Alerta para a Baleia Azul
Há um jogo online em que os adolescentes são desafiados a executar várias tarefas que incluem auto-mutilação e, no derradeiro nível, o 50.º, o suicídio. Por mim, desliga-se já o wireless lá de casa.
Um dia destes dou à costa devorada pelos peixes. A frase fixada desde os primórdios de António Lobo Antunes (Explicação dos Pássaros) vem-me frequentemente à cabeça, por razões que alguém haveria de descortinar por mim – se fosse dar-se o caso de justificar-se o trabalho –, e voltou a ocorrer-me por uma qualquer associação disparatada quando uma colega, horrorizada, de jornal em riste, perguntou para o quase vazio da redacção:
– Já ouviram falar disto da “Baleia Azul”?
Os ecos do fenómeno tinham-lhe chegado pela filha, a partir de conversas entre adolescentes numa escola do centro do Porto, e eu, depois de ler a notícia com assunto para duas páginas, igualmente horrorizada, tomada já pela resolutíssima decisão de última hora:
– Quando a minha filha chegar à adolescência, desligo o wireless e fecho-a na despensa.
Não, em causa não estava o enternecedor, embora mastodôntico, mamífero que dá à praia dos mares que habita num gesto interpretado por muitos (parece que erradamente) como suicidário. Trata-se de um jogo de morte que se está a espalhar na Internet à velocidade de uma gazela em fuga e que já pôs a polícia de vários países a debitar alertas, ao mesmo tempo que deixou milhares de pais de adolescentes em estupefacção aterrorizada.
A coisa chega aos ecrãs dos adolescentes por via dos habituais e omniscientes facebooks, whatsapps e afins deste mundo. E os jogadores, uma vez captados, são incitados, sob ameaça, a recorrer a práticas de auto-mutilação, num nível crescente de dificuldades, cuja derradeira etapa, a 50.ª, é o suicídio. Pode parecer ridículo de tão disparatado, mas, a crer nos relatos, o jogo tem levado centenas de adolescentes a atirarem-se de pontes e arranha-céus e já há suspeitas, ainda não confirmadas nesta sexta-feira em que escrevo, de uma tentativa de suicídio em Portugal de uma jovem que estaria a cumprir um dos desafios.
Antes de lá chegarmos, entendamo-nos: é condição sine qua non de qualquer adolescente normal considerar o pai e a mãe uns anacrónicos, ainda que eventualmente excelentíssimos, dinossauros, razão por que a maioria não se digna partilhar com os respectivos progenitores o que faz ou com quem fala, dentro ou fora da Internet. Se considerarmos que as “presas” são jovens que, além de adolescentes, lidam com problemas de isolamento e depressão, percebe-se que o jogo possa convocar secretismo e perigo em doses capazes de garantir adesão. Acresce que, como comentava a este propósito a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos ao jornal i, para estes jovens o acto de se cortarem “pode ser apelativo porque passam da dor psicológica para a física”.
Efectivamente, na Rússia, onde a coisa começou no VKontakte – equivalente putiniano ao Facebook de todos nós –, a polícia está a investigar se há relação entre o suicídio de cerca de 130 adolescentes, ocorridos em meia dúzia de meses, e este “Jogo da Baleia”. E no Brasil, onde a moda também pegou, contam-se igualmente dezenas de mortes. A tal ponto, que a argumentista da actual novela do horário nobre da TV Globo, A Força do Querer, comprometeu-se há dias a fazer inserir a temática no enredo, como forma de alertar pais e adolescentes para os perigos do jogo. E até a circunspecta BBC perguntava na última sexta-feira na sua homepage: “Should you be worried about ‘Blue Whale’ chalenge?”.
Menos de dois segundos no Google e 1,3 milhões de resultados em português (se a procura for em inglês, o próprio motor sugere qualquer coisa do género how to play blue whale, e os resultados disparam para 7,3 milhões) ajudam-nos a perceber que, uma vez aceites pelos administradores, os jovens começam por ser convidados a cumprir desafios aparentemente inócuos como ouvir uma determinada canção ou ver um vídeo com conteúdo inquietante.
E a pequenitates lá de casa, que ainda ri à gargalhada com aquele livro (Mana, Planeta Tangerina) em que a bebé da história se afinca às canelas da irmã mais velha que se prepara para sair de casa sozinha:
– Ó mãe como é que se escreve YouTube?
À medida que sobem de nível, os desafios escalam até gestos como pegar numa lâmina e desenhar (ou seja, rasgar) no braço uma baleia ou uma qualquer palavra relacionada com o mamífero. O jogador tem de documentar a tarefa em fotografia ou vídeo e remeter o ficheiro ao administrador ou “curador” do jogo. Os pedidos geralmente são feitos às 4h20 da manhã, o que ajuda a manter o secretismo, o qual é desde logo uma condição de partida para alguém ser aceite.
Pululam na net exemplos de desafios, do género “Se estás preparado para te tornar uma baleia, esculpe “SIM” na tua perna. Se não, corta-te várias vezes”, ou ainda “Acorda às 4h20 e vai para um telhado (quanto mais alto melhor)”. Entre ameaças de ataques à família do adolescente que ameace abandonar o jogo, sucedem-se ordens como “Não fales com ninguém durante todo o dia”, até ao derradeiro aviso: “O curador vai dizer-te a data da tua morte e tu tens de aceitar”.
Uma jornalista que se fez passar por uma adolescente para entrar no jogo, e à qual foi dito desde logo que não haveria volta atrás, sob pena de irem atrás dela, não passou da primeira fase. Quando o administrador lhe pediu que “rasgasse” na sua pele uma das hashtags do jogo, F58, tentou enganá-los com o recurso a uma imagem trabalhada em Photoshop e foi eliminada, segundo conta a BBC, que assevera que as polícias francesa, belga e inglesa postaram no Facebook alertas para o perigo destes “grupos de morte”.
De forma que dou por mim (“Um dias destes dou à praia aqui, devorado pelos peixes como uma baleia morta”, afinal é assim que começa o livro) a achar que nada faz sentido neste mundo virtual em que os nossos filhos mergulham com sofreguidão de mendigo, enquanto nós, dinossauros excelentíssimos, resistimos à tentação de os fechar na despensa lá de casa.