Bill Cosby começa esta segunda-feira a ser julgado por crimes sexuais
Dezenas de mulheres acusam o comediante septuagenário de crimes sexuais, mas só uma mulher o conseguiu levar a tribunal - o seu testemunho, e o de outra alegada vítima, será ouvido esta semana.
Embora dezenas de mulheres tenham acusado Bill Cosby de as ter agredido sexualmente, destruindo a sua reputação de “pai da América”, quando o seu julgamento começar esta semana a resposta à pergunta sobre se ele será ou não preso depende das palavras de uma única mulher.
O desfecho, juntamente com a forma como será tratada a queixosa Andrea Constand quando testemunhar, pode afectar a forma como as mulheres que tenham sido agredidas sexualmente por homens poderosos decidem ou não acusá-los formalmente – é o que dizem vários peritos que estudam crimes sexuais.
"Se Cosby for absolvido, acho que as pessoas vão encolher-se, especialmente se a vítima for muito mal tratada”, disse Aviva Orenstein, professora de Direito na Universidade do Indiana e investigadora académica de crimes sexuais. Mas Jennifer Long, ex-procuradora do estado da Pensilvânia, e que gere uma organização sem fins lucrativos, a AEquitas, para aconselhar magistrados em casos de violência sexual, está optimista quanto ao facto de que ver Constand a testemunhar contra uma celebridade poder inspirar mais mulheres a vir a público.
Constand, ex-jogadora de basquetebol e treinadora na Universidade de Temple, onde estudou Cosby, acusou o comediante de a drogar e agredir sexualmente há 13 anos na sua casa em Filadélfia. Cosby, de 79 anos, tem negado repetidamente qualquer responsabilidade quanto às acusações que abrangem uma série de casos que remontam à década de 1960 – a maior parte deles é demasiado antiga para gerar uma acusação criminal.
A antiga estrela do êxito televisivo dos anos 80 The Cosby Show não planeia testemunhar durante o julgamento que agora começa em Norristown, Pensilvânia, e que se prolongará por duas semanas. Deixa assim Constand como a testemunha-chave da acusação mas também como o principal alvo para os advogados de Cosby, adivinhando-se um duro interrogatório.
Os advogados de Cosby têm dado sinais de que vão ser abrasivos com Constand quanto à espera de quase um ano entre a alegada agressão e a apresentação de uma queixa, mas também por que é que ela continuou a contactar com Cosby durante meses depois, levando até a sua mãe para ver um dos seus espectáculos.
Reacções imprevisíveis
Os peritos em agressão sexual dizem que as vítimas têm muitas vezes comportamentos incongruentes e que isso se deve a uma série de razões. Não é raro que as vítimas continuem a relacionar-se com os seus agressores, talvez para recuperar uma sensação de controlo ou de normalidade ou para tentar compreender o que aconteceu, disse Long. “Embora as pessoas quisessem acreditar que só há uma forma de as vítimas de crime reagirem, sabemos que a forma como as vítimas reagem ao trauma é variada”, disse.
Na semana passada, o juiz Steven O'Neill permitiu que a acusação traga um psicólogo para testemunhar sobre se o comportamento de Constand é ou não comum numa vítima de violência sexual – este tipo de peritos só é permitido em tribunal desde 2012 na Pensilvânia, o último estado dos EUA a autorizar tais testemunhos.
O testemunho de Constand será reforçado pelo de outra mulher que acusa Cosby de a ter drogado e agredido sexualmente num caso de contornos muito similares em 1996. Essa mulher, conhecida publicamente apenas como Kacey, pode ajudar a influenciar os jurados com dúvidas quanto à história de Constand, dizem os peritos. Há estudos que mostram que os jurados que sabem de casos anteriores têm muito maior probabilidade de condenar um réu, diz Orenstein. “Há um consenso generalizado de que o conhecimento de antecedentes inflacciona a taxa de condenação”, disse.
O juiz permitirá que Kacey testemunhe só para mostrar um padrão de comportamento de Cosby ou para erodir quaisquer alegações da defesa de que ele possa não ter percebido que Constand não estava em condições de consentir ou não o acto sexual; os jurados não podem ter em conta o que a história de Kacey diz sobre o carácter de Cosby. Mas essa distinção legal pode ser difícil para os jurados, diz David Harris, professor de Direito na Universidade de Pittsburgh e que tem estado a acompanhar o caso. "O que se passa é que há um júri a afastar-se da sua verdadeira missão. O caso a ser julgado hoje é: Bill Cosby agrediu sexualmente Andrea Constand? O júri pode dizer ‘bem, não tenho a certeza disso, mas ele é um tipo mau’”.