Confiança em máximos, mas desta vez o efeito na economia pode ser menos forte
Taxa de poupança a mínimos e maior prudência dos consumidores em relação à sua própria situação financeira pode limitar passagem à prática de maior optimismo.
A confiança dos consumidores portugueses está ao nível mais alto de que há registo, mas o elevado nível de endividamento das famílias e as próprias características do recente aumento do optimismo indiciam que o efeito positivo no consumo e no PIB pode, desta vez, ser mais moderado do que no passado.
Olhando para a série do índice de confiança dos consumidores produzido pelo Instituto Nacional de Estatística desde Novembro de 1997 é fácil chegar a duas conclusões: o nível registado durante este mês de Maio é o mais alto alguma vez atingido e as variações da confiança têm ocorrido sempre em simultâneo com evoluções no mesmo sentido do consumo das famílias e do PIB.
Por isso, a questão coloca-se: será esta aceleração da escalada da confiança dos consumidores que se tem vindo a verificar durante os últimos meses e que se acentuou em Maio uma antecipação de uma forte aceleração da economia e do consumo durante o mesmo período? Isto é, o acréscimo de confiança irá empurrar os consumidores a gastar mais e a dar um ainda maior impulso à economia?
A experiência do passado e os estudos académicos sobre o assunto fazem antever que, em determinada medida, esse efeito positivo se faça sentir. No entanto, desta vez há alguns motivos para pensar que a passagem à prática do optimismo dos consumidores possa ser feita de forma mais moderada do que em ocasiões anteriores.
Para já, no primeiro trimestre, é verdade que se regista, a par da tendência de subida dos indicadores de confiança, uma aceleração forte da economia. De acordo com a estimativa rápida publicada pelo INE no início do mês, a economia registou uma variação homóloga do PIB de 2,8%, uma aceleração forte face aos 2% do quarto trimestre de 2016.
Mas, embora só esta quarta-feira sejam divulgados os dados relativos às diversas componentes do PIB, o INE já deu indicações que os principais contributos para a aceleração vieram mais das exportações e do investimento e menos do consumo privado.
Para além disso, tanto nas previsões do Governo como nas de outras instituições nacionais e internacionais, as previsões para este ano e para o outro são as de ocorrência de um ligeiro abrandamento do consumo, que não constitui assim o motor da retoma progressiva da economia portuguesa.
Há duas justificações para que, desta vez, os índices de confiança dos consumidores possam vir a registar uma aceleração mais forte do que o consumo. A principal é o facto de as famílias portuguesas já apresentarem nesta fase níveis de poupança extremamente baixos. Geralmente, numa situação em que o rendimento disponível se mantém estável, a forma como um aumento do optimismo dos consumidores se traduz em mais consumo é através de uma redução da poupança. Mas, agora, face aos níveis mínimos históricos já atingidos, o espaço de manobra para grandes mudanças parece pequeno.
Este indicador revela também a forma como o elevado nível de endividamento acumulado ao longo das últimas décadas pelas famílias portuguesas constitui, num cenário de subida muito moderada dos rendimentos, um obstáculo para a aceleração do consumo.
Há outra justificação para a subida do índice de confiança dos consumidores: os dados revelados pelo INE revelam uma melhoria do tom das respostas dos inquiridos à generalidade das questões, mas, quando se olha para as expectativas em relação aos próximos 12 meses, é evidente que o maior optimismo deve-se mais face à evolução da economia como um todo do que face à evolução da situação financeira individual das pessoas inquiridas.
Enquanto o indicador relativo à situação económica do país está a níveis máximos desde 1997, as expectativas em relação à situação financeira do agregado familiar também estão a subir, mas ainda não atingiram um novo recorde. O que isto significa é que, embora estejam a antecipar a continuação de uma melhoria grande da situação geral da economia portuguesa, os consumidores portugueses são mais prudentes no que diz respeito à sua própria situação, o que se pode traduzir também em mais prudência na hora de consumir.
As respostas a outras questões mostram o mesmo tipo de lógica. Os inquiridos revelaram uma melhoria muito expressiva, mas novos máximos da série, das expectativas em relação ao mercado de trabalho, antecipando a continuação de uma descida do desemprego, mas já não mostram assim tanto optimismo quando são questionados em relação à sua disponibilidade para realizar nos próximos 12 meses aquisições de bens de equipamento ou em relação à oportunidade de realização de poupança.
Ainda assim, num cenário em que a grande aposta para a aceleração da economia reside essencialmente na continuação do ritmo forte das exportações e na retoma do investimento, a consolidação em Portugal de um nível de confiança elevada entre os consumidores constitui, mesmo perante as limitações existentes, mais um sinal de que em 2017 o crescimento pode vir a ficar claramente acima dos 1,8% previstos pelo Governo.