Bloco quer que Centeno liberte verbas do Orçamento “imediatamente”

As jornadas parlamentares do BE decorrem em plena negociação do próximo Orçamento. Escalões do IRS, progressão das carreiras na função pública, alterações a “normas gravosas” do Código do Trabalho, combate à precariedade no privado e aumento do abono de família são algumas das propostas.

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Jorge Costa defende que Portugal “teria melhores resultados se fosse menos obediente” Rui Gaudêncio

O deputado Jorge Costa insiste que o Governo tem de desobedecer à Europa, se quer pôr Portugal a crescer, e pede mais ousadia ao executivo socialista. Diz conhecer bem os “limites da governação do PS”, mas deixa a garantia de que os bloquistas serão “tão exigentes” como foram “até agora para conseguir os melhores resultados”.

O BE também escolheu o Algarve para as suas jornadas parlamentares, que começam nesta sexta-feira. Porquê?
É uma das regiões que têm apresentado problemas mais graves do ponto de vista da sustentabilidade dos serviços públicos, nos serviços de saúde, nas questões relacionadas com a A22. Queremos estar no Algarve para falar da maneira como vivem os algarvios. E da forma como no Algarve se reflectem alguns dos maiores problemas que o país tem: a precariedade no trabalho, o subfinanciamento dos serviços públicos, as consequências das parcerias público-privadas e dos modelos anteriores, por exemplo, na questão das auto-estradas. Para nós, o Algarve não é 'um destino turístico' simplesmente [o PS criticou o PSD por ter feito as suas jornadas num 'destino turístico' como o Algarve]. É um destino turístico, mas também é um local onde centenas de milhares de pessoas têm a sua vida, confrontam-se com os problemas com que toda a população portuguesa hoje se confronta.

O BE já falou em aumentar as dotações para a saúde, para a educação, mas nunca disse em quanto. Já defendeu 600 milhões de euros para aumentar os escalões do IRS. Em que ponto estão as negociações para o próximo Orçamento?
O objectivo do BE é, em primeiro lugar, o cumprimento do que está estabelecido no acordo com o PS. E um dos aspectos mais importantes é a introdução de progressividade, de justiça fiscal, redistributiva, no modelo do IRS. Ou seja, a reintrodução de escalões. Com vista a que, durante esta legislatura, o enorme aumento de impostos de Vítor Gaspar possa ser revertido e consigamos ter uma carga fiscal sobre o trabalho que seja equivalente à que existia antes da intervenção da troika, pelo menos.

Já apresentaram valores para a saúde e educação?
Temos falado sobre a insuficiência gritante que existe do ponto de vista do investimento público nos serviços essenciais e, em particular, do problema das cativações que mantêm muitos serviços num estrangulamento financeiro que os torna insuficientes e que coloca grandes problemas no atendimento ao público, na qualidade do funcionamento das escolas, dos serviços de urgência. Este ano, todas as previsões estão a ser actualizadas em alta em matéria de crescimento e emprego, e prevê-se que a folga que já existia no ano passado possa ser ainda maior. Do que se trata aqui é de saber se queremos utilizar essa folga, e desde já, para aproveitar o ciclo e o momento da economia. E como é que o podemos fazer? Descativando verbas que estão disponíveis, que evidentemente se ficarem cativas vão contribuir para que Portugal fique de novo além das metas, o que é errado. Portugal não deve ir além daquilo que é imposto em termos de objectivos para o défice, porque esses recursos são essenciais para a criação de emprego e o crescimento económico. Se queremos usar esses recursos devemos usá-los já, para potenciar o efeito económico desse investimento. A primeira medida a tomar desse ponto de vista deveria ser sobre as cativações do ano em curso e do exercício orçamental em curso. Este ciclo positivo em termos de crescimento e emprego deve começar imediatamente, e não tem de esperar pelo próximo Orçamento para dar lugar a medidas políticas que acentuem o potencial que a economia portuguesa está a gerar.

Qual é a prioridade do BE para o Orçamento?
Os acordos políticos, tanto com o BE como com o PCP, não se limitavam ao enunciado de medidas concretas que era necessário cumprir. Fizeram isso, e estão a ser cumpridas. As mais importantes que estão por executar são as que respeitam à progressividade no IRS e ao descongelamento das carreiras na função pública. Mas há outros objectivos políticos gerais que presidem aos acordos e que devem ser observados até ao final do mandato: protecção do Estado Social e ao investimento nos serviços públicos. É necessário ir a esses pontos durante esta legislatura, nos próximos exercícios orçamentais. As nossas prioridades são pôr em prática tudo o que vem do Orçamento anterior. Há alguns aspectos essenciais que estão pendentes: a questão da tarifa social da água, dos recibos verdes. Esses processos devem ser concluídos até ao Verão. No Orçamento do Estado, a nossa prioridade é que se inicie a aplicação dos aspectos do acordo inicial que estão ainda por concretizar: escalões e progressão das carreiras na função pública. Finalmente, as questões do trabalho, porque a legislação laboral não pode estar congelada. Trabalhar sobre as normas gravosas do Código do Trabalho, intervir no combate à precariedade no sector privado e não apenas nos precários do Estado, são prioridades que o BE também tem e espera que possam ter importantes avanços até ao fim da legislatura.

