O criador da Uber à procura da sua versão 2.0
Depois de várias polémicas, Travis Kalanick demitiu-se oficialmente da Uber. Há oito anos - depois de ter fundado três outros negócios - que se dedica exclusivamente à empresa. Agora, quer focar-se mais nas pessoas do que no trabalho.
O ex-presidente executivo da Uber, Travis Kalanick – que se demitiu do cargo esta quarta-feira, depois de ter anunciado sair da empresa por “tempo indeterminado” na semana passada – é frequentemente descrito como mulherengo, infantil, agressivo, e incapaz de resolver os problemas dos seus negócios.
Depois de meses com a empresa a acumular polémicas e centenas de queixas (de trabalhadores e clientes) sobre casos de assédio a funcionários, discriminação e bullying, os investidores da Uber pediram a saída oficial e uma mudança de liderança. Travis Kalanick vai continuar, no entanto, no conselho de administração.
"Amo a Uber mais do que qualquer outra coisa no mundo, e neste momento difícil da minha vida pessoal decidi aceitar o pedido dos investidores para me afastar para que a Uber se possa desenvolver em vez de se envolver noutra luta", declarou Kalanick num comunicado citado pelo New York Times.
Aos 40 anos, a Uber é o seu negócio de maior sucesso. A ideia surgiu numa noite em Paris em 2008 para se tornar numa aplicação móvel que funciona em mais de 650 cidades do mundo e está avaliada em 68 mil milhões de dólares (cerca de 61 mil milhões de euros).
O perfil ambicioso vem desde jovem. Kalanick aprendeu a programar quando ainda estava no 6.º ano e criou o seu primeiro negócio mesmo antes de terminar o secundário: um curso de preparação para os exames nacionais dos Estados Unidos que garantia que os estudantes conseguiriam pelo menos 1500 pontos (na altura, o máximo era 1600).
Conseguiu 1580 na sua prova e entrou num curso de engenharia computacional na Universidade de Los Angeles. Porém, desistiu a meio para criar a sua primeira empresa de serviços online com os amigos no final da década de 90. Não foi um sucesso.
Chamava-se Scour Inc, e era uma ideia muito semelhante ao Napster (um site famoso entre jovens no inicio do novo milénio, por permitir a partilha de músicas e ficheiros de MP3 entre amigos), mas também permitia vídeos e imagens. O negócio levou-o ao seu primeiro confronto com a lei, depois de várias associações e editoras de filme e música norte-americanas processarem o serviço por violação de direitos de autor. A empresa contestou as acusações, mas acabou por fechar por falta de dinheiro.
Kalanick não desistiu das ambições empresariais. Em 2001 fundou a RedSwoosh, outra empresa de partilha de ficheiros online, mas vendeu-a em 2007 à empresa norte-americana Akamai Technologies, por cerca em cerca de 15 milhões de dólares.
Um ano mais tarde, criou o blogue Swooshing (uma referência à antiga empresa), para partilhar ideias. É onde se começa a ler um pouco da personalidade actual de Kalanick: “Yo, este é o blog de Swooshing. Quem manda aqui é o Travis Kalanick, que publica sobre tudo de vez em quando, desde ideias, startups, corrupção governamental, e o que lhe apetecer”.
A Uber nasceu nessa altura, na sequência de uma piada num jantar de amigos com Garrett Camp (o co-fundador do serviço), durante uma conferência de tecnologia em Paris. Falavam de uma aplicação móvel para “pedir limusines” e assim escapar às chatices dos serviços de táxis. No início de tudo – antes de controvérsias sobre trabalhadores mal pagos, estratagemas para escapar à polícia, chefes agressivos, acções judiciais e queixas de agressões sexuais – era só uma ideia idealista para criar uma alternativa ao sistema de táxis insuportável em São Francisco.
Mesmo com todas as polémicas somadas, nove anos depois, ainda é o maior sucesso da carreira de Kalanick. Tornou-se o seu foco diário. Porém, ao longo dos últimos anos, a imagem pública da empresa e do fundador têm ofuscado o sucesso.
Em 2014, por exemplo, uma notícia da Esquire fala da piada em que Kalanick chama à empresa "boob-er” (uma fusão de Uber e da palavra inglesa para "mamas"), explicando que serve para ter “mulheres on demand”. Este ano foi filmado a gritar com um taxista depois de falhar as promessas de mudar o rumo da empresa (no meio de controvérsias sobre assédio sexual, ordenados baixos e estratagemas para enganar as autoridades).
A semana passada – depois de especulações sobre o conselho de administração o querer afastar – Kalanick enviou ele mesmo um email aos trabalhadores da empresa onde avisa que vai tirar uma licença sem vencimento, por tempo indeterminado, para se focar em ser uma pessoa melhor.
“Eventos recentes levaram-me a concluir que as pessoas são mais importantes que o trabalho”, escreve na carta, tornada pública. Fala da morte da mãe, num acidente de barco no final de Maio, cujo legado de “colocar as pessoas em primeiro lugar” quer agora reaprender a honrar.
“A responsabilidade final sobre como chegámos a este ponto está nos meus ombros”, continua Kalanick, que promete aproveitar o seu tempo fora para trabalhar na sua “versão 2.0” para se tornar o “líder que esta empresa precisa e merece”.
Notícia actualizada às 11h40 de 21 de Junho: Incluída informação sobre a demissão oficial de Travis Kalanick da Uber.