PJ Militar propõe investigação a alegadas agressões em dois cursos dos Comandos

Antes do curso 127, no qual morreram dois recrutas, outros dois motivaram investigações internas do Exército, mas foram arquivadas. Um dos instrutores denunciados em 2014 é um dos principais arguidos do inquérito-crime ao curso 127 e um dos que vão ser acusados.

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Comandos de cursos dos últimos anos integraram o contingente que partiu para a República Centro Africana em Janeiro deste ano Miguel Manso

Em Abril de 2014, quando decorria a segunda semana do Curso 123 dos Comandos, um instruendo acusou três instrutores de o terem agredido durante um exercício na carreira de tiro realizado no Regimento dos Comandos na Carregueira. O soldado, então com 21 anos, ficou com o nariz partido e o tímpano do ouvido direito furado. Foi um dos dez recrutas que deram entrada no Hospital das Forças Armadas, em apenas três dias, mas o único que se queixou pelo modo como foi tratado durante a instrução.

Diz que, além de agredido, não recebeu assistência quando já estava muito debilitado e sangrava do nariz, acrescenta que foi humilhado e obrigado a prosseguir a instrução quando pediu, em mais de uma ocasião, para parar os exercícios. Ao contrário do que fizeram os seus colegas, este soldado atribui responsabilidades aos instrutores pela condição em que chegou ao hospital e não à “intensidade da instrução”. Acusa um tenente, um sargento e um cabo.

O inquérito interno ao Curso n.º 123, em que se lê o seu depoimento, não chegou a ser conhecido na altura, mas pode agora ser consultado, como acontece com o inquérito interno ao Curso n.º 125 — estão ambos junto ao processo de investigação que decorre no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), coordenado pela procuradora Cândida Vilar com a colaboração da Polícia Judiciária Militar (PJM), para averiguar as circunstâncias em que ocorreram as mortes dos instruendos Hugo Abreu e Dylan da Silva em Setembro passado no Curso n.º 127, e cuja acusação deverá ser conhecida na próxima semana.

A PJM propôs à procuradora Cândida Vilar que, na acusação deste inquérito-crime, extraia certidões com vista à abertura de uma investigação criminal às alegadas agressões nos cursos n.º 123 e n.º 125.

O sargento apontado pelo queixoso no Curso n.º 123 foi no Curso n.º 127, no ano passado, o encarregado de instrução do grupo do furriel Hugo Abreu, está entre os principais arguidos e vai ser um dos acusados, apurou o PÚBLICO. É o mesmo que terá obrigado Hugo Abreu a engolir terra quando este já entrara em convulsões, como relataram várias testemunhas à investigação criminal no DIAP.

Um dos responsáveis do Curso n.º 125, em 2015, foi, por sua vez, no Curso n.º 127, em 2016, comandante de formação (responsável por todos os instrutores) e é outro dos que vão ser acusados na próxima semana. Este capitão e o sargento que foi instrutor no Curso n.º 123 estão, como os restantes 18 arguidos (no total são 20), indiciados por abuso de autoridade por ofensa à integridade física, um crime previsto no Código de Justiça Militar.

“Provas insuficientes”

Em 2014, no inquérito ao Curso n.º 123, o comandante do Centro de Tropas dos Comandos, coronel Luís Filipe Dores Moreira, considerou haver “fraca componente probatória”. Foram ouvidos instrutores presentes nos momentos da instrução em que o queixoso diz ter sido agredido e colegas deste que afirmaram, no processo de averiguações, não terem conhecimento de “nenhuma situação” de agressão. Apenas uma dessas testemunhas disse ter visto o recruta ser agredido, embora atribua a autoria da agressão a um instrutor que nega ter estado presente na ocasião descrita.

O processo de averiguações cita o relatório médico do Hospital das Forças Armadas, quando refere que o soldado “sofreu um traumatismo que lhe fracturou os ossos próprios do nariz e uma perfuração meso-timpânica” no decurso do curso de comandos. E dá como “provado” que “todos os instruendos que deram entrada no Hospital das Forças Armadas” apresentavam “feridas inciso-contusas, lacerações, escoriações, dispersas por todo o corpo, lesões nos cotovelos, joelhos e tornozelos”, mas considera que este quadro se deve a “actividade física com intensidade elevada” como “caracterizada” pelos instruendos ouvidos no inquérito.

Assim, conclui como “não provadas” a causa das lesões ou responsabilidade dos instrutores, apesar do relato detalhado do queixoso, que descreve a “agressão a pontapé” e “com murros”. Quando lhe deram um murro no nariz, ficou a sangrar, contou o soldado que diz ter sido agredido no seu depoimento.

Quando perguntou a um oficial se podia ser assistido pela enfermeira de serviço, este “atirou-lhe areia para a cara, tendo-lhe acertado com uma pedra no olho esquerdo e tendo todo o grupo [de instruendos] assistido a esta situação”, lê-se no mesmo depoimento. “De seguida, um cabo [da instrução de tiro] pegou numa mão-cheia de areia e colocou-me a areia pela nariz acima, causando-me dores de imediato e tendo o grupo [de instruendos] assistido a esta situação.” Mais tarde, e depois de ser obrigado a ir “ao charco”, como castigo, o oficial “agrediu-[-o] com uma chapada” do lado em que viria a ter o tímpano furado, relata o queixoso.

O gabinete de Relações Públicas do Exército não respondeu em tempo útil às perguntas do PÚBLICO. Uma delas era saber por que motivo o comandante Dores Moreira não contactou a Polícia Judiciária Militar face à denúncia e suspeita de que um crime poderia ter ocorrido no Centro de Tropas dos Comandos, na Carregueira, onde se realizava a instrução de tiro naquele mês de Abril de 2014.

Depoimento sem assinatura

No processo de averiguações aberto ao Curso n.º 125 em Outubro de 2015, quando oito instruendos foram internados no Hospital das Forças Armadas, um depoimento em particular não está assinado: o do instruendo que em pior estado chegou ao hospital e que ainda hoje está a recuperar das graves lesões de há dois anos, repetindo, sem sucesso, intervenções cirúrgicas.

O queixoso, que diz ter sido agredido, não concordou com a versão que consta do inquérito interno do Exército. A investigação foi arquivada em Novembro de 2015, considerando que apenas existia como “matéria de facto” das “referidas situações” de agressão “as declarações” do queixoso, o que foi considerado insuficiente “para provar as mesmas”, uma vez que “o próprio afirma ter perdido os sentidos e alucinar mais do que uma vez”.

Também a investigação interna ao Curso n.º 123 foi concluída “sem qualquer procedimento disciplinar” em Junho de 2014. Ambos os inquéritos internos foram arquivados por decisão do coronel Dores Moreira, que era e continua a ser o comandante do Regimento dos Comandos.

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