A Oliveirense "já merecia" ser campeã
Há muito que o hóquei em patins é a modalidade mais bem-sucedida em Oliveira de Azeméis e esse estatuto tem sido reforçado nos últimos anos. Neste sábado, a vice-campeã europeia pode dar um passo decisivo rumo a um objectivo que nunca alcançou: o título nacional.
Faltam só duas jornadas para o fim do campeonato, há três candidatos ao título e um deles não é o suspeito do costume na hierarquia do desporto nacional: arrumado o Sporting da matemática do primeiro lugar, quem bate o pé ao Benfica e ao FC Porto é a União Desportiva Oliveirense (UDO), clube de Oliveira de Azeméis que, no hóquei em patins, mede forças com os grandes e não prescinde dos lugares cimeiros na tabela. É certo que a época não começou bem para a equipa do distrito de Aveiro e que a derrota do passado fim-de-semana frente aos “leões” não ajudou na contabilidade, mas o facto é que, com base num desempenho seguro ao longo dos últimos meses, os vice-campeões da Europa ainda têm a hipótese de conquistar pela primeira vez o campeonato nacional – se neste sábado (17h) lhes correr bem o jogo com o Benfica e as coisas azedarem para o FC Porto, dois rivais a um ponto de distância.
“Em Agosto, vínhamos de uma época razoável em termos nacionais, mas, com cinco rotações de jogadores e metade da equipa a ter que ser renovada, sabíamos que ia ser bastante difícil fazer a reestruturação em tão pouco tempo e o que nos propusemos foi chegar aos momentos de decisão destas provas: a Taça de Portugal, o campeonato nacional e a Liga Europeia”, recorda Tó Neves, treinador da UDO após vários anos como jogador no clube, no FC Porto e na selecção nacional. “Como estivemos nos quartos-de-final da Taça de Portugal, na final-a-quatro da Liga Europeia e agora a momentos da decisão final do campeonato, estamos a cumprir”.
António Valente, que dirige a secção de hóquei da Oliveirense há 26 anos, reconhece que o título nacional seria “uma boa recompensa pelo trabalho que se fez ao longo da época e pelo esforço dos jogadores”. Garante que o projecto do clube “continuará forte” aconteça o que acontecer nas últimas jornadas do campeonato, mas, a pensar nas diversas empresas que apoiam a casa, nos adeptos do concelho e no impulso que isso daria à modalidade, considera que o prémio seria justo. “Oliveira de Azeméis tem pergaminhos no hóquei e é uma das cidades mais fortes da modalidade a nível mundial. Temos três Taças de Portugal, uma taça CERS e fomos vice-campeões da Europa por dois anos consecutivos, mas, em Portugal, nunca fomos campeões”, desabafa. “Somos sempre o 2.º ou o 3.º – já era tempo de ganharmos. Já merecíamos”.
O capitão da equipa, Ricardo Barreiros, assegura que foi para isso que os jogadores da casa andaram a trabalhar durante a época. “Tivemos muitas mudanças no plantel e com isso perdemos o que muitas equipas têm de melhor, que é o entrosamento entre os atletas, mas fomos recuperando e agora não vamos facilitar”, afirma o ex-hoquista do FC Porto, do Benfica e do Liceo da Corunha.
Bruno Fernandes, o único atleta da UDO que acumula o hóquei com outro emprego, realça, aliás, que essa meta o tem estimulado na sua agenda apertada. Das 8h às 17h trabalha na empresa Codil como desenhador de moldes e às 17h30 já está equipado dentro do rinque. “É desgastante, mas mais física do que mentalmente porque, além de ter o hóquei no coração, estou a praticar o desporto de que gosto, no clube que eu queria e isso é sempre uma motivação extra”, analisa o ex-jogador do Alcoy, do HC Cambra e da Académica de Espinho. “Comecei na Oliveirense com três anos de idade, saí aos 24 anos e nessa altura o nosso objectivo era ficar nos seis primeiros; agora, a meta é ficar no topo e o que queríamos mesmo era ganhar”. A mudança operada no clube durante os 10 anos em que Bruno esteve afastado torna o sonho viável: “A Oliveirense que eu conheci esteve sempre nas cinco melhores equipas, mas não tem nada a ver com o que é hoje. O clube agora está muito mais organizado, muito profissional e, com o leque de jogadores que tem, o nível de desempenho teve que acompanhar”.
Foi à custa dessa profissionalização, aliás, que Jordi Bargalló se enquadrou rapidamente na UDO. “A adaptação foi muito boa”, afirma o ex-jogador do Liceo, internacional espanhol com vários títulos de campeão da Europa e do mundo. “O hóquei português é muito ofensivo, rápido e um bocado descontrolado, mas joga-se num país que adora a modalidade e em pavilhões que se enchem com gente muito apaixonada, portanto está a ser uma experiência muito interessante para mim”. O mais complicado, confessa, foi alcançar a sintonia dentro do rinque, mas isso também já está superado. “Com tantos jogadores novos e de diferentes Ligas, no início foi difícil, mas sabíamos que tínhamos uma grande equipa”, conta Jordi. “Agora só nos falta um bocado de sorte”.
Tó Neves prefere confiar noutros factores. Até aqui, “o segredo esteve na atitude e no desempenho dos jogadores – todos sabiam das dificuldades e contribuíram bastante para que houvesse sucesso desportivo”. No que falta até ao fim da época, há agora que enfrentar a realidade com um esforço de superação extra. “No desporto português é tradicionalmente difícil combater com FC Porto, Benfica e Sporting”, explica o treinador. “Têm mais adeptos e, como em tudo o mais na sociedade, eles estão distribuídos pela estrutura geral do desporto: estão dentro dos clubes, dentro das federações, dentro das arbitragens. Daí que é sempre de forma desigual que nos batemos com essas equipas, mas a realidade não se pode evitar. Só podemos é jogar. E, desde que nos deixem, é isso que vamos fazer”.
No "top-3" com menos de mil sócios
Embora a UDO tenha nascido em 1922 e a sua secção de hóquei em 1969, há uns 40 anos os seus jogos ainda se faziam no chamado “Campo da Eira”, um rinque em cimento, sem cobertura, onde os atletas patinavam à chuva. No final do treino, os equipamentos seguiam para as lavandarias da empresa Proleite ou do Berço Vidreiro, a tempo de serem usados novamente no dia seguinte, para, sobretudo no Inverno, logo se molharem outra vez.
Muita coisa mudou, portanto, quando o Pavilhão Salvador Machado abriu ao público em 1986, apto a acolher uns 2300 espectadores sentados e 5000 em pé, como aconteceu no Campeonato Europeu de Juvenis em 1986. “Fomos atraindo cada vez mais gente ao pavilhão e, se calhar, nunca se viu em Portugal um tão cheio como o nosso, no último jogo que aqui tivemos contra o FC Porto [a 27 de Maio]”, refere António Valente. “Claro que oferecemos muitos bilhetes para haver uma boa moldura humana, mas é preciso ver que somos um clube pequeno e nem mil sócios temos”.
Entre esses seguidores há, contudo, uns 70 que são particularmente ferrenhos e constituíram entre si a chamada “Charanga”, uma claque com elementos dos 4 aos 70 anos que tem seguido a equipa da Oliveirense pelo país e pelo estrangeiro, quase sempre a expensas próprias. “Se a equipa for jogar a uma cidade que implique viagem de avião, aí não podemos ir, mas, tirando isso, arranjamos sempre maneira de estar com deles”, conta Marlene Marques, apontada como a adepta “mais louca pelo hóquei” dado o tempo que dedica à organização logística das viagens da claque.
Diz que o faz “por amor”, reconhece que várias vezes troca família e filhos por “muitos quilómetros de viagem” e contabiliza em “algumas centenas de euros” o que essa dedicação lhe custa anualmente, mas argumenta que clube e equipa o merecem, pelo empenho que aplicam em estar “ao nível dos maiores”, mesmo que com recursos mais modestos. É por isso que, feitas todas as contas e reservado já um novo autocarro para o jogo na Luz, Marlene insiste no sentimento geral: “Depois de sermos vice-campeões da Europa por duas vezes, era bonito sermos campeões em Portugal. A taça que venha, que havemos de tratar bem dela”.