Presidente do Brasil foi gravado a autorizar suborno a Cunha

Jornal O Globo denuncia ainda que Aécio Neves terá pedido dois milhões de reais (571 mil euros) ao mesmo empresário para pagar defesa no processo Lava-Jato.

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Em Brasília, há deputados que pediram imediatamente a abertura de um processo de destituição de Temer LUSA/FERNANDO BIZERRA JR

O Presidente brasileiro, Michel Temer, terá autorizado o pagamento de um suborno para comprar o silêncio de Eduardo Cunha, antigo líder da Câmara dos Deputados que se encontra preso na sequência da Operação Lava-Jato, segundo uma gravação divulgada esta quarta-feira pelo diário O Globo. O Presidente confirma a existência de um encontro com o empresário brasileiro Joesley Batista, autor da gravação, mas refuta a suspeita de que tenha tentado evitar evitar que Eduardo Cunha testemunhasse e falasse à Justiça contra si naquele processo.

Ao final da noite, centenas de manifestantes reuniram-se em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), no centro de São Paulo, interrompendo o trânsito. Em Brasília, centenas de brasileiros saíram também as ruas, ecoando palavras de ordem como "directas, já" e "fora, Temer", tendo sido dispersadas pelas autoridades com gás pimenta, segundo descrevia a Folha de São Paulo.

De acordo com o jornal brasileiro, a denúncia foi feita por Joesley Batista, dono da JBS – a maior produtora de carnes do mundo. A gravação surge no âmbito de uma "delação premiada", uma figura jurídica brasileira que permite reduções de pena em troca de denúncias. Porém, neste caso, ainda não foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro. A revelação foi feita por Joesley Batista na Procuradoria-Geral da República no passado mês de Abril e confirmada, a 10 de Maio, ao juiz do Supremo Edson Fachin.

Segundo O Globo, Joesley Batista terá contado ao juiz que tinha dito a Temer que iria pagar a Eduardo Cunha e a Lúcio Funaro (braço direito do antigo deputado e que está também preso), para estes se manterem calados durante o processo. “Tem que manter isso, viu?”, terá respondido o Presidente brasileiro. A conversa foi gravada pelo empresário sem o conhecimento do Presidente. No depoimento que prestou aos procuradores o dono da JBS refere, no entanto, que o pagamento do suborno não foi ordenado por Temer, mas que este apenas o autorizou, tendo por isso total conhecimento da operação que se estava a realizar para silenciar Cunha.

A polícia brasileira filmou mais tarde uma entrega de 400 mil reais a Roberta, irmã de Funaro. O dinheiro destinado a Cunha era entregue através de Altair Alves Pinto, homem de confiança do antigo deputado.

Nesse mesmo encontro, entre Michel Temer e Joesley Batista, o empresário pediu ajuda ao Presidente para uma "pendência da J&F [holding que controla a empresa JBS] no Governo”. Temer disse-lhe que fosse falar com o deputado Rodrigo Rocha Lourdes. Este foi depois filmado pela polícia a receber uma mala com 500 mil reais (cerca de 143 mil euros, ao câmbio actual) enviada por Joesley.

Além disto, O Globo noticia também que o empresário denunciou Aécio Neves, senador e presidente do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), que lhe terá pedido dois milhões de reais (571 mil euros), justificando que teria de pagar as despesas decorrentes da sua defesa durante o processo da Lava-Jato. Esta conversa foi igualmente gravada por Joesley Batista e entregue à procuradoria brasileira. A entrega do montante a um primo do senador foi igualmente filmada pela Polícia Federal brasileira, que conseguiu seguir o dinheiro até este ser depositado numa conta do senador Zeze Perrella, também do PSDB.

Apurem-se as denúncias, diz Temer

O Palácio do Planalto, sede da presidência brasileira, reagiu às notícias através de um comunicado, citado pela Globo, em que confirma o encontro entre Temer e Batista, mas garante que o Presidente “jamais” tentou evitar que Eduardo Cunha testemunhasse e falasse à Justiça.

O canal brasileiro diz que antes do envio desta nota escrita o Presidente se reuniu com alguns membros do Governo – como, por exemplo, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, o secretário para a Comunicação Social, Márcio Freitas, e o porta-voz, Alexandre Parola.

“O presidente Michel Temer jamais solicitou pagamentos para obter o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha. Não participou e nem autorizou qualquer movimento com o objectivo de evitar delação ou colaboração com a Justiça pelo ex-parlamentar”, lê-se no comunicado, no qual se acrescenta que o encontro entre ambos ocorreu no “começo de Março” no “Palácio de Jaburu, mas não houve no diálogo nada que comprometesse a conduta do Presidente da República”.

Temer quer as denúncias escrutinadas e que se apurem responsabilidades: “O Presidente defende ampla e profunda investigação para apurar todas as denúncias veiculadas pela imprensa, com a responsabilização dos eventuais envolvidos em quaisquer ilícitos que venham a ser comprovados.”

O Globo explica a forma como a Justiça brasileira geriu este processo, optando por um caminho até agora inédito em toda a investigação da Lava-Jato. Pela primeira vez, foram realizadas “acções controladas”. Num total de sete, estas medidas consistem em identificar crimes em flagrante — neste caso a entrega de subornos —, mas a acção da polícia é adiada de forma a esperar por um momento em concreto.

Além das gravações obtidas pelas autoridades, nas malas que transportavam o dinheiro foram instalados chips para seguir o caminho que estas percorriam. Segundo o jornal brasileiro, nestas sete “acções controladas” foram movimentados, só no mês de Abril, cerca de três milhões de reais (857 mil euros) em subornos.

Esta "delação premiada" com a JBS foi negociada em tempo recorde, se se comparar com os dez meses de negociação no caso da Odebrecht e com o grupo de engenharia civil OAS. No caso de Batista, as conversas começaram em Abril e no início de Maio as negociações já tinham terminado, dando-se início às denúncias agora noticiadas. Para isso contribuíram as gravações, valiosíssimas do ponto de vista jurídico, feitas pelo dono da empresa, e o facto de a JBS ter sido responsável por um historial de subornos distribuídos por todo o espectro político brasileiro, ao longo da última década.

Pouco tempo depois da publicação destas notícias, foram vários os deputados federais que exigiram, em plenário, a abertura de um processo de destituição do Presidente, Michel Temer.

Antigo ministro de Dilma e Lula intermediava pagamentos

As denúncias de Joesley Batista não se ficaram por aqui. Ainda durante os depoimentos aos procuradores brasileiros, o empresário garantiu que Guido Mantega, antigo ministro dos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, servia de intermediário para pagamentos que realizava aos deputados do Partido Trabalhista (PT), descreve O Globo.

Batista refere mesmo que o PT tinha uma espécie de “conta corrente” na JBS, e os montantes eram sempre entregues através de Mantega. Em troca, o antigo ministro favorecia a empresa no Banco Nacional de Desenvolvimento Económico (Bndes). No entanto, é referido no depoimento que Mantega utilizava os subornos recebidos para os distribuir pelo partido e que não ficava com nenhuma quantia para si.

O empresário relata até que Luciano Coutinho, presidente do Bndes durante quase todo o período de governação trabalhista, não costumava facilitar nas negociações com a JBS. Mas, admite, que por vezes, quando se reunia com o banqueiro, tudo parecia ter sido tratado por Mantega.

Porém, o empresário diz que o antigo ministro chegou a pedir doações de campanha que foram pagas pela empresa. Em 2014, como lembra O Globo, a JBS foi a entidade que mais doou para as campanhas de vários partidos, desembolsando cerca de 366 milhões de reais (104,5 milhões de euros) que foram devidamente registados. 

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