}

Monte Real, a vila que o Papa ressuscitou por uns dias

Francisco aterra nesta sexta-feira e regressa no sábado à base aérea de Monte Real. A vila “morreu” quando as termas fecharam em 2014, queixam-se habitantes. Papa deu fôlego a alguns hotéis e pensões que têm estado fechados.

Foto
Francisco pisa solo português cerca das 16h20, hora a que está prevista a chegada a Monte Real Miguel Manso

“Isto aqui chegou a ser um paraíso.” Não é por acaso que Maria da Saudade Vitorino usa esta palavra. À porta da sua Pensão Alegre, no centro da vila de Monte Real, lembra os tempos em que havia “movimento com fartura”, o “Verão era sempre a trabalhar” e o seu estabelecimento não tinha problemas de ocupação.

Desde que as termas integradas no Palace Hotel Monte Real fecharam, no início de 2014, por causa de inundações no rio Lis, que a vila vem desaparecendo do mapa. Há quem diga que “Monte Real morreu” nessa altura, como Maria Armanda, moradora na vila há mais de 70 anos. A vinda do Papa Francisco, que aterra nesta sexta-feira na base aérea número 5 e de onde parte no dia seguinte, veio “ressuscitar” a vila para alguns hotéis e pensões que têm estado às moscas.

Mas pode ser um ressuscitar temporário de uma terra que cresceu em função das termas, dizem os menos optimistas. Francisco será recebido pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, e está programada uma ida à capela da base antes de seguir de helicóptero para Fátima. Com a vinda do Papa, defensores da abertura da base aérea à aviação comercial vieram de novo trazer essa hipótese ao debate. Mas, até agora, a ideia não teve grande eco.

Nas ruas de Monte Real estão bem visíveis as marcas de um tempo em que o turismo florescia: pensões com os estores e portas fechadas, sem ninguém que venha abrir a porta, antigas casas que alugavam quartos e estão agora degradadas, negócios que fecham. A tranquilidade domina as ruas.

Há mais de três anos que a procura “começou a descer, a descer”, descreve Maria da Saudade. Ela e o filho, Paulo, 48 anos, estão a tentar manter a pensão. Mas, se as termas não abrirem mesmo, terão que fechar em breve. Como eles, vários empresários dizem o mesmo, segundo Faustino Guerra, presidente da União de Freguesias de Carvide e Monte Real, que estima uma descida de 80% do turismo numa vila que tinha uma economia totalmente virada para as termas, do agricultor que fornece os restaurantes ao empresário dono de hotéis. Isto numa freguesia com pouco menos de três mil habitantes, segundo o Instituto Nacional de Estatística. Os turistas vinham e ficavam por períodos longos, animando a vila e a economia local. Agora desapareceram.

Segundo o Palace Hotel Monte Real, que gere as termas, estão a ser feitos “os trabalhos necessários para viabilizar” a sua rápida reabertura, sendo que não há datas. Rejeitam responsabilidades no facto de as águas termais não estarem próprias para consumo, o que levou ao fecho das termas, e dizem mesmo que as inundações aconteceram “após inúmeros alertas realizados pelas entidades que usufruem da bacia hidrográfica do rio Lis”. “Somos os principais interessados” na sua “reabertura urgente”, acrescentam.

Contactactado pelo PÚBLICO, o Ministério do Ambiente fez saber que a Secretaria de Estado do Ambiente através da Agência Portuguesa do Ambiente/Administração da Região Hidrográfica Centro elaborou em 2016 um projecto de regularização fluvial do troço do Rio Lis que tinha sido afectado por cheias" e promoveu o concurso "de empreitada, cuja obra foi concluída ainda em 2016 com um valor de aproximadamente 500 mil euros". Diz que se resolveram assim "as anomalias provocadas pelo incidentes de cheia" e se reforçou "a capacidade de retenção de caudais em situações de pluviosidade elevada".

"Acresce ainda a esta iniciativa, a articulação realizada com os presidentes de Câmara de Leiria e Marinha Grande para se estabelecer uma metodologia de trabalho que assegure a adequada manutenção da obra, estando em preparação um protocolo de colaboração onde está prevista a partilha de responsabilidades financeiras e técnicas, e que em Junho deverá assinado", acrescenta.

“Fátima e Vaticano deviam pagar”

Maria da Saudade Vitorino vive desde os 20 anos em Monte Real, a cerca de 40 minutos de Fátima de carro, mas a um instante de helicóptero. A dona da Pensão Alegre viu o Papa Paulo VI, em 1967, o Papa João Paulo II (na sua segunda visita, em 1991) e, se se confirmar a passagem de carro de Francisco perto da vila no regresso de Fátima, este sábado, será o terceiro Papa que aterra em Monte Real que poderá ir ver.

“Lembro-me que Monte Real ainda era Monte Real”, diz sobre a vinda de Paulo VI. “Alugaram-se varandas para ver passar o Papa. Ficou tudo, mesmo tudo, cheio, até quartos particulares. Vou confessar: o meu marido não estava em casa nessa noite e eu aluguei o meu quarto e fui dormir com o meu filho para outro lado, para aproveitar.”

Segundo a sua memória, Paulo VI passou num carro descapotável, e não tinha muita segurança a protegê-lo. Estava a chover, e “dava a ideia de que isto ia desabar tudo”, descreve. “As pessoas estavam muito preocupadas se ele se ia molhar porque estava num carro descapotável. Mas só choveu quando ele já estava no avião”, conta.

Em 1991, quando João Paulo II chegou a Monte Real, a sua pensão esteve cheia. “O que me lembro é que havia muita gente e até nos pediam para pôr uma caminha no sótão.” O filho Paulo explica que os hotéis em Monte Real normalmente enchem depois de esgotarem os de Fátima e os de Leiria. Até terça-feira tinha apenas “três ou quatro quartos alugados” para o final de semana, a mais de 100 euros por noite, por casal. A esperança de alugar mais não era muita.

Ao volante do seu táxi, parada na praça, Gina Domingues não tem grandes esperanças de ter mais trabalho por estes dias. Até agora não apareceu nada de especial. O Sol bate de frente no seu lugar. “É bom o Papa vir, mas não devíamos pagar todos. Quanto vai custar a vinda do Papa? Quem vai beneficiar? As pessoas de Fátima, os comerciantes. O policiamento, tudo isso, quem paga? Acho que o Vaticano e Fátima têm suficiente dinheiro para pagar tudo isso, não os contribuintes”, critica.

No meio de unidades que têm perdido clientes, há quem tenha encontrado no turismo sénior a saída para a crise. A recepcionista do Hotel Evania diz estar de lotação completa para estes dias. No hotel, já nem sequer contam com as termas: apostaram em programas completos para o mercado francês sénior e têm-se saído bem. Sandrina Vicente, recepcionista, diz que antigamente ainda ligavam para o hotel e perguntavam pelas termas, mas hoje “já desapareceu do mapa”. A Associação de Turismo de Monte Real está, de resto, a tentar encontrar outras alternativas para puxar pela vila, como a feira da morcela de arroz e de arroz doce que organizará em breve.

Seja como for, por estes dias a população está empenhada no embelezamento das ruas, em florir e pôr cartazes à espera que o Papa, no regresso, circule pela “variante a sul da vila”, e entre “na rotunda número dois, apanhando a rua da base aérea”, descreve Faustino Guerra, de acordo com as últimas informações que recolhera.

Tal como na ida, também no regresso Francisco não deverá chegar a entrar em Monte Real. Mas a sua passagem pela base aérea já serviu para se voltar a falar da vila. 

Sugerir correcção
Comentar