Camaleões há muitos, mas os do Algarve são únicos
O camaleão, que já serviu de argumento para não se deitarem casas clandestinas abaixo — as mesmas que o ameaçam — é a estrela de uma exposição para celebrar os 39 anos do Parque Natural da Ria Formosa
O camaleão-comum (Chamaeleo chamaeleon) é uma espécie que, em Portugal, só existe no Algarve, correndo risco extinção. A maior ameaça aos habitats deste réptil, lembra o Parque Natural da Ria Formosa (PNRF), é a “incessante pressão urbanística e turística existente em toda a faixa costeira algarvia”. Com o objectivo de chamar a atenção para este e outros problemas relacionados com a conservação da natureza, o PNRF abre o programa das comemorações do 39.º aniversário daquela área protegida, a 2 de Maio, com a abertura de uma exposição de pintura sobre os “ciclos de vida do camaleão”, da autoria de Manuela Santos — uma arquitecta paisagista que projecta na tela sentimentos e preocupações ambientais.
Nesta altura do ano, ainda não dão sinais de avistamento de camaleões no pinhal da Quinta do Marim ou na vegetação das dunas. Porém, as 15 aguarelas de Manuela Santos mostram, pela expressão plástica, alguns aspectos curiosos do animal. Um exemplo: durante o Verão, entre Junho e Setembro, os machos não param de “piscar o olho” às fêmeas, em busca do acasalamento. Por isso, o quadro que mostra o entrelaçar das caudas de um casal a namorar é uma das imagens mais apelativas desta mostra. Do conjunto das iniciativas que se vão desenrolar ao longo da semana, destaca-se o “Dia Aberto”, 6 de Maio, com ofertas de passeio de barco, proporcionando ao visitante a audição dos sons subaquáticos da ria Formosa.
A primeira aguarela, exposta no Centro de Interpretação do PNRF, representa o jogo de sedução e os sinais que os bichos emitem, nas suas múltiplas formas de comunicar. “Olha, como eu estou linda!...”, parece ser a mensagem que a fêmea, pintada de cores claras e luminosas, dirige ao candidato a parceiro. “Num desespero do coração
A saudade da tua imagem/Arrebata-me da alma, uma ilusão”, dizem os versos de Áurea Nobre, que acompanham a pintura. Cada quadro é acompanhado de um poema. Manuela Santos convidou um grupo de poetas algarvios — os Poetas do Guadiana — a juntarem-se a si para conceberem, em conjunto, esta mostra. Assim, a poesia, declamada no dia da inauguração, vai ser mais livre do que os camaleões. Mas há uma imagem que se impõe, no conjunto da obra exposta. “A mulher, sim — sempre mulher”, diz a autora, salientando que a pintura lhe permitiu “dar outro sentido à vida”, há cerca de dois anos.
“O camaleão não é uma osga”
A sobrevivência desta espécie encontra-se ameaçada pela fragmentação do território, bem como pelos constantes atropelamentos e capturas ilegais. A zona costeira que vai da mata de Monte Gordo (Vila Real de Santo António) a Lagos é, por excelência, o seu habitat, podendo ser encontrado ainda nos pomares tradicionais. A distribuição desta espécie, enfatiza Patrícia Brás, autora de uma tese de mestrado sobre o animal apresentada na Universidade de Lisboa, “coincide com áreas de elevada pressão turística e de crescimento turístico acentuado”. Mas serviu de argumento contra o programa das demolições das casas clandestinas, nas ilhas-barreira da ria Formosa. A câmara de Olhão e os moradores interpuseram providências cautelares, aceites pelo tribunal, alegando que os quintais constituíam um habitat para os camaleões. “O camaleão não é uma osga, não vive em casas — é uma espécie arborícola”, diz Manuela Santos. Distingue-se dos outros répteis, informam os cartazes do PNRF, pela capacidade de mudar de cor, pela sua língua rápida e comprida e os olhos que se movem independentemente um do outro.
O camaleão-comum na Europa tem estatuto de protecção estando catalogado como uma espécie de interesse na Directiva Habitats, como estritamente protegido na Convenção de Berna e no nível C1, o nível mais elevado da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção. Em Portugal, a situação é diferente. Apresenta actualmente o estatuto de “pouco preocupante” no livro vermelho dos vertebrados (2006). Porém, refere o ICNF, “os estudos demonstram que a espécie se encontra numa situação que justifica a sua futura inclusão numa categoria de ameaça”.
Patrícia Brás, quando propõe “uma estratégia de conservação do camaleão-comum” na tese apresentada na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em 2011, enfatiza: “Sabe-se actualmente que a distribuição do camaleão-comum em Portugal se limita ao litoral algarvio”.
A nível mundial existem cerca de 150 a 160 espécies em África, Madagáscar, Europa, Arábia, Índia, Sri Lanka, assim como em ilhas e arquipélagos circundantes.