A marcha de Macron continua, agora para ter uma maioria de governo

Uma manifestação contra o novo Presidente, logo no dia a seguir a ser eleito, ilustra a dificuldade do seu caminho. Ganhar as eleições legislativas, daqui a um mês, é a sua nova prioridade.

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Continuar a marchar, agora para conquistar uma maioria nas legislativas, com Emmanuel Macron já no Palácio do Eliseu. Esse é o projecto de poder do movimento formado pelo Presidente que os franceses elegeram no domingo, embora 43% dos que votaram nele na segunda volta das presidenciais confessem tê-lo feito não por convicção, mas sim para impedirem a chegada ao poder de Marine Le Pen, a candidata da extrema-direita.

Emmanuel Macron apresentou-se em público pela primeira vez com François Hollande, o Presidente que vai substituir no domingo, na cerimónia junto ao Arco do Triunfo que comemora o dia da vitória na II Guerra Mundial - e também a reconciliação e a aliança franco-alemã na base da União Europeia.

O rosto do Presidente eleito era todo um ecrã de emoções, quando Hollande o levou para a homenagem ao soldado desconhecido. Hollande esteve paternal; Macron, seu antigo conselheiro, por momentos quase deixou que lhe chegassem as lágrimas aos olhos.

Nenhum dos homens tem interesse em  mostrar demasiada proximidade - “o herdeiro” de Hollande, chamava Marine Le Pen com desprezo a Macron. Apesar disso, viu-se a mão do Presidente nas costas de Macron, como um pai orgulhoso, ao guiá-lo para depositar uma coroa de flores e acender a chama em honra do soldado desconhecido, sob a enorme bandeira tricolor francesa que ondulava ao vento debaixo do Arco do Triunfo.

Venha a sociedade civil

Após as emoções fortes, Macron tinha decisões a tomar. Demitiu-se da liderança do Em Marcha!, o movimento que criou para conduzir a campanha que o levou à presidência, reunindo cerca de 280 mil apoiantes que lutaram por ele no terreno. O movimento trilha agora o caminho para se transformar num partido, foi rebaptizado Em Marcha pela República. Até quinta-feira serão apresentados os nomes dos 577 candidatos às legislativas de Junho.

Richard Ferrand, secretário-geral do Em Marcha!, assegurou que “pelo menos 50% serão provenientes da sociedade civil”, e metade “serão mulheres”, respeitando a lei da paridade. Cumprindo o objectivo de moralização da vida política, só são aceites candidatos que tenham cadastro limpo. E até 15 de Julho realizar-se-á “o congresso fundador” do novo partido, que nas legislativas de Julho quer conquistar a maioria no Parlamento.

A nova formação de Emmanuel Macron está aberto a receber candidaturas de políticos de outros partidos. Mas estes devem aceitar entrar para o grupo parlamentar Em Marcha - não serão aceites duplas representações.

É aqui que muita polémica e muitos dramas se prevêem. O projecto de Macron atrai políticos de centro-direita e centro-esquerda, do Partido Socialista e d’Os Republicanos. François Baroin, responsável republicano pela campanha eleitoral, que Nicolas Sarkozy prometia que seria o seu primeiro-ministro, se tivesse sido escolhido como o candidato presidencial nas primárias do seu partido, promete expulsar membros dos Republicanos que se sintam tentados a candidatar-se sob a etiqueta de Macron. “A mãe de todas a batalhas será a batalha das legislativas”, disse Baroin na France 2.

Tentações

Barões como Christian Estrosi, da região de Nice, alertam: “As legislativas não podem ser uma vingança”. Outros têm-se declarado mais do que tentados, mesmo apoiantes declarados, e disponíveis para integrar um governo do novo Presidente. Um deles é Bruno Le Maire. Ele define-se como “um homem de direita, com convicções de direita”, mas diz-se convencido de que “a verdadeira clivagem é com Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon”.

Le Maire afirma que Macron deve escolher um primeiro-ministro de direita, e que ele não diria não, se fosse convidado a integrar esse governo. “Posso trabalhar numa maioria governamental do novo Presidente”, declarou. “Entre uma lógica partidária e uma lógica de interesse geral, a minha escolha está feita há muito tempo”, afirmou, para exasperação de Baroin.

Mas esse desejo de fusão com o partido de Macron está longe de ser unânime. Até Alain Juppé, cujas ideias seriam mais próximas do novo Presidente, diz que é um erro querer confundir tudo. “Os candidatos da direita e do centro vão apresentar uma plataforma que, espero, irá unir as diferentes sensibilidades da nossa família política, e vou apoiá-los.”

No Partido Socialista, as divisões são igualmente sérias. Entre os 43% dos eleitores que votaram em Macron sem convicção estão muitos socialistas - que engoliram o liberal Macron, que quer reformar o mercado de trabalho, como quem traga uma bebida amarga num só golo, perante a fraqueza do seu candidato, Benoît Hamon.

O PS corre sérios riscos de se desfazer: os leais a Manuel Valls podem juntar-se a Macron, a corrente de esquerda ficar com Hamon e unir-se aos ecologistas e talvez a Mélenchon, criando uma nova força à esquerda e partir para a oposição ao novo Presidente.

Contam-se espingardas, neste momento, para ver quem será o líder da oposição: Mélenchon ou Marine Le Pen?

Se os mais de 33% de eleitores que votaram em Le Pen não vão desaparecer, a insatisfação dos eleitores de esquerda, expressa mais claramente no alto nível de abstenção (25,38%) e votos brancos e nulos (11,49%), também não vai esfumar-se facilmente.

Uma manifestação em Paris nesta segunda-feira foi um aviso: convocada pelas centrais sindicais CGT e SUR, e a UNEF, a principal associação de estudantes universitários francesa, o protesto, que começou na Praça da República, criticou Macron e chamou atenção para temas como a “precariedade generalizada”, ou a “urgência social e ecológica”, com cartazes que eram piscadelas de olho como os que diziam “Em Marx!”.

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