No renovado bairro do Arco do Cego, circula-se como numa gincana
As obras eram desejadas há muito pelos moradores, mas estes agora desesperam com as alterações quase diárias na sinalização e nos sentidos de trânsito.
As obras de requalificação do Bairro do Arco do Cego, em Lisboa, foram dadas por concluídas há pouco mais de meio ano, mas os trabalhos ainda não acabaram verdadeiramente. Nos últimos meses, a câmara municipal decidiu inverter sentidos de tráfego, alterar muita sinalização rodoviária e mexer no estacionamento da zona. Alguns moradores dizem que estão fartos das constantes mudanças, apontam erros à intervenção e, sobretudo, queixam-se de que ninguém os informa de nada.
“Todos os dias nos deparamos com situações que não estavam cá no dia anterior”, desabafa Carlos Alcobia, um habitante deste bairro, construído na década de 1930, situado entre a Praça de Londres, o Instituto Superior Técnico e a sede da Caixa Geral de Depósitos.
Desde o fim do ano passado que os automobilistas enfrentam verdadeiros quebra-cabeças, como o PÚBLICO constatou em quatro visitas ao bairro nas últimas semanas. Pontos de entrada passaram a ser pontos de saída, o sentido de trânsito de algumas ruas foi alterado e, por vezes, a sinalização contradiz-se. Numa ocasião, o PÚBLICO encontrou um motorista parado num cruzamento durante longos minutos. Estavam duas setas pintadas no chão, mas dois sinais verticais contrariavam aquelas indicações. Por fim, o condutor acabou por enveredar pelo sentido proibido.
Mas é para os peões que o Arco do Cego está mais perigoso, alertam alguns habitantes. Além de tapar os muitos buracos que existiam no asfalto, as obras tinham como objectivo “promover um melhor uso do espaço público, valorizando a sua apropriação por parte do peão e outros modos de mobilidade activa em detrimento do automóvel”, lê-se numa carta que a câmara enviou recentemente a um morador preocupado. Para tal, determinou-se que o bairro passasse a ser uma zona 30, onde a velocidade máxima fosse de apenas 30 km/h.
“Quando o bairro passou a ser zona 30, foi implementado um modelo de circulação labiríntico, com o objectivo de inviabilizar que este fosse utilizado como zona de atravessamento de veículos”, esclarece a autarquia na mesma missiva. Ora, a situação mudou entretanto. A câmara “optimizou o actual esquema de circulação no interior do bairro de modo a facilitar o acesso à zona de escolas bem como o acesso de veículos de combate a incêndios”. E as ruas Bacelar e Silva e Landislau Piçarra passaram a servir, uma para cada sentido, de vias de atravessamento de uma ponta à outra.
“Isto é consequência das obras no Eixo Central. Estão a resolver os problemas que criaram, mas destruindo uma filosofia [a das zonas 30]. Estão a criar alternativas de fuga a pouco e pouco”, critica Fernando Nunes da Silva, ex-vereador da Mobilidade do executivo de António Costa. Impulsionador da criação de zonas 30 em Lisboa, Nunes da Silva explica que, em 2009, altura em que se começou a pensar neste projecto, “a lógica era ter as entradas e as saídas do bairro o mais próximas possível”, precisamente de modo a evitar que os automobilistas tivessem a tentação de usar aquelas ruas para chegar a outros pontos da cidade. “Sempre houve gente a queixar-se de que tinha de dar uma grande volta para ir para casa. É evidente: não posso ter sol na eira e chuva no nabal”, diz o ex-vereador. Agora, constata, essa lógica foi abandonada.
Além de referir o melhor acesso às três escolas do interior do bairro – o agrupamento D. Filipa de Lencastre –, a câmara aponta outro motivo para as alterações no trânsito da Rua Bacelar e Silva: “Tem-se verificado que para fugir aos semáforos da Avenida do México, vários condutores têm utilizado a Rua Xavier Cordeiro como bypass”. Esta rua, paralela à Avenida do Méxicao e até há pouco com dois sentidos, passou agora a ter só um. “As pessoas que moram aqui passaram a ter muito ruído na rua. Os carros passavam a 90 km/h”, explica Rui Martins, responsável do movimento de cidadãos Vizinhos do Areeiro, que promoveu uma petição para alterar o tráfego naquele local.
Discos pedidos
O problema é que, agora, é nas ruas Bacelar e Silva e Landislau Piçarra que os carros circulam a alta velocidade, uma situação particularmente perigosa numa zona com escolas. “Consciente de que a velocidade excessiva é um problema”, escreve a autarquia na resposta enviada ao morador, “a câmara municipal irá reforçar a sinalização horizontal, passando a existir em todas as entradas do bairro um sinal de velocidade limitada a 20 km/h”. O que originou uma situação bizarra: ao lado da igreja de São João de Deus, na Praça de Londres, há dois outros sinais contraditórios – um indica 30 como velocidade máxima, o outro 20.
Mas os reparos e críticas continuam. Como o objectivo inicial era que os carros circulassem devagar, o projecto inicial não contemplava a existência de passadeiras. “É óbvio que eram precisas passadeiras”, diz Rui Martins. Acabaram por ser pintadas nas últimas semanas, o que desagrada a alguns moradores que falaram com o PÚBLICO e que preferiram não se identificar por motivos profissionais. Eles temem que, assim, o bairro nunca venha a ser uma verdadeira zona 30. “Pretende-se que esta seja meramente uma solução de transição, que permitirá à população residente e visitante ajustar-se de forma progressiva e mais confortável a esta nova realidade”, lê-se na resposta da câmara.
Rui Martins tem ainda outras críticas. Os lugares de estacionamento, por exemplo, são muito estreitos. “Os carros mais largos não conseguem caber nos espaços”, aponta. E, além disso, “os lancis são baixíssimos, por isso os carros estacionam em cima dos passeios” – o que tem originado multas constantes. Por outro lado, o dirigente critica o excesso de pilaretes – são “cerca de 320”, indica – e sobretudo a sua colocação em determinados cruzamentos. “Os ângulos de curva aqui são absurdos. Isto não foi pensado na rua, foi pensado com régua e esquadro num gabinete”, critica, junto a três pilaretes derrubados.
“Era melhor convocar uma reunião para explicar tudo e não estar a fazer discos pedidos depois”, afirma o residente Carlos Alcobia. Uma posição também assumida por Rui Martins. “Não houve qualquer comunicação: nem flyers, nem reuniões. As pessoas sentem que não há informação suficiente. Eles reagem muito ao sabor das reclamações. Eu gosto disso, mas se ouvissem mais as pessoas ao início não teriam de reagir tanto.” O grupo Vizinhos do Areeiro pediu uma sessão de esclarecimentos à câmara no início de Abril. Continua à espera de resposta.