O BE disse recentemente que ia insistir na actualização do abono de família no próximo Orçamento.
Vai insistir para que a actualização seja feita e [o valor] reforçado. Para que a actualização não seja apenas a que está prevista em termos de aumento automático, mas que possa haver um aumento suplementar.

Nestas negociações, o BE vai esticar a corda nas medidas que vai pôr em cima da mesa ou vai ser mais moderado para não criar tensões com o Governo?
O BE foi sempre exigente em todas as negociações que fez com o PS ao longo deste processo. Neste momento, fica à vista uma coisa: se o programa económico do Governo tivesse correspondido ao programa eleitoral do PS, os resultados não tinham sido os mesmos. Foi porque o PS não teve maioria e foi obrigado a transformar o programa do Governo, incorporando as medidas que a esquerda impôs na negociação, que se conseguiram os resultados. Os sinais de bons resultados poderiam ser melhores, se se tivesse sido mais ousado nesta orientação da reposição dos rendimentos.

Considera o Governo subserviente em relação às políticas europeias?
O BE colocou sempre à frente da obediência às instituições europeias a justiça, o cumprimento dos princípios constitucionais e a devolução dos rendimentos. Mas, mesmo assumindo a bitola das metas europeias, o Governo teria tido margem para mais investimento e para mais devolução de rendimentos. E, se a tivesse feito, os resultados hoje em termos de crescimento e emprego seriam ainda melhores. O que se conseguiu, conseguiu-se por efeito da influência e da negociação que os partidos da esquerda fizeram. Podia ter-se conseguido mais, se o Governo tivesse ido mais longe, mesmo no quadro das metas europeias.

Podemos ser bons alunos, sem querermos ser excelentes alunos?
Este aluno teria melhores resultados se fosse menos obediente. Melhores resultados em crescimento e emprego. Todas estas medidas [devolução de rendimentos, aumento do salário mínimo, combate à precariedade] foram criticadas e repudiadas pelas instituições europeias. Foi quando desobedeceu, foi quando persistiu sobre estas medidas que o Governo teve bons resultados. O bom aluno tem de conseguir melhores resultados e, para isso, deve ser mais ousado e ir mais longe.

O BE revê-se neste Governo?
É um Governo do PS. É um Governo que, pela natureza da sua orientação a respeito da Europa, pelas escolhas em questões essenciais como a dívida pública, se situa claramente no centro do espectro político. O BE compreendeu que havia uma relação de forças na Assembleia da República que permitia que se viesse a conseguir não apenas afastar a direita do poder, e impedir a continuidade do processo de empobrecimento da população e de enfraquecimento da economia, como permitir novos ganhos e a reposição de patamares de direitos que tinham sido devastados pelo período da troika. Verificámos que tínhamos razão. Estes dois primeiros anos de maioria parlamentar demonstram que essa oportunidade existia e tem sido aproveitada, graças à pressão, ao trabalho, à preparação e ao estudo que os partidos à esquerda e o BE têm feito. Confiamos no nosso trabalho e nos nossos resultados. Conhecemos os limites da governação do PS, mas seremos tão exigentes como fomos até agora para conseguir os melhores resultados dentro dos limites que a situação tem.

Este é o Governo com que o BE mais se identifica desde que há democracia?
Nestes dois últimos anos foi a primeira vez, em toda a democracia, em que os orçamentos do Estado puderam ser aprovados pelos partidos à esquerda, e em particular pelo BE. Isso faz toda a diferença.

Uma dúvida que persiste na opinião pública quando se fala dos recentes indicadores económicos positivos é saber se são mérito deste Governo ou se este está a colher frutos da acção do anterior executivo. Passos Coelho, Vítor Gaspar, Maria Luis Albuquerque têm alguma coisa a ver com os bons números?
Vítor Gaspar não tem falado muito, mas Passos Coelho e Maria Luis Albuquerque passaram os últimos dois anos a dizer que as medidas que este Governo tomou iam destruir o que tinha sido feito pelo Governo PSD e CDS. Só ao fim de dois anos é que quiserem pôr-se na fotografia dos resultados económicos. Tudo o que foi feito pelo Governo anterior foi no sentido de reforçar o ciclo depressivo, foi diminuir rendimentos, destruir emprego, precarizar as relações laborais, fazer cortes nos serviços públicos. Tudo isto só podia ter um resultado: mais crise. O que foi feito foi inverter esse ciclo de políticas: devolver rendimentos, aliviar a carga fiscal sobre o trabalho, estimular a procura, e os resultados estão à vista. As pessoas que assistem a estes saltos mortais do PSD para encontrar um discurso perguntam-se se é mesmo para levar a sério o que dizem os dirigentes da direita. 

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