Em Gotemburgo, o futuro vem no 55: eléctrico e sem emissões

Projecto ElectriCity criou uma carreira de autocarros eléctricos entre universidades e prevê expandir-se em 2018. Já pensou apanhar o autocarro dentro do hospital ou do IKEA? Na Suécia já falta pouco para isso.

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Na linha 55 aproveita-se todo o tempo em que o autocarro está imobilizado para carregar

Em silêncio, o autocarro 55 deixa a paragem junto do Johanneberg Science Park, da Chalmers University of Technology, na zona continental da cidade de Gotemburgo e segue, sob uma chuva miudinha, sem solavancos nem acelerações pelas ruas da cidade de Gotemburgo. Na viagem pode-se carregar o telefone nas tomadas USB, usar o wifi, ver televisão – até já houve concertos de música clássica a bordo.

Uma dezena de paragens depois, já do outro lado do rio Göta älv, na ilha de Hisingen, chegamos ao pólo universitário de Lindholmen Science Park: paramos dentro de uma estrutura de vidro e ferro e a enorme porta fecha-se atrás de nós.

No cais, há mesas e cadeiras de café, uma estante com livros para emprestar e até um armário da DHL onde os alunos – ou qualquer passageiro – podem pedir para receber encomendas.

Com o sol a espreitar, bebe-se um cappuccino, come-se um gelado ou uma salada a poucos metros do autocarro sem barulho do motor e sem cheiro a combustível. O autocarro que acabou de parar é 100% eléctrico e não tem qualquer emissão poluente – mas tem o aspecto e a capacidade de um bus convencional, cerca de 80 passageiros. E para os cépticos há também um argumento: não sendo possível uma linha de energia dedicada, compram-se quotas de produção de energia eólica para a carreira 55.

Números? Em dois anos, os onze autocarros do projecto piloto ElectriCity, em Gotemburgo, percorreram 785 mil quilómetros e reduziram as emissões poluentes em perto de 4600 toneladas de CO2 (comparando com os autocarros convencionais).

Nesta carreira, há quatro autocarros que funcionam exclusivamente a electricidade, e sete híbridos que têm um motor diesel e outro eléctrico. A especificidade da linha 55, por comparação com outros projectos de autocarros eléctricos, é que o carregamento é feito por pantógrafo nos dois pólos da universidade de Chambers: assim que o veículo pára e o travão-de-mão é puxado, o sistema de duas barras desce sobre o tejadilho e começa o carregamento. Bastam três a cinco minutos para as baterias ficarem com a carga completa depois de uma viagem de 7,8 kms. O pantógrafo só desliga quando o travão do veículo é desactivado.

É o chamado “carregamento de oportunidade”: aproveita-se todo o tempo em que o autocarro está imobilizado para carregar, sem ter que alterar horários nem precisar de ir a uma estação específica. Isso aumenta a eficiência de mobilidade dos veículos e reduz os tempos de paragem.

Inaugurada em Junho de 2015 depois de um planeamento de dois anos, a experiência foi feita numa linha criada de raiz, a 55. A aceitação, a acreditar nos cerca de 100 mil passageiros mensais (a previsão inicial era de metade) e nos inquéritos, é muito boa, dizem Malin Andersson, a responsável da câmara de Gotemburgo no projecto, e Frances Sprei, investigadora em questões de mobilidade sustentável.

Vantagens? Além do silêncio e da ausência de poluição, a médio/longo prazo os custos são menores, os transportes públicos podem chegar a zonas residenciais ou outras mais sensíveis em termos de preservação do património. À passagem de um autocarro a metros da janela, dentro de casa ouve-se um ruído de 15dB, o equivalente a ter alguém a suspirar ao nosso lado, dizem os especialistas do projecto.

Paragem no Ikea?

Estes autocarros podem mesmo entrar em edifícios e serviços públicos, como hospitais, bibliotecas, escolas, ou de comércio – como um centro comercial ou uma loja Ikea.

Ulf Magnusson disse ao PÚBLICO que está a ser planeada uma nova linha para lançar daqui a um ano, e Magnus Broback, vice-presidente da unidade de mobilidade citadina da Volvo Buses, admite que poderá ser ainda mais inovadora que a 55, incluindo já alguns superfícies públicas e comerciais.

Depois de tecnologias como o cruise control ou o ABS terem feito o caminho dos autocarros para os veículos ligeiros, outras há que estão a fazer o sentido inverso, como é o caso de sistemas que impedem a divergência do autocarro para outra faixa de rodagem, o travam antes de embater ou conseguem “ler” o nível de atenção dos motoristas na estrada através da posição dos seus olhos.

“Andar de autocarro é pelo menos 10 vezes mais seguro que de automóvel”, vinca Peter Danielsson, director de segurança da Volvo Buses. Mas e para os transeuntes? Os veículos eléctricos são naturalmente silenciosos e apesar de o peso e o atrito de um autocarro fazerem algum ruído, o barulho nas ruas da cidade é mais elevado. Daí que, tal como nos ligeiros, os fabricantes admitem criar sons para alertar os pedestres. No âmbito da segurança, há outras áreas para desenvolver como a detecção dos peões que se aproximam, a comunicação entre veículos que permita o chamado platooning, incluindo a condução autónoma de pelo menos um deles e a gestão dos semáforos, descreveu Danielsson durante uma visita ao Volvo Bus Experience Centre. Para isso, ainda faltarão uns 20 anos, estima Ulf Magnusson, vice-presidente da Volvo Bus Europe.

“As infra-estruturas e as baterias eléctricas estão a desenvolver-se muito depressa. A indústria automóvel está a anunciar a opção pelo 100% eléctrico e todos os países falam em apostar na mobilidade eléctrica com visões para 2020 ou 2025. E o tempo voa”, afirma este responsável, que acredita ser um caminho de não retorno. “Haverá espaço e necessidade para todo o tipo de tecnologias a médio prazo, seja eléctrico ou híbrido eléctrico, porque cidades diferentes têm necessidades diferentes.”

Para já, tendo em conta a limitação das baterias, a estratégia é simples: usar veículos 100% eléctricos no centro da cidade e híbridos ou convencionais para percursos mais longos ou que quererem maior esforço do motor (em percursos sinuosos) ou então fora do coração urbano ou histórico. Mas até é possível programar o percurso de forma a torna-lo mais eficiente no consumo de energia e seguro, limitando a velocidade em alguns troços ou, no caso dos híbridos, obrigando ao uso do motor eléctrico numa zona de emissões zero ou do diesel – como acontece na passagem da Göta älvbron, com o seu icónico troço levadiço.

Baterias em casa

Sendo este um projecto-piloto, é fácil fazer os responsáveis falar sobre a concepção. Já sobre custos, o muro é intransponível. Dizem apenas que cada parceiro trouxe a sua parte: a Volvo fornece os autocarros e a tecnologia, a Siemens e a ABB os carregadores e a energia, a câmara municipal as infra-estruturas, entre outras empresas de tecnologia.

Frances Sprei admite que os custos de investimento são muito mais altos que numa linha de bus convencional, mas lembra os fundos europeus e os incentivos estatais para as empresas de transportes. E recorda que a realidade dos preços dos combustíveis na Suécia não é muito diferente de Portugal: 60% do preço do litro de gasóleo são impostos.

O projecto ElectriCity não se resume à implementação da carreira 55 e ao esforço de redução do impacto ambiental em torno da utilização dos autocarros eléctricos. Há também uma componente de investigação que vai para além de estudar a forma como os passageiros usam e percepcionam esta linha e o que ela significa para o futuro das cidades.

Serve também, por exemplo, para perceber como irão evoluir as necessidades energéticas da mobilidade urbana e como lhes dar resposta, conhecer o ciclo de vida dos novos transportes urbanos, desenvolver a vida das baterias e como as reaproveitar. E para pensar o futuro, estudando como integrar o planeamento urbano, transportes e o parque residencial, através da construção de edifícios ambientalmente sustentáveis ao longo dos eixos viários onde circulam veículos eléctricos, ou até projectos de reciclagem que aproveitam as baterias usadas dos autocarros para armazenar energia numa urbanização de 132 apartamentos que serão estreados no próximo ano.

Já agora: o bilhete para uma viagem de autocarro custa tanto como um cappuccino na estação de Teknikgatan: 26 coroas, ou seja, 2,7 euros.

O PÚBLICO viajou a convite da Auto Sueco Portugal

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