“O barco parece um Game Boy com tantos botões para controlar”
Franck Cammas, o líder da Groupama Team France, fala ao PÚBLICO sobre os desafios da America's Cup.
É uma das grandes referências da vela mundial e, quem lida de perto com ele, elogia a forma obstinada como trabalha. Com um currículo de luxo, Franck Cammas foi a escolha óbvia para liderar uma equipa francesa na 35.ª America's Cup e, embora o projecto da Groupama Team France seja a médio prazo, o “pequeno Mozart da vela”, que tem formação académica em Matemática, avisa que dentro do mês não estará nas Bermudas para fazer turismo.
Como tem decorrido a preparação da Groupama Team France nas Bermudas?
Chegamos no início de Fevereiro e começamos a navegar a 13 de Março. Em média, temos passado três a cinco horas na água com o barco, mas o trabalho dura, no mínimo, 12 horas por dia. A parte mais dura tem sido para a equipa técnica, que está sob pressão constante. Têm trabalhado de dia e de noite para que o barco esteja navegável às horas mais favoráveis.
Está satisfeito com o desenvolvimento do barco?
Não estamos mal, mas temos ainda problemas de estabilidade. Em performance pura, em linha recta, estamos bem, e mais rápidos do que alguns dos nossos adversários. Fisicamente, também estamos muito bem preparados. Mas é importante ser estável e esse continua a ser o nosso maior problema. Temos a impressão que o tempo está a passar demasiado rápido. O desenvolvimento estrutural já ficou para trás e estamos agora a tentar evoluir no sistema electrónico de controlo [dos hydrofoils], onde ainda não estamos satisfeitos. Cada hora de navegação é preciosa e aprendemos todos os dias. A parte de desenvolvimento neste barco é exacerbada. Desenvolve-se estes barcos como se desenvolve um Fórmula 1. São barcos loucos. Parece um Game Boy com tantos botões para controlar.
Assumem-se como candidatos à vitória?
Somos outsiders e os franceses adoram estar nessa posição. Mas, claro, assumimos que queremos ganhar as corridas em que vamos entrar. Ninguém quer ser eliminado logo na primeira etapa. Neste momento há três equipas que partem em vantagem: Oracle, Artemis e Team New Zealand. Teremos mais possibilidades com ventos moderados, onde não seja preciso manobrar tanto o barco.
O que falta ainda evoluir neste último mês?
Precisamos de melhorar a estabilidade e capacidade de manobrar o barco. As transições são muito curtas e cada manobra não dura mais do que alguns segundos. Temos que as repetir várias vezes em cada navegação. Falta-nos tempo e os meios são limitados. Temos sempre a sensação que podemos andar ainda mais rápido. Se tivéssemos uma equipa de trabalho mais numerosa, teríamos a possibilidade de sermos mais reactivos. Temos menos quatro anos de trabalho do que os nossos adversários e estamos quase a atingir o nível deles. Faltam apenas alguns detalhes, mas os detalhes serão muito importantes numa competição destas.
Esta primeira participação da Team France será decisiva para terem outras aspirações nas próximas edições?
Tínhamos que estar e queríamos estar aqui. Estamos para aprender e já aprendemos muito. É um orgulho ter a Team France na America´s Cup. Conseguir acumular toda esta experiência nestes primeiros dois anos é muito importante. O comboio passa muito rapidamente. Ainda não estamos na locomotiva, mas já conseguimos entrar nas carruagens.
Após o acidente que sofreu em Novembro de 2015 mudou a sua forma de velejar? Sente medo?
Há sempre medo. A velocidade é muito alta e se cairmos pode ser perigoso. Temos que estar sempre concentrados e ter muito cuidado quando passamos de um lado para o outro do barco. Mas não se pode alterar a forma de velejar. O mais difícil após ao acidente foi estar parado.