Pré-escolar, quantidade e qualidade

Há estudos que estimam a taxa de retorno na educação pré-escolar em cerca de 15% a 17%.

Um dos objectivos constantes no Plano Nacional de Reformas, apresentado no dia 29 de Março, é o de universalizar a frequência do pré-escolar aos 3 anos em 2019.

Segundo os dados do Pordata, a frequência do pré-escolar em Portugal aumentou de 6528 crianças em 1961 – o que correspondia, na altura, a 1,2% das crianças com idades entre os 3 e os 5 anos – para 264.660 em 2015, ou seja, 90,9% das crianças nesta faixa etária. Focando-nos nas crianças que passam pelo menos seis horas por dia na escola, os números do Eurostat mostram que Portugal é o quarto país europeu (atrás da Islândia, Dinamarca e Estónia) com a maior percentagem de crianças nestas circunstâncias: 83,5% em 2015. Em 2005, esta percentagem era de 18% – Portugal era então o quinto país da Europa com menor taxa de pré-escolarização a tempo completo. Tem havido um progresso extraordinário nos últimos anos. No entanto, uma política de sucesso de educação pré-escolar não se pode esgotar nestes números optimistas. Existem vários aspectos que importa ter em conta nas reformas que o Governo se prepara para desenhar.

Em primeiro lugar, a garantia de acesso sem custos para as famílias é fundamental para compensar a desigualdade de oportunidade das crianças de famílias mais pobres. De facto, as crianças que mais frequentam o pré-escolar vêm de famílias com melhores níveis de rendimento e educação. Paradoxalmente, vários estudos mostram que são as crianças de meios económicos mais desfavorecidos que mais beneficiam com a frequência do ensino pré-escolar. Estes benefícios vêem-se, por exemplo, na aprendizagem da leitura ou nos resultados obtidos pelos alunos a matemática, já com a idade de 15 anos. Em Portugal, apenas em 2010 as crianças de 5 anos passaram a ter um lugar garantido na rede pré-escolar pública; essa garantia alargou-se às crianças de 4 anos em Setembro de 2016, tendo o Governo assumido o compromisso de chegar às de 3 anos a partir de 2018. Existe, portanto, um intervalo de vários anos entre o final da licença parental e o momento em que o Estado garante a integração da criança num sistema de ensino apropriado à sua idade. Portugal não está sozinho: apenas seis países europeus oferecem esta garantia imediatamente a seguir à licença parental, e nem todos de forma totalmente gratuita.

Em segundo lugar, como sempre na política económica e social, o diabo está no detalhe. Não basta assegurar que as crianças, em particular as mais desfavorecidas, frequentam o pré-escolar. Existem várias características das classes e dos professores que têm um impacto duradouro nas vidas destas crianças. Um estudo recente, sugestivamente intitulado “How does your kindergarten classroom affect your earnings?”, estima o impacto da turma do jardim-escola na vida das crianças quando atingem a idade adulta. Para tornar isto possível, os investigadores contaram com a colaboração das autoridades estatísticas dos Estados Unidos, o que permitiu relacionar as declarações de impostos de adultos com a turma em que estes haviam estado inseridos na educação pré-escolar. O estudo concentra-se nos resultados do projecto de educação pré-escolar Star, implementado do estado do Tenessee nos anos 80, que quantifica os efeitos de factores como a dimensão e composição das turmas ou a experiência dos educadores. Turmas mais pequenas e educadores mais experientes têm impactos que se prolongam na vida adulta numa série de realidades, que vão da frequência universitária, aos salários, à probabilidade de ser proprietário de uma casa, de poupar para a reforma, e até de ser casado. Portanto, é fundamental assegurar que o esforço na garantia de acesso ao pré-escolar se faz, também, garantindo a qualidade.

Finalmente, quando uma criança atinge a idade de 3 anos tem já todo um historial de vida – que começa antes do nascimento – que é também determinante. Um projecto-piloto nos Estados Unidos – Abcederarian – envolveu crianças a partir dos 4 meses de idade num programa de creche, suplementos nutricionais e visitas de assistentes sociais às famílias. Esta intervenção aumentou de forma clara não só as capacidades cognitivas das crianças, medidas pelo quociente de inteligência, como as não cognitivas, por exemplo, o auto-controlo, o entusiasmo e motivação para a aprendizagem, a capacidade de tomar atenção, a auto-estima. Estas capacidades não cognitivas são, também elas, determinantes ao longo da vida nos mais variados aspectos, não só de sucesso na educação e mercado de trabalho, mas também em vários comportamentos de risco e criminais.

Sabemos hoje que a bagagem trazida pelas crianças para o ensino básico é tão importante para o seu sucesso como a própria aprendizagem ao longo do ensino obrigatório. Assim, esta iniciativa do Plano Nacional de Reformas é um passo no sentido certo, desde que se acautele a qualidade, para além da quantidade. No entanto, está na altura de começar a olhar para o que acontece antes do pré-escolar – aos três anos, sob alguns pontos de vista, pode já ser tarde demais. Esta é uma prioridade política que atravessa gerações e não deve ser condicionada por problemas de curto prazo como períodos de crise. Tendo em conta os diversos ganhos para a economia – maior produtividade e níveis de educação, melhores salários, menor taxa de crimininalidade e comportamentos aditivos, existem estudos que estimam a taxa de retorno na educação pré-escolar em cerca de 15% a 17%.

 

CIDADANIA SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais www.cidadaniasocial.pt

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