Economia cresceu mas procura pelo Banco Alimentar mantém-se igual
Apesar da melhoria do cenário económico, o Banco Alimentar fornece cabazes a 425 mil pessoas por dia. Isabel Jonet explica-o com o facto de o BA apoiar os mais carenciados: e isso não se alterou, diz. Este fim-de-semana, 40 mil voluntários recolhem alimentos em dois mil supermercados.
O défice caiu, a economia cresceu e dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) apontam para o desagravamento dos indicadores de pobreza em Portugal. Mas, ainda assim, o Banco Alimentar contra a Fome continua a servir o mesmo número de pessoas: uma média de 425 mil por dia, ou seja, quase 4% da população, mostram os dados do primeiro trimestre de 2017.
Este fim-de-semana, o Banco Alimentar (BA) lança uma nova Campanha de Recolha de Alimentos em dois mil supermercados, com o envolvimento de mais de 40 mil voluntários, dezenas de empresas e o mote Fazer deste dia, um dia especial está em cada um de nós.
Por que é que estes dados se mantêm? “Sabemos que as pessoas continuam a pedir o mesmo. Mas avaliar a real necessidade das famílias é algo que só pode ser feito através das instituições”, explica a presidente Isabel Jonet. "São as instituições que levam comida a quem precisa: ou sob forma de cabazes ou sob a forma de refeição. Todo o conhecimento que temos da carência é através da nossa rede que recebe os alimentos."
O salário mínimo aumentou em Dezembro de 530 para os 557 euros, o desemprego está nos 10,1%, as pensões até 632 euros subiram ligeiramente. E embora reconheça que a situação económica está melhor, a presidente do BA diz que as famílias que vêm recebendo o apoio estão geralmente sem trabalho ou têm pensões baixas. “Quem é apoiado pelo BA está tão abaixo da cadeia... A boa onda e o clima de esperança são muito positivas para toda a gente. As instituições sentem o seu trabalho aliviado, mas isso não significa que tenham menos pedidos.”
O casal Ana Cristina Fonseca e o marido, ambos desempregados de longa duração que recebem apoio do BA em Lisboa há quatro anos, são um exemplo desse padrão: vão duas vezes por mês buscar alimentos, uma delas os frescos. “Ainda é uma boa ajuda, mas há meses melhor do que outros”, comenta ao PÚBLICO a jovem de 28 anos com dois filhos, que recebe o Rendimento Social de Inserção. “Não vem a mesma quantidade nem a mesma coisa para todos. Houve uns que levaram coisas a que não tive direito... por exemplo, cerejas e iogurte”, afirma. Com baixas qualificações, Ana Cristina Fonseca não tem conseguido trabalho. Teve uma oferta recente: 200 euros por quatro horas num café. “Mas era complicado, 200 euros para quatro pessoas...”
Luta contra o desperdício
O número de pedidos de ajuda ao BA não diminui, continua Isabel Jonet, também porque “temos um milhão de pessoas que vive com menos de 250 euros por mês, pessoas com baixíssimas pensões de reforma e depois trabalhadores pobres, pessoas que recebem salário mínimo e pessoas que trabalham o horário completo mas ganham menos do que o salário mínimo”.
São “estas que não têm capacidade de pagar toda a alimentação convenientemente”. Em Portugal, lembra ainda, há “pobreza estrutural”: “Dois milhões de pessoas ganham menos de 400 euros por mês” e o INE indica uma percentagem de 18,3% da população em risco de pobreza.
Com um volume de negócio anual de 31 milhões de euros em produtos — em que 75% desse bolo corresponde a reaproveitamento de alimentos que iriam para o lixo —, o BA está hoje espalhado por 21 regiões de Portugal, incluindo os Açores e Madeira. Diariamente são distribuídas 105 toneladas de alimentos. Só em Lisboa chega-se às 40 toneladas. “Estes alimentos teriam como destino provável a destruição, a actividade do BA é a luta contra o desperdício”, diz Isabel Jonet.
Além da campanha de recolha de alimentos, de hoje a 4 de Junho decorre também a Campanha Ajuda Vale em supermercados e nos postos de gasolina da Galp e BP. A Campanha Online, no site www.alimentestaideia.pt, está aberta desde ontem e até 4 de Junho.
Na recolha de Maio do ano passado conseguiram-se mais de 1900 toneladas de alimentos, mas isto representa apenas uma pequena fatia do total. Em geral, as toneladas recolhidas pelo BA têm descido: passaram de 29,5 para 25,8 entre 2014 e 2016. Isso deve-se, segundo Jonet, ao facto de não ter sido organizado em Portugal o Fundo Europeu de Auxílio às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC), que representava habitualmente 13% das entradas a nível nacional, com destaque para o Porto e Setúbal.