O mais difícil de um programa de estabilidade é mesmo a sua aplicação

Resultado do défice em 2016 é o principal argumento do Governo para convencer os mais cépticos que, ao contrário do que aconteceu no passado, este Programa de Estabilidade é para cumprir.

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Mário Centeno debate o Programa de Estabilidade no Parlamento LUSA/TIAGO PETINGA

É uma história que se repete desde 1999: os planos traçados pelo Governos para a evolução da economia e das finanças públicas para os quatro anos seguintes apontam para uma melhoria progressiva e generalizada dos principais indicadores, mas acabam quase sempre por ser revistos de forma muito significativa de um ano para o outro, e na maioria das vezes para pior. Este ano, o Programa de Estabilidade aprovado pelo Governo e que será discutido esta quarta-feira no Parlamento volta a traçar um cenário optimista para Portugal até 2021. Tendo em conta o historial dos últimos 18 anos e a falta de pormenores quanto à forma como as metas orçamentais de médio prazo poderão vir a ser atingidas, restam o cumprimento do objectivo do défice de 2016 e o regresso do PIB ao cenário anteriormente traçado como os argumentos mais fortes do Governo para mostrar que, desta vez, a história pode vir a ser diferente.

Analisando todos os programas apresentados pelos sucessivos Governos desde a entrada de Portugal na zona euro (o que inclui 12 Programas de Estabilidade e Crescimento, três Documentos de Enquadramento Orçamental e três Programas de Estabilidade) é muito fácil identificar um padrão. A generalidade dos documentos apontam para uma aceleração progressiva do ritmo de crescimento da economia ao longo do período de previsão, combinada com uma redução do défice público (que no último ano resulta na sua na sua anulação ou mesmo passagem a excedente) e uma trajectória descendente do rácio da dívida pública.

O problema é que, quase sempre, no ano a seguir, embora as previsões sejam outra vez optimistas em relação ao futuro, se verifica que as projecções do ano anterior falharam e, por isso, o ponto de partida é pior.

Nos dezoito anos desde 1999, os programas apresentam cenários geralmente mais desfavoráveis ao do ano anterior em 10 casos ao nível do PIB, 11 casos no défice público e 15 casos na dívida pública. As falhas de previsão estão espalhadas ao longo de todo o período, quase não se registando em qualquer um destes três indicadores anos consecutivos de acerto das projecções.

Não seguir esta regra é o grande desafio que o Programa de Estabilidade para o período de 2017 a 2021 agora enfrenta. O Governo está a projectar um cenário em que a economia começa por acelerar para uma taxa de variação do PIB de 1,8% este ano e depois vai crescendo cada vez mais rápido até aos 2,2% de 2021. Nas finanças públicas, melhora o saldo orçamental 2,9 pontos percentuais entre 2016 e 2021 e corta o rácio da dívida pública no PIB em 21 pontos. E, em simultâneo, apresenta uma trajectória de redução do défice estrutural colocando-o no nível exigido pelas regras europeias precisamente a partir de 2021.

Como medidas para atingir estes objectivos, o Governo apresenta, ao nível económico, a estratégia de reforço da produtividade e competitividade delineada no Plano Nacional de Reformas. E no que diz respeito às metas orçamentais, para além do efeito positivo trazido pela aceleração da economia, apresenta medidas que incluem o prolongamento dos impostos extraordinários sobre os sectores bancário e energético, um crescimento mais lento dos consumos intermédios na Administração Pública e uma poupança na despesa com juros.

Estas medidas compensam outras que fazem aumentar a despesa (como o descongelamento das progressões na função pública), mas não parecem conseguir explicar toda a redução do défice estrutural que é planeada no documento. O Jornal de Negócios avançava na sua edição desta terça-feira que o Programa de Estabilidade era omisso sobre 40% das medidas necessárias para cumprir a redução do défice estrutural prevista.

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Para além disso, outro grande risco para o cumprimento do programa está, como no passado, na possibilidade de a economia não evoluir da forma que está prevista no Programa de Estabilidade. E já há quem aponte para a possibilidade de as projecções de crescimento do Executivo poderem ser demasiado optimistas. É verdade que, em relação à estimativa deste ano, os 1,8% previstos pelo Governo estão em linha com a generalidade das projecções apresentadas por outras instituições, mas para o médio prazo, entidades como o FMI e o Conselho das Finanças Públicas apontam para a possibilidade de a economia poder, numa conjuntura também difícil a nível internacional, voltar a fraquejar a partir de 2018.

Perante as dúvidas, o argumento mais forte que o Governo tem para apresentar são os resultados obtidos em 2016, o seu primeiro ano em funções. Apesar de o crescimento de 1,4% desse ano ter ficado claramente abaixo dos 1,8% que eram projectados no Programa de Estabilidade apresentado em Abril de 2016, a verdade é que, para os anos seguintes, o Governo consegue agora manter a trajectória que tinha sido planeada, incluindo o crescimento de 1,8% em 2017.

E no que diz respeito ao défice, conseguiu um resultado melhor que o previsto em 2016 e mantém no actual programa um rumo idêntico ao do programa anterior. Apenas em relação à dívida pública, as projecções voltaram a falhar claramente, voltando a apresentar-se um ponto de partida mais desfavorável.

Depois do Parlamento, a próxima avaliação à credibilidade do Programa de Estabilidade português caberá à Comissão Europeia, que terá no documento um dos elementos fundamentais para decidir se recomenda ou não a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo.

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