Revolta e elegia, haiku e ilustração: um livro sobre refugiados

A ilustradora Ana Biscaia, o escritor João Pedro Mésseder e a designer Joana Monteiro juntaram-se para montar um livro sobre as travessias dos refugiados

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Uma das ilustrações do livro Clube Mediterrâneo — doze fotogramas e uma devoração Ana Biscaia

Da torrente de imagens sobre o drama dos refugiados que tem chegado aos olhos dos europeus nos últimos anos há algumas que se fixaram de forma mais persistente na memória colectiva. Desde a repórter de imagem húngara a rasteirar um pai com o filho ao colo, ao corpo inanimado de uma criança numa praia turca.

O escritor João Pedro Mésseder, permeável a essa realidade, sentiu necessidade de a reflectir em texto. “Essas imagens começaram a marcar o olhar dos europeus. Esse trauma fez-me escrever”. Dessa necessidade nasceu Clube Mediterrâneo — doze fotogramas e uma devoração, livro de haikus com ilustrações de Ana Biscaia e design de Joana Monteiro.

Os fotogramas são como capturas de uma narrativa maior, “de um filme que se está a passar perante os nossos olhos todos os dias”. O título do livro não é inocente, assumindo várias significações. Há “uma alusão irónica” ao Club Med, uma empresa de turismo que apresenta os países do Sul da Europa como “países do sol, do mar, da comida e do bom clima”. Mas, pelo contrário, os refugiados do Norte de África e do Médio Oriente chegam ao “inferno”. As ilustrações oscilam entre os tons cálidos e de carvão, como referência a esse ambiente adverso. Também está presente a dicotomia europeia Norte - Sul. 

Ana Biscaia fala de imagens “inauditas para os nossos tempos e que nos fazem lembrar outras épocas da história”. Daí que, apesar de ser um livro em que a ilustração tem grande destaque, está longe de ser para crianças. “O texto poético é muito duro e as imagens são também duras”, descreve a autora que em 2013 venceu o Prémio Nacional de Ilustração.

O livro, refere Ana Biscaia, fala sobre a vida destas pessoas que “buscam a paz e fogem da guerra”, da chegada a um continente que, “muitas vezes, recebe estas pessoas de forma horrenda e desumana, erguendo muros e com pontapés”.

A obra que cruza poesia, ilustração e design termina com a “devoração”, um poema de maior dimensão que os anteriores que, segundo Mésseder, transmite “não apenas a ideia forte de devoração dos refugiados pelo mar, mas também a ampliação dessa metáfora” de todos os que os exploram. Desde senhores da guerra aos traficantes.

Nos curtos poemas que antecedem a “devoração”, há “um certo tom de revolta e de elegia”, conta o autor. Mas o livro é “também uma lamentação pela forma como a Europa da civilização, dos valores do iluminismo, não soube estar à altura desta tragédia”.

Esta não é a primeira vez que a ilustradora e o escritor trabalham juntos, sendo que a última vez que se juntaram foi para fazer um livro para crianças sobre a Palestina.

Clube Mediterrâneo - doze fotogramas e uma devoração é uma edição trilingue (português, francês e inglês) da Editora dos Tipos e Xerefé e foi apresentado neste sábado, no Museu da Água, em Coimbra, durante a Feira Cultural da cidade. A edição produzida na Tipografia Damasceno teve apoio da Universidade de Coimbra. 

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