Joel Matos, o mais antigo sobrevivente de um transplante de medula em Portugal
Tem 33 anos e ficou doente quando tinha três. Foi tratado no IPO de Lisboa. Agora já quase não se lembra do que lhe aconteceu.
Um quarto pequeno com vários líquidos de cores diferentes usados para desinfectar e muitas brincadeiras com as enfermeiras. Estas são duas das imagens avulsas que vêm à cabeça de Joel Matos, quando se tenta lembrar do longínquo ano de 1987 – altura em foi submetido a um transplante de medula no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa. Foi o quarto doente a receber este tratamento em Portugal, mas é o primeiro a ter sobrevivido à doença. Tem 33 anos e cruzou-se com um diagnóstico de aplasia medular (uma deficiência no funcionamento da medula) quando tinha ainda três anos. Muita da memória desses tempos difíceis foi construída com ajuda da mãe.
Joel Matos vivia com a família em Ovar quando surgiram hematomas no corpo e hemorragias sem explicação. “Espirrava e sangrava muito.” Do hospital em Ovar foi encaminhado para o Porto, onde foi confirmada uma aplasia medular. Disseram à mãe que o caso estava muito avançado, que pouco havia a fazer pela criança de três anos. Talvez valesse a pena tentar um tratamento em Inglaterra. “Mas nesse dia entrou de turno uma médica que viu o meu caso e que nos disse que a nossa solução estava no IPO de Lisboa, onde o professor Manuel Abecasis tinha começado a experimentar transplantes.”
As piores memórias sobre os dolorosos tratamentos de quimioterapia, de radioterapia e sobre os quatro longos meses no exíguo quarto da Unidade de Transplante de Medula varreram-se da cabeça de Joel. Ficaram “as brincadeiras com as enfermeiras Cristina e Teresa”. Mas emociona-se quando lhe perguntam o que lhe contou a mãe sobre essa altura. “Muito pouco.” Joel sabe que foi protegido do pior. Sabe que a mãe perdeu o emprego para poder estar com ele em Lisboa e que a medula compatível foi encontrada na irmã. “A do meu irmão era menos compatível”, explica.
A sorte de se cruzar com o médico certo
Foi com o passar dos anos, e com a confirmação em cada “revisão” médica de que “a nova medula está a funcionar em condições”, que percebeu que teve a sorte de cruzar com a carolice do médico Manuel Abecasis. O hematologista insistiu em criar uma unidade no IPO, depois da experiência no estrangeiro e numa altura em que nem todos sentiam que este fosse o caminho. A unidade faz neste domingo 30 anos e já tratou perto de 2000 doentes.
A vida de Joel segue em Ovar, como se nunca tivesse sido interrompida, apesar dos antigos tratamentos estarem agora a dar sinais, como “secura dos olhos e dores nas articulações”. “Agora sou serralheiro mecânico e para dizer a verdade nunca me lembro da doença, a não ser na altura das consultas ou quando me fazem perguntas. Mesmo a minha mulher só ao fim de algum tempo de namoro é que soube.” O quarto doente de Manuel Abecasis desafiou várias probabilidades. A taxa de sucesso do transplante é de cerca de 50%. Os tratamentos utilizados há 30 anos deixavam marcas quase certas, como a infertilidade. No entanto, Joel tem um filho. “E não preciso de testes de paternidade, é a cara chapada do pai.”