O âmbito da comissão incide sobre os incêndios em Pedrógão Grande e concelhos vizinhos entre 17 e 24 de Junho, e sobre a análise e avaliação das “origens, características e dinâmicas dos incêndios referidos”, bem como o “ordenamento florestal na área afectada e as respostas nos planos preventivo e do combate operacional”. Por outro lado, a comissão deverá “analisar a avaliar a actuação de todas as entidades do sistema de protecção civil e do dispositivo de combate de incêndios, dos sistemas de comunicação e informações e de serviços públicos relevantes, nomeadamente de infraestruturas de transportes de cuidados de saúde, de meteorologia, de forças de segurança e de órgãos de polícia criminal”. Neste âmbito, os especialistas estão incumbidos de analisar “as acções e omissões e a coordenação” entre os vários serviços.
O relatório final será apreciado no Parlamento mas não será votado pelos deputados, nem será obrigatoriamente enviado ao Ministério Público.
O PÚBLICO contactou António Cunha, presidente do Conselho de Reitores, mas o professor preferiu nada adiantar sem que a primeiro a Assembleia da República aprove a comissão, o que deverá acontecer esta sexta-feira. "O assunto deve ser tratado de forma reservada", disse apenas.
BE contra medidas do PCP
O PCP não apoia a criação da comissão técnica e avançou noutro sentido: propôs medidas “urgentes” de apoio às vítimas e de reforço da prevenção do combate aos incêndios florestais. Nesse sentido, a bancada apresentou um requerimento no grupo de trabalho de acompanhamento dos incêndios com o objectivo de definir calendário e procedimentos para desenvolver o processo legislativo. Só que teve a oposição do BE e a abstenção do PS por considerarem que a comissão técnica é prioritária. Ao que o PÚBLICO apurou, os dois partidos ainda tentaram adiar a votação, mas não houve consenso e o PCP também não retirou a sua proposta. A iniciativa acabou por ter apenas os votos favoráveis do PSD e do CDS, além do próprio PCP.
No requerimento, o PCP lembra que propôs as medidas na conferência de líderes desta semana em que foi discutida a criação da comissão técnica independente e que “nenhum grupo parlamentar se opôs”. Desta vez, a geringonça partiu-se. Com M.G.