Tanto o “sim” como o “não” a Erdogan são um risco para os curdos
A dura repressão no Sudeste da Turquia vai reflectir-se na consulta constitucional.
Para os curdos, o que está em causa neste referendo é mais do que a mudança da Constituição. É também a política anti-curda seguida pelo Governo do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) do Presidente Recep Tayyip Erdogan nos últimos anos, que lhe permitiu ter o apoio de pelo menos parte dos nacionalistas de extrema-direita.
“Os curdos já não têm direitos na actual Constituição, e não vão ter direitos nenhuns na nova”, comentou à Economist o empresário Sah Ismail Bedirhanoglu, em Diyarbakir, a principal cidade do Sudeste da Turquia. “As pessoas perderam as suas casas, família e o emprego. Nenhum artigo da Constituição lhes vai trazer a paz”, comentou ainda Vahap Coskun, professor de Ciência Política na Universidade Dicle, naquela cidade.
Votar “não” à nova Constituição, que coloca nas mãos de Erdogan um poder imenso, não contrabalançado pelo Parlamento ou pelos tribunais, poderia travar Erdogan, encorajando os críticos do reis (chefe) a avançar. É pelo “não” que fazem campanha a oposição de esquerda, o (CHP) e o Partido Democrático do Povo (HDP), que tem os seus dois co-líderes presos, ameaçados de longuíssimas sentenças de prisão, bem como vários outros deputados.
Foram afastados 65 presidentes de câmara deste partido, maioritários no Sudeste do país, e muitos deles foram detidos em Setembro e Outubro, acusados de serem cúmplices de terrorismo. Mais de 600 empresas foram confiscadas pelo Estado, diz um relatório apresentado pela deputada do CHP Zeynep Altiok, citado pela Reuters.
Uma derrota seria uma humilhação difícil de engolir por Erdogan, com consequências difíceis de prever. Por outro lado, o Presidente turco teria sempre o estado de emergência, declarado após a tentativa de golpe de Estado falhada de 15 de Julho do ano passado.
Este estado de excepção tem-lhe permitido despedir e prender jornalistas, militares, advogados, professores e simples cidadãos. Os motivos que os tornam suspeitos aos olhos do Estado podem ser tão simples como ter conta num banco ligado à organização de Fethullah Gülen, o imã que já foi aliado de Erdogan mas que se tornou seu inimigo jurado, e que o Presidente acusa de ter estado por trás do golpe militar.
As sondagens – que não são consideradas muito fiáveis – dizem que entre 62% e 69% dos curdos votarão “não” à alteração da Constituição, diz o Le Monde. Está bem presente a campanha destrutiva lançada pelo Estado turco em várias cidades curdas em 2015, e 2016, a pretexto de eliminar células terroristas urbanas do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).
Segundo as Nações Unidas, meio milhão de pessoas ficaram desalojadas, o centro de várias cidades ficou destruído – com destaque para Sur, o centro histórico de Diyarbakir, que é património mundial – e pelo menos 2000 pessoas foram mortas, algumas de forma violentíssima.
“Dada a natureza abrangente e arbitrária dos decretos de emergência emitidos desde Julho de 2016, há sérias preocupações de que estes poderes seja usados para exacerbar as actuais grandes violações dos direitos económicos, sociais e culturais”, criticou a ONU. O Governo de Ancara retaliou sexta-feira, dizendo que a ONU estava “a interferir nos assuntos internos da Turquia”.
A tensão com os curdos não deve baixar, qualquer que seja o resultado do referendo. O Governo, e os nacionalistas turcos, vêm com preocupação o aumento das capacidades de criar um Estado independente dos curdos na Síria e no Iraque, e preocupa-se com a possibilidade de existir uma efectiva continuidade territorial até ao Curdistão turco.