Governo tem três meses para regulamentar lei das estatísticas dos offshores
Número de inspecções realizadas pelo fisco tem obrigatoriamente incluído nos relatórios de combate à fraude.
O diploma que verte em lei a obrigação de o fisco divulgar todos os anos as estatísticas das transferências de fundos para contas sediadas em paraísos fiscais foi publicado nesta quarta-feira em Diário da República. A partir de amanhã, o Governo tem três meses para regulamentar a nova legislação.
Até aqui, o procedimento de publicar anualmente as estatísticas no Portal das Finanças estava apenas determinado por um despacho de 2010 do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, mas sem ter força de lei. Nesse ano foram publicados os primeiros valores das transferências, realizadas em 2009, mas nos anos seguintes, de 2011 a 2015, a orientação foi esvaziada e as estatísticas nunca foram publicadas no site do fisco durante todo o mandato de Paulo Núncio à frente da secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, algo que só foi retomado em 2016, depois das revelações dos Panama Papers.
A partir de agora, não só a obrigação passa a estar prevista na Lei Geral Tributária (LGT), como vem acompanhada de outros procedimentos que tornam pública mais informação sobre os fundos enviados para contas offshores, seguindo, de resto, as recomendações europeias em matéria de combate à fraude, à evasão fiscais, ao branqueamento de capitais e ao financiamento de terrorismo.
A cada ano, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem de publicar no seu site “o valor total anual das transferências e envio de fundos [do ano anterior], bem como o motivo da transferência, por categoria de operação e de acordo com a respectiva tipologia, quando tenham como destinatários países, territórios e regiões com regime de tributação privilegiada mais favorável”. Portugal tem cerca de 80 territórios na lista dos paraísos fiscais.
Até Junho de cada ano, o Governo tem de enviar ao Parlamento um relatório detalhado sobre a evolução do combate à fraude e evasão fiscal, apresentando quais foram os resultados alcançados, desde logo, o valor das liquidações realizadas e os impostos recuperados através dessas acções.
Esta obrigação já existia e mantém-se, mas agora com outras que ficam consagradas na lei. “A evolução dos montantes de transferências e envio de fundos” para as jurisdições offshores, “bem como os resultados da acção da inspecção tributária, da justiça tributária, de outras áreas da Autoridade Tributária e Aduaneira e de outras entidades que colaboram no combate à fraude e evasão fiscais e aduaneiras relativamente a esta matéria” têm de ser incluídas no relatório.
Entre as informações que têm obrigatoriamente de ser discriminadas estão o número de inspecções realizadas pelo fisco, as divergências encontradas, as correcções à matéria colectável e a liquidação que daí resultou, bem com a quantificação das situações remetidas ao Ministério Público. Os relatórios já fazem referência a processos de inquérito criminal, mas os números são globais e não estão necessariamente relacionados com offshores.
A proposta da nova lei começou por ser desenhada pelo BE há já um ano, no grupo de trabalho do Parlamento sobre o combate à criminalidade económica, financeira e fiscal, mas nessa proposta apenas aparecia a obrigação de o fisco divulgar os valores anuais. Só oito meses mais tarde, depois de os deputados receberem um conjunto de pareceres sobre esta e outras propostas, é que o tema é retomado na comissão de orçamento e finanças.
Em Fevereiro, o PÚBLICO revela que quase 10.000 milhões de euros de transferências para offshores não tinham sido processadas pelo fisco e, duas semanas depois, o PSD junta-se ao BE e apresenta uma proposta de alteração que torna o diploma mais completo, reforçando as obrigações relativamente ao relatório de combate à fraude. A nova lei acaba por ser aprovada por unanimidade, com os votos favoráveis do BE, PSD, PS, CDS, PCP, PEV e PAN.