Sem apoios de força na OEA, Venezuela anuncia saída do bloco
Governo de Caracas antecipou-se às acções dos Estados-membros e desvinculou-se do organismo internacional fundado em 1948 para "promover e consolidar a democracia representativa" nas Américas.
As "acções intrusivas, arbitrárias, ilícitas, desviadas e grosseiras da Organização dos Estados Americanos [OEA] contra a soberania da pátria" foram as razões invocadas pelo Governo da Venezuela para justificar a decisão anunciada pelo Presidente Nicolás Maduro de abandono daquele fórum regional onde têm assento os 35 países do continente e das ilhas do Caribe.
A relação da OEA com a Venezuela andava a ser discutida internamente desde Maio do ano passado: por recomendação do secretário-geral, Luis Almagro, os Estados-membros estavam a ponderar accionar a Carta Democrática Interamericana para suspender o país. Com os apoios regionais a diminuírem, Maduro decidiu antecipar-se à deliberação do conselho permanente e anunciar a desvinculação do seu país antes da próxima reunião extraordinária – marcada para 2 de Maio – sobre a crise da Venezuela.
As movimentações da OEA intensificaram-se com a deterioração da crise política, após uma série de decisões do regime que levaram os venezuelanos a retomar os protestos de rua: o cancelamento do referendo revogatório do mandato do Presidente pelas autoridades eleitorais, a suspensão dos poderes legislativos do parlamento pelo Supremo Tribunal ou a inabilitação de Henrique Capriles, o principal adversário político do Presidente.
A escalada da tensão, e a resposta cada vez mais autoritária do regime às manifestações, levaram a OEA a denunciar, no início deste mês, uma "alteração inconstitucional da ordem democrática" e a convocar os ministros dos Negócios Estrangeiros para um conclave em El Salvador, que Caracas não logrou impedir (só outros nove membros se aliaram à Venezuela para travar o encontro). Na agenda estaria a resposta do grupo à crise: sem competências para a aplicação de sanções, a suspensão do país da participação na OEA seria a acção simbólica que confirmaria o isolamento do regime a nível internacional.
"A Venezuela não participará, a partir de agora, em nenhuma actividade ou evento onde se pretenda concretizar o intervencionismo e a ingerência deste grupo de países que apenas procuram perturbar a paz e a estabilidade do nosso país", informou a ministra dos Negócios Estrangeiros, Delcy Rodríguez, depois de notificar a OEA da intenção de Caracas de denunciar a Carta Interamericana e abandonar a organização. O processo começa já esta quinta-feira e poderá prolongar-se por dois anos – o prazo que o país, a braços com uma profunda crise económica, terá para saldar a sua dívida de mais de oito milhões de dólares ao bloco regional.
A situação é inédita: nunca nenhum país quis retirar-se daquele organismo internacional criado em 1948. No entanto, já por duas vezes, a assembleia geral da OEA aprovou a suspensão de Estados-membros – Cuba (1962) e as Honduras (2009) –, que entretanto retomaram a sua participação no fórum regional.
A oposição venezuelana manifestou a sua preocupação com este último desenvolvimento, que segundo o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, serve de "constatação de que o Governo está perdido e deu um golpe de Estado". O vice-presidente do parlamento, Freddy Guevara, acrescentou que o Presidente não pode, unilateralmente, retirar a Venezuela da OEA. "O processo exige uma modificação da Constituição", declarou.
A saída da OEA foi classificada por Nicolás Maduro como "um passo gigante para romper com o intervencionismo imperial". Tal como o seu antecessor Hugo Chávez, o Presidente venezuelano acusa a OEA de actuar "ao serviço dos interesses do império e do capitalismo mundial"; além disso, Maduro mantém um ódio de estimação por Luis Almagro, a quem dirige insultos de "fantoche", "lixo" e "traidor". Para o Governo de Caracas, a OEA está a instigar e manipular a oposição, numa tentativa dirigida pelos Estados Unidos de orquestrar um golpe e depor o regime.
Nas ruas de Caracas, os manifestantes da oposição prometem não arredar pé, apesar da violência que já fez 29 mortos desde o fim de Março. "Nós somos a maioria e vamos ficar aqui até tudo isto acabar: a fome, as mortes, a corrupção", afirmava à Reuters o estudante Ricardo Ropero.