Donald Trump reinventa a sua presidência com acções militares
O Presidente dos Estados Unidos, que segundo as sondagens é o mais impopular de sempre, reverteu numa semana toda a sua política externa.
Dizem os amigos do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que as suas opiniões costumam ser fortemente influenciadas pela posição da última pessoa com quem falou e lhe apresentou o argumento mais convincente que ouviu. Nos últimos dez dias, Trump falou com vários líderes mundiais – o último foi o Presidente da China, Xi Jinping, com quem estabeleceu uma “boa ligação” –, com os dois generais que escolheu para o Pentágono e o Conselho Nacional de Segurança, James Mattis e H.R. McMaster, e também com a filha Ivanka, agora oficialmente integrada nos quadros da Casa Branca.
Depois de conversar com a filha, o Presidente autorizou um ataque dos Estados Unidos, com 59 mísseis Tomahawk, contra a base aérea síria de al-Shayrat, em retaliação pelo massacre com armas químicas de “crianças inocentes e lindos bebés” da província de Idlib, atribuído ao regime de Bashar al-Assad. Depois de se despedir de Xi Jinping, convidado de honra do resort Trump da Florida, os EUA movimentaram um porta-aviões para as águas da península coreana, numa manobra destinada a temperar os impulsos do líder da Coreia do Norte Kim Jong-un, que anda a ameaçar um novo ensaio nuclear. E na sexta-feira, deu luz verde ao Pentágono para experimentar, pela primeira vez na história, a “mãe de todas as bombas” na remota província de Nangarhar, no Afeganistão, para destruir os túneis por onde se movimentavam militantes do Daesh.
As decisões do Presidente norte-americano, que lhe valeram os primeiros elogios e aplausos em Washington, representaram uma reversão total da política externa que enunciou e prometeu aos seus apoiantes e financiadores durante a campanha eleitoral. Trump, na sua versão nacionalista e isolacionista, tinha jurado seguir uma única linha quando chegasse à Casa Branca: com ele, seria a “América primeiro”. Mas esse slogan, impresso em milhões de bonés vermelhos distribuídos entre as suas hostes, parece tão esquecido como a construção do muro na fronteira com o México para conter imigrantes.
Não foi só a política de não-intervenção militar no Médio Oriente que caiu por terra numa semana. Trump fez um volte-face completo noutras das promessas de campanha que animaram a sua base eleitoral. A NATO, cuja utilidade questionou, deixou de ser obsoleta. A China, que pretendia declarar como “manipuladora de moeda”, tornou-se aliada na pressão à Coreia do Norte. A relação privilegiada com Vladimir Putin, que o Presidente sempre acreditou ser possível, parece agora uma quimera. “De momento, não estamos a dar-nos nada bem com a Rússia. Devemos mesmo estar no ponto mais baixo de sempre do nosso relacionamento”, admitiu Trump na sexta-feira.
As reviravoltas, que aproximaram a agenda da Casa Branca da cartilha republicana mais convencional, apanharam os comentadores e analistas de surpresa – mesmo aqueles que escreveram tratados sobre a natureza “imprevisível”, “inconsistente” e “volátil” de Trump (o próprio prefere descrever-se como “flexível”). Muitos perguntam-se sobre o que justifica a repentina mudança de 180 graus na postura do Presidente.
Mas mais importante do que saber isso, é perceber que nova postura é essa. “Os desenvolvimentos da última semana levantam questões legítimas sobre as posições do Presidente: afinal, em que é que Trump acredita, tendo em conta que o que está a dizer agora é o oposto de tudo o que disse ao longo da campanha”, perguntava o analista da CNN, Chris Cilliza. A resposta a essa pergunta é fundamental para perceber as intervenções do Presidente e prever as políticas da sua Administração: mais ortodoxa, mais centrista, mais intervencionista…
Segundo o veterano repórter Mike Allen, a nova versão 2.0 do Presidente “é o resultado do desejo instintivo de Donald Trump de declarar vitória, depois de uma série de desaires” e também a confirmação da nova dinâmica entre as duas facções instaladas na Casa Branca: são os moderados, representados por Ivanka e o marido Jared Kushner, ou o conselheiro económico Gary Cohn, que estão agora em ascendência, com o anterior guru da campanha, e principal conselheiro da Casa Branca, Steve Bannon, a perder importância. “O que estamos agora a ver é a manifestação da personalidade assente no improviso do Presidente, que age com base em estímulos novos e imediatos”, interpretou um dos muitos “oficiais” da Casa Branca que falam com os jornalistas sob anonimato.
Ao lado do rei da Jordânia, no jardim da Casa Branca, Donald Trump explicou que não é um dogmático mas um pragmático, e que “quando o mundo muda, eu mudo com ele”. Poderia ser uma justificação, só que a nova postura do Presidente não surge em reacção a nenhuma alteração significativa no tabuleiro geopolítico – nada mudou na guerra da Síria, no funcionamento da NATO ou na actividade económica da China para forçar o Presidente norte-americano a contradizer tão dramaticamente as suas anteriores posições.
Alguns comentadores arriscam algumas explicações para a mudança abrupta de Trump. Há quem diga que tem a ver a sua inexperiência e impreparação, evidentes quando confessou a sua surpresa ao vislumbrar a “tremenda complexidade” da reforma da saúde ou a ouvir as explicações de Xi Jinping sobre o desafio da Coreia do Norte: “Ao fim de dez minutos percebi que não é fácil.” Outros lembram que desde que Trump tomou posse, só conseguiu um sucesso: a entrada do juiz Neil Gorsuch no Supremo Tribunal. Com a marca dos cem dias a aproximar-se, e as sondagens a mostrar que Trump é o Presidente mais impopular de sempre, a Administração precisa de assinar medidas que elevem o seu estatuto de “vencedor”. E nada mais eficaz do que uma campanha militar avassaladora para calar as críticas.
No entanto, o Presidente (que já registou a recandidatura) corre um enorme risco ao desviar-se tanto do seu guião eleitoral, e que é perder a boa-vontade da sua base de apoio – os eleitores e os legisladores do Congresso. Como lembrava à Associated Press um consultor republicano que aconselhou Donald Trump durante a campanha, os políticos que abandonam rapidamente as suas promessas costumam pagar um custo pesado: a factura pode chegar já no próximo ano, nas eleições intercalