Uma ministra debaixo de fogo
Só os polícias têm manifestação com dia marcado. Mas outras forças ameaçam seguir pelo mesmo caminho.
Nem todas as reclamações das entidades tuteladas por Constança Urbano de Sousa têm a ver com aspectos materiais. Também há queixas de desconsideração decorrentes de declarações dos actuais responsáveis pelo Ministério da Administração Interna.
PSP faz manifestação dia 28
“As coisas estão a correr bem”, ironiza o presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, Paulo Rodrigues. “Estamos a meio do ano e os concursos para promoções na polícia ainda não estão concluídos. Resultado: há dois novos postos que não têm ninguém lá colocado...”
O dirigente enumera outras razões que vão fazer os agentes sair à rua no dia 28, numa manifestação nacional, em Lisboa: a lista dos agentes em condições de pré-aposentação, que tenham cumprido pelo menos 36 anos de serviço e tenham mais de 55 anos ainda não foi publicada; há mais de mil agentes na reforma que recebem menos do que deviam devido a uma deficiência na lei; ao contrário dos colegas da Judiciária, os agentes da PSP continuam sem subsídio de risco — muito embora recebam um suplemento de 20% do ordenado que se destina entre outras coisas a compensar os riscos acrescidos da profissão. E caíram mal as declarações da ministra por altura da visita do Papa, quando sugeriu que os agentes queriam ser alojados em hotéis de cinco estrelas.
Guardas viraram as costas à ministra
Num protesto inédito três dezenas de militares da GNR deixaram bem patente o seu descontentamento quando, há um mês, viraram as costas à ministra da Administração Interna durante uma cerimónia junto ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa. Centenas de colegas seus, fardados, perfilavam-se ao longo da fachada do monumento, enquanto César Nogueira e outros dirigentes da Associação dos Profissionais da Guarda, de T-shirts pretas vestidas, descreviam aos jornalistas um quotidiano feito de falta de veículos, de falta de coletes à prova de bala e de algemas. E nalguns postos até de casas de banho.
À crónica escassez de meios humanos no terreno junta-se o problema das carreiras há muitos anos congeladas. O facto de Constança Urbano de Sousa ter conseguido aquilo que os guardas reivindicavam há muitos anos — a fixação de um horário de trabalho — não foi suficiente para, no passado dia 24 de Maio, centenas de homens se terem manifestado na rua contra o novo estatuto profissional, gritando: “Costa escuta, a GNR está em luta”.
SEF não descarta protesto
Os homens e mulheres que trabalham para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) “não descartam nenhuma possibilidade de protesto” perante as condições de trabalho a que estão sujeitos, assegura o dirigente sindical Acácio Pereira. Pelas suas contas, cada inspector de serviço ao aeroporto teve de controlar 43 mil passageiros no ano passado.
“Pior do que isto só escravatura”, diz o presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que aponta ainda um parque informático “parado no tempo” e uma frota automóvel “velha e em parte desgastada” como sintomas de que algo vai mal no reino de Constança Urbano de Sousa.
Mas o que abespinhou realmente os dirigentes sindicais foram as recentes declarações da governante sobre o funcionamento do SEF, que acusou de ter uma estrutura pesada e uma gestão inflexível. “Deu uma triste imagem de si própria”, criticou o sindicato. “Se fala assim de um corpo de 750 inspectores que desempenha um conjunto imenso de competências, o que deveria dizer de forças como a GNR e a PSP às quais, por mero receio táctico de contestação, tem cedido privilégios atrás de privilégios?”
Bombeiros menos exaltados
A descida no financiamento para 2017, que afectou 210 corporações de bombeiros, por um lado, e a recusa de aumentar as comparticipações previstas no âmbito do Dispositivo Especial de Combate aos Incêndios Florestais, por outro, incendiaram os ânimos dos bombeiros voluntários, a ponto de alguns corpos e associações terem avisado que não estariam em condições de actuar no combate aos incêndios fora dos respectivos limites geográficos.
Para piorar o cenário, o secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, referiu-se, em diferentes palcos, aos bombeiros voluntários de uma forma que semeou a contestação e levou vários corpos, entre ameaças de boicote às comemorações do Dia do Bombeiro e entrega de petições no Parlamento, a exigir-lhe um pedido de desculpas público. Em causa estavam insinuações de amadorismo e intervenções que poderiam levar a pensar que cada bombeiro voluntário destacado para o combate aos fogos encaixaria no final do mês à volta de 1350 euros, o que só seria verdade se um voluntário estivesse destacado 24 horas por dia, durante 30 dias seguidos.
Que se saiba, o governante não chegou a pedir desculpas. Mas depois de Marcelo Rebelo de Sousa se ter referido aos bombeiros como “os melhores do mundo”, a intervenção da ministra da tutela ajudou a serenar os ânimos. Na terça-feira, Constança Urbano de Sousa e Jorge Gomes reuniram-se com a Liga dos Bombeiros Portugueses e concordaram incumbir dois grupos de trabalho de apresentar uma proposta de revisão da lei de financiamento, para “corrigir alguns desajustamentos”, bem como para operacionalizar a criação do Cartão Social do Bombeiro — que congregará diversos benefícios sociais como a consideração com bónus do tempo de serviço para a contagem da reforma.
A ministra comprometeu-se ainda a reforçar a compensação dos bombeiros que integram o dispositivo especial de combate a incêndios em 2018, admitindo conceder-lhes uma compensação extraordinária já em 2017. Actualmente, cada bombeiro recebe à volta de 1,89 euros por hora de combate às chamas. As promessas bastaram para, pelo menos por enquanto, acalmar a contestação.