Propostas do Governo conduzem "à perda de autonomia dos magistrados"
Três perguntas a António Ventinhas: o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público aponta aspectos negativos e positivos do novo estatuto que nesta sexta-feira é debatido com o Ministério da Justiça. Diz que “depende do Ministério da Justiça e do Governo” haver ou não greve.
Quais os aspectos positivos e negativos na proposta de revisão de estatuto apresentada pelo Governo?
Identificámos dez aspectos negativos, entre os quais os magistrados jubilados poderem ser obrigados a regressar ao serviço mesmo com 70 e tal anos. E se uma pessoa perto dos 70 anos começar um julgamento só poderá aposentar-se quando ele terminar. Se nos reportarmos ao processo BPN, isso significaria ir para casa com quase 80 anos.
Outro aspecto relaciona-se com as transferências dos procuradores sem o seu consentimento. A conjugação da mobilidade forçada com o reforço das sanções disciplinares e a possibilidade de obrigar as pessoas jubiladas a regressarem ao trabalho conduzem à perda de autonomia dos magistrados. O Conselho da Europa já consagrou que uma forma de proteger essa autonomia é criando normas que impeçam que eles sejam movidos de um lado para o outro.
Mas a proposta ressalva que as transferências não podem causar prejuízos sérios à vida pessoal e familiar do magistrado.
O actual estatuto também fala na vida familiar e há magistrados colocados [contra a sua vontade] nos Açores e na Madeira. Portanto estamos conversados quanto a isso. Se a norma do novo estatuto em que isso está previsto for igual à que já existe na lei de organização do sistema judiciário vamos pedir a sua inconstitucionalidade – tal como já fizemos com este último diploma.
Nem na função pública nem no privado existe um regime destes, em que as pessoas são transferidas sem qualquer compensação. O que tem de novo esta proposta é a possibilidade de transferência sem consentimento dentro da mesma comarca. E se antigamente as comarcas eram do tamanho do município, agora são do tamanho do distrito. Se formos para o Alentejo, o Algarve ou Santarém estamos a falar de distâncias enormes.
Por outro lado, o sistema proposto em termos de carreiras implica um bloqueamento das promoções praticamente desde o início. Muitos lugares de promoção que eram para os procuradores da República passam a ser ocupados por procuradores-adjuntos, ficando muito reduzida a possibilidade de promoção.
Como positivo destaco a harmonização do estatuto com a lei de organização do sistema judiciário. O sistema remuneratório proposto é praticamente igual ao que está em vigor, mas tal como já tenho dito essa questão não é a principal.
Acha que vai ser possível evitar uma greve?
Depende do Ministério da Justiça e do Governo.