Com a eleição de Leo Varadkar abrem-se as portas para uma nova e moderna Irlanda
O jovem político e médico foi eleito líder do Fine Gael, abrindo caminho para a chefia do Governo. Homossexual assumido, promete tornar a Irlanda conservadora numa Irlanda socialmente moderna.
Está escolhido o novo líder do partido irlandês Fine Gael, que vai suceder a Enda Kenny, anterior Taoiseach (primeiro-ministro), que abdicou da função em Maio. Leo Varadkar está a um passo de se tornar no primeiro chefe do Governo assumidamente homossexual na República da Irlanda, marcando assim um corte na tradicional e conservadora sociedade irlandesa, marcadamente influenciada pela Igreja Católica. Muito pode mudar na agenda social de Dublin, mas os analistas avisam que o filho de um imigrante indiano terá de se concentrar primeiro na missão hercúlea de unir o partido democrata-cristão. Caso contrário, o seu destino poderá ser igual ao do antecessor.
Varadkar, que é médico de formação, teve uma ascensão meteórica: entrou na vida política irlandesa aos 22 anos, aos 27 foi eleito para o Parlamento, foi ministro dos Transportes, Turismo e Desporto de 2011 a 2014, ano em que passou para a pasta da Saúde e foi até agora ministro da Protecção Social. Aos 38, está a caminho de se tornar no mais jovem chefe do Governo da Irlanda.
Mas antes, em 2015, assumiu publicamente que era homossexual quando o país, que descriminalizou a homossexualidade em 1993, discutia a adopção do casamento entre pessoas do mesmo sexo – tendo sido o primeiro país a aprová-lo através do voto popular. Por esta altura, era já evidente o declínio no domínio da Igreja Católica irlandesa, profundamente abalada pelos vários escândalos de abusos sexuais. Apesar de tentar constantemente traçar uma separação entre a competência política e a orientação sexual, Varadkar rapidamente se tornou na imagem da possível modernização social da Irlanda. O próximo passo pode ser a legalização do aborto.
Como funcionou a eleição?
A votação para a liderança do partido teve três grandes eleitores: os 73 membros do Parlamento do Fine Gael, cujos votos representaram 65% do total; os 21 mil membros do partido, que perfizeram 25% e os representantes locais, que valeram 10%. Varadkar terá até ao fim deste mês para garantir o apoio dos deputados independentes e do Fianna Fáil para ser nomeado primeiro-ministro no Parlamento. A nomeação está, à partida, assegurada, pois tanto os independentes como a oposição já afirmaram que não se vão opor à eleição do novo líder do Fine Gael.
Leo Varadkar conseguiu obter a vitória através dos deputados e representantes locais. Simon Coveney, o seu rival, ministro da Habitação de 44 anos, obteve 65% dos votos dos membros do partido, sendo que Varadkar reuniu 55% votos dos representantes locais contra 44% do opositor, e, na votação mais valiosa, recebeu o apoio de 51 deputados contra 22 de Coveney.
Que Irlanda quer Varadkar?
Kenny anunciou em Maio aquilo que já era esperado e demitiu-se da liderança do Fine Gael, 15 anos depois de lá ter chegado, e consequentemente da chefia do Governo, para onde foi eleito em 2011. O primeiro-ministro demissionário não resistiu a intensas pressões no interior do próprio partido resultantes da insatisfação com a sua liderança, e devido aos resultados das legislativas do ano passado, onde o Fine Gael perdeu um quarto dos parlamentares.
Imediatamente saltaram para a linha de sucessão Varadkar e Coveney.
Iniciando a campanha “Levar a Irlanda Para a Frente”, o jovem político começou a expor algumas das suas ideias para o futuro, confirmando a separação entre a antiga Irlanda firmemente católica e a futura Irlanda socialmente moderna que pretende construir.
Numa entrevista ao Irish Times durante a campanha, o novo líder do Fine Gael tentou explicar o seu posicionamento político e ideológico: “A minha dificuldade com toda a construção direita/esquerda é que não penso que isso descreva a política moderna”. “Se tivesse que me descrever nos termos de uma filosofia política, colocar-me-ia como um liberal económico e social, que é aquilo que as pessoas tipicamente descrevem como sendo de centro-esquerda nos assuntos sociais e de centro-direita em temas económicos”, explicou.
Como lembra o Politico, Leo Varadkar procurou ainda inspiração num antigo candidato presidencial norte-americano, dizendo no início de Maio: “Robert Kennedy disse uma vez: ‘Algumas pessoas vêem o mundo tal como ele é e perguntam, porquê? Outros imaginam o mundo como poderia ser e perguntam, porque não?’ Para mim, isto resume o que é a política: imaginar a Irlanda como poderia ser e desenvolver políticas para que isso aconteça”.
Varadkar já garantiu que em 2018 irá lançar um referendo sobre a legalização do aborto. Além disso, planeia criar um novo sistema de segurança social, tornar a assistência infantil mais acessível, apostar nas energias renováveis e reduzir os impostos sobre os rendimentos mais altos. Tudo isto serve para convencer os eleitores até às eleições legislativas de 2019.
Mas antes terá de unir o partido para conseguir criar um contexto de vitória eleitoral. Aliás, nesta corrida à liderança partidária, uma sondagem nacional do Irish Times mostrou que 42% dos eleitores preferiam ver Coveney à frente do Fine Gael e 37% Varadkar. Por isso, e como apontam os analistas irlandeses, tem de juntar à sua volta um partido estilhaçado depois do afastamento de um líder marcado por acusações de negligência política, fracos resultados eleitorais, e com o principal rival, o Fianna Fáil, a piscar o olho ao regresso ao Governo.