PSD mantém a narrativa da “boa conjuntura e da boa herança”

Maria Luís Albuquerque diz que números podem levar a uma "falsa sensação" de que não são precisas reformas.

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Maria Luís Albuquerque e as bancadas de PSD e CDS na AR: como pode a direita cavalgar a onda de boas notícias? Daniel Rocha

Sem receio de ser visto como o mensageiro da desgraça, o PSD mantém a linha oficial: os números do crescimento da economia são ao mesmo tempo “positivos” e “preocupantes”. A ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, lembra ao PÚBLICO a “boa conjuntura internacional e a boa herança” deixada para o actual Governo. Para quem está mais afastado da vida partidária, como o ex-ministro Miguel Poiares Maduro, é evidente que Passos Coelho está a “pagar o custo” de ter sido “honesto” na gestão de expectativas.

Com um salto surpresa, o crescimento do PIB no primeiro trimestre deste ano deixou Marcelo Rebelo de Sousa “feliz” e já lançando a expectativa de haver um “número histórico” em 2017, caso se mantenha o ritmo. E é precisamente sobre isso que o PSD tem dúvidas. “O que nos preocupa é que estes números resultam de uma boa conjuntura e de uma boa herança”, afirma a vice-presidente do PSD Maria Luís Albuquerque. O discurso, na linha oficial, não mudou: o PSD reclama como seus os resultados de hoje fruto das reformas que foram feitas pelo anterior governo PSD/CDS. Mas os números criam dificuldades no discurso do PSD? “Genuinamente é a nossa convicção: ficamos satisfeitos com os números positivos e com os motores do crescimento, mas o receio é que eles possam levar a uma falsa sensação de que não é preciso fazer mais nada.”

Como tem sustentado a direcção de Passos Coelho, a antiga ministra das Finanças atribui, em parte, os números positivos da economia à conjuntura internacional favorável como a “política do BCE” e a recuperação económica de vários países. Mas – alerta Maria Luís Albuquerque – “esgotada a conjuntura positiva volta-se ao mesmo e cada vez é mais penoso.”

Com um Presidente “feliz” e uma esquerda a lembrar o contraste com as políticas do anterior executivo de Passos Coelho, o PS aperta o cerco. Depois de ouvir o PSD a atribuir os números às reformas do seu Governo e à conjuntura internacional, o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva lamentou que o PSD se “cegue” a si próprio.

A dificuldade no discurso do PSD é assumida pelo antigo ministro-adjunto Miguel Poiares Maduro. “Torna-se difícil porque é uma argumentação contrafactual”, afirma o professor universitário que compara a situação de Passos Coelho com a de António Costa na oposição: “Quando o país iniciou a recuperação, ele precisava de dizer que o país precisava de crescer mais”.

Poiares Maduro assegura não estar surpreendido com os números do crescimento ontem divulgados por partilhar a ideia de que também resultam das reformas do anterior Governo. Até supôs que seria mais rápido não fosse a “desconfiança” em torno da geringonça e o “discurso radical” para Bruxelas. Mas o ex-ministro admite um desfasamento na mensagem do PSD: “Pedro Passos Coelho paga um custo porque devia ter colocado as expectativas em cima, já que o país estava a recuperar. Foi honesto e tentou alertar para os riscos de sustentabilidade do crescimento.”

Mudar de discurso

Perante tantas notícias boas, das mais festivas às de pendor económico, quer o deputado social-democrata Duarte Pacheco, quer o centrista Francisco Mendes da Silva, admitem que seria um erro a direita desvalorizá-las. O que não significa, defendem, que não possam ser desmontadas. 

“Nós gostamos do nosso país, vivemos aqui, trabalhamos aqui, temos aqui a nossa família e queremos que tudo corra bem. Podemos ter dúvidas sobre se é o caminho mais adequado, mas não desejamos que corra mal. Outra coisa é perceber a sustentabilidade das boas notícias”, diz Duarte Pacheco, para quem continua a haver um “problema complicado” no país, os “níveis de endividamento elevados”. O deputado chama a atenção para o que considera ser a redução do défice à custa de medidas extraordinárias e critica a ausência de um programa de contenção de despesas estrutural. Para o social-democrata estas questões “continuam a levantar problemas a um país que quer ter um futuro”, que “continuam a asfixiar” os portugueses.

Também Francisco Mendes da Silva, membro da comissão política do CDS, começa por alertar para o “risco” de a direita se “mostrar agastada ou frustrada com as boas notícias”, mesmo que elas não sejam tão boas assim, sublinha. Porque, seja como for, “não são más notícias e seria um erro político a direita mostrar que está desiludida”.

Francisco Mendes da Silva prefere elencar alguns argumentos que entende fragilizarem o discurso de quem nos governa agora. Por exemplo, diz: o PS e os partidos que apoiam o Governo não podem fazer um exercício de defesa das suas políticas com base na ideia de “comparação absoluta” entre a realidade actual e a que existia quando o anterior executivo governou com as dificuldades impostas pela troika.

Mais, acrescenta: deixar claro que o "programa da direita tinha um relaxamento da austeridade, como o do PS”. Entre outros pontos de vista que enumera, aponta ainda o dedo ao PS por celebrar agora notícias que, quando estava na oposição, criticava. Um exemplo disso, frisa, é este executivo celebrar o défice mais pequeno da democracia portuguesa quando antes criticava a direita por ter uma obsessão pelo défice.

Centrar, porém, o discurso nas questões macroeconómicas pode ser uma armadilha para a direita, defende Francisco Mendes da Silva. Porquê? Porque arrasta o debate para o passado e não fala às pessoas, diz, ressalvando, no entanto, que tal não significa que a direita não tenha razão nas contas que fez e faz.

“A política não é só ter razão, é ter capacidade de representação”, explica o centrista. “Temos razão, mas para quem é que a direita está a falar?”, questiona. Se o actual Governo tem um discurso centrado na vida das pessoas, na reposição de rendimentos, a direita não pode ficar a falar sozinha. “Ninguém se sente representado [por um discurso centrado na macroeconomia]. Não se está a falar sobre a vida de ninguém. A direita tem de preparar rapidamente um discurso de futuro”, defende.

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