Rui Moreira: "A fobia centralista alargou-se aos candidatos dos partidos"

Diz ter travado muitas guerras "sozinho" contra Lisboa. Porém, Rui Moreira é contra a eleição directa dos líderes das áreas metropolitanas.

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"A TAP não pode deixar de prestar um serviço público à segunda cidade do país e à região mais exportadora"

Presidente da Câmara do Porto admite ter perdido a guerra da TAP, mas diz que não havia outra forma de a travar. O sector privado "mitigou" o problema, explica em entrevista ao PÚBLICO. 

A TAP foi um dos seus principais cavalos-de-batalha na luta contra o centralismo. Olhando para os números, um ano depois, fez sentido tanta polémica? Entre Lisboa e Porto a TAP transporta 2000 pessoas por dia, cerca de 750 mil ao final do primeiro ano. A administração da TAP tinha razão?
Eu com isso só posso rir. Por uma razão: em primeiro lugar, eu, apesar de nunca ter experimentado a ponte aérea, nunca disse que a ponte aérea não devia existir. Aliás, há muitos anos que os portuenses, entre os quais eu me incluo, defendem que a TAP devia ter um bom serviço de ponte aérea Porto-Lisboa e é através desse serviço que a TAP apresenta esses resultados. Mas aquilo que me preocupava e preocupava os portuenses foi o facto de a TAP ter terminado com algumas das suas ligações directas do Porto a capitais europeias, ao Brasil, e de ter reduzido também para Nova Iorque. Essas ligações eram extraordinariamente importantes para o tecido empresarial da nossa região. Essa foi a crítica, que mantenho. É evidente que hoje o assunto de alguma maneira está mitigado porque, tal como eu previa, companhias aéreas de bandeira, não foram as low cost, começaram a ocupar esse espaço – desde logo a KLM e a Air France, que há muito tempo não voava para o Porto. A British Airways aumentou a frequência. Agora, entendo que uma transportadora nacional, em que o Estado português tem 50%, não pode deixar de prestar um serviço público à segunda cidade do país e à região mais exportadora do país. 

Mas destes 750 mil passageiros há muitos que vão usar o hub de Lisboa para irem para destinos eventualmente suprimidos pela administração da TAP.
Mas é péssimo para a região. É péssimo para o tecido económico da região. Se falar com qualquer dos sectores empresariais do Norte, verifica isso. Vamos ao caso de Milão, que é uma cidade que tem relações económicas particularmente fortes com o Porto por causa da indústria da moda, da confecção e tudo o mais: não é indiferente para essas pessoas e para estas empresas nós não termos um voo directo a partir do Porto.

A TAP devia ser privada ou pública?
Eu não gosto muito destas parcerias privadas em que o ónus fica no público e a vantagem fica no privado. Entendo que, se havia quem quisesse comprar a TAP com a sua dívida e operá-la como uma empresa comercial normal, era perfeitamente legítimo. E aí… eu não teço comentários sobre a Monarch [companhia low cost britânica], a não ser que fico muito contente que eles ofereçam três voos para Manchester, Birmingham e Luton. Agora se a Monarch disser que vai parar com Luton, não ouvirá o presidente da câmara a pronunciar-se. É uma actividade privada. O problema é quando entramos neste sistema que ninguém percebe: quem é que gere a TAP? Não me parece normal que o Estado reassuma 50% e depois diga que a política comercial da TAP não pode ter a intervenção de administradores públicos, porque a operação comercial de uma empresa de transportes aéreos é o que define o modelo de serviço público.

O Governo devia ter garantido direito de veto em questões estratégicas, como sejam as ligações do Porto?
Com certeza. 

Nesta batalha ficou a sensação de que o Norte não foi atrás de si. Sobrou a sensação de que ficou a falar sozinho. 
A Associação Comercial do Porto tomou uma posição muito clara. 

Mas a Associação Empresarial de Portugal [com sede no Porto] não.
Mas a AEP é uma associação empresarial de Portugal, e com certeza não quer ofender os seus associados de Lisboa. Não é do Porto. Deixou de o ser há muito tempo. Não quis ser. Aqui é uma questão de centralismo. Não há outra questão.

Não lhe faltou influência nos bastidores políticos, que é onde as coisas se decidem? Não podia ter feito as coisas com menos barulho e mais bastidores?
Não, não podia ter feito de outra maneira. 

Em Lisboa, os “centralistas”, se quiser, criticaram-no por estar à procura de ganhar uma batalha mediática com efeitos e popularidade na região.
Eu sabia perfeitamente que esta questão não era uma questão que fosse propriamente do agrado da intelligentsia lisboeta. Não é com batalhas como essa que se ganham eleições ou votos.

No Porto não?
Não, claro que não. Agora, acho que o Porto respeita a herança em que eu tenho de lutar contra o centralismo em questões como foi a fusão dos portos, que foi travada. Como presidente da Associação Comercial do Porto travei essa batalha quase sozinho. Também aí não ouvi as forças do Porto. Relativamente à privatização dos aeroportos, o modelo foi errado. Travei também aí a batalha sozinho, apesar de Rui Rio, presidente da Área Metropolitana do Porto se ter envolvido bastante, numa fase secundária…

E teve o apoio de empresários.
Mas o apoio dos empresários foi dizerem que estariam interessados em concorrer a uma privatização em separado do Aeroporto Francisco Sá Carneiro – essa foi uma guerra perdida, mas é perdida também por causa das forças do Porto, pela forma de representatividade a nível nacional que temos.

Está a falar do mandato nacional dos deputados.
Claro. Basta dar um exemplo: há uns meses, a Assembleia da República votou por unanimidade uma resolução relativamente à evolução e crescimento do Metro do Porto, em que objectivamente se previa que na cidade do Porto haveria zero quilómetros de metro – zero quilómetros. Algumas dessas forças políticas, nomeadamente o PCP, que votou favoravelmente isso, andam agora a dizer que se deveria ter feito mais do que se vai fazer.

Os partidos que o apoiam na Câmara do Porto também votaram essa resolução?
Claro. Votaram. 

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E isso acontece porquê? Por desconhecimento político?
Não. A fobia centralista do país alargou-se ao espectro dos candidatos dos partidos. Uma pessoa que é deputada diz assim: "Eu não me posso agora pôr aos gritos contra o partido porque o Porto está a ser prejudicado, porque senão da próxima vez eu não vou ser eleito." É só isso. Não há outra razão. Se fosse um caso isolado, podia haver razões de convicção. O problema é que o futuro político dessas pessoas depende de obedecerem cegamente a uma lógica determinada por um modelo centralista.

Na polémica com os fundos comunitários, que levou ao afastamento do anterior presidente da CCDRN… 
… o afastamento não foi por mim. Devo dizer que tenho todo o respeito pelo professor Emídio Gomes e, ao contrário do que possam dizer, a única coisa que recusei foi assinar aquilo que nos foi servido à mesa e não foi da autoria dele.

Mas nessa polémica as suas teses tinham por base as diferentes capitações dos fundos entre vários concelhos. Faz sentido que a capitação seja o principal critério para a alocação dos fundos comunitários? As regiões do interior não precisam mais desses apoios do que as grandes cidades?
Depende dos programas. Se me perguntar em termos sociais, os maiores problemas sociais que existem em Portugal estão nas periferias das grandes cidades e não no interior. Já se for em termos de infra-estruturas estarei de acordo. A questão fundamental é que precisamos de olhar para a segregação dos fundos e perceber onde deve ser aplicado preferencialmente este ou aquele fundo. Mas a minha maior crítica aos fundos comunitários não foi essa. Porque é que o Compete, um programa para a modernização e competitividade das empresas exportadoras, continua a ser gerido pelas mesmas pessoas e continua a ser gerido em Lisboa, quando mais de 50% das exportações são do Norte? Essa foi a primeira crítica. A segunda crítica é porque subitamente as prioridades que estavam no quadro comunitário foram abandonadas. Lembro-me que, ainda não tinha tomado posse, o então secretário de Estado, pessoa por quem tenho grande estima pessoal, o Manuel Castro Almeida, avisava: "Preparem-se, vai haver muito dinheiro para a reabilitação urbana." Quando fomos ver o quadro comunitário definitivo, a reabilitação urbana praticamente desapareceu.  

Faz sentido que a AMP, que tem um PIB per capita muito acima dos 75% da média comunitária, continue a fazer parte das regiões de convergência e a ter direito aos fundos? 
Faz sentido enquanto o Porto fizer parte de uma área metropolitana e essa área metropolitana não chegar lá. Vou explicar porquê: o Porto, de facto, beneficiando obviamente de ter uma área metropolitana que lhe dá massa crítica, precisa de corresponder a um conjunto de desafios que lhes são colocados por essa área metropolitana…

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Lisboa diz a mesma coisa.
Sim, mas olhando para os indicadores da AML eles são absolutamente diferentes da nossa área metropolitana.

Porque a Área Metropolitana do Porto é mais desigual. Faz sentido ter Arouca numa área metropolitana?
Terá de perguntar aos partidos, que andaram a jogar a técnica do dominó. Devem ter-se inspirado em Kissinger e então criaram aquele modelo: entrava um mais PS, tinha de entrar um PSD. Foi assim que a área metropolitana foi crescendo. Se me perguntar se entendo ou compreendo o mapa da área metropolitana, eu tenho muita dificuldade.

Concorda com eleição directa do presidente da área metropolitana, prevista no pacote da descentralização do Governo?  
Não. Não concordo, porque seria necessário definir previamente. Isto tem até que ver com a relação que os eleitores têm com a Europa. Não vale a pena criar soberanias ficcionadas. A AMP tem um orçamento que não deve chegar aos dez milhões de euros. Eu não vejo nada que recomende que vá haver transferências de recursos e materiais para a AMP. Estar a criar um lugar eleito por sufrágio directo e universal é simular uma soberania que depois de facto não existe. Considero que esses modelos de mitigação da soberania não lhes dando recursos destroem a democracia.

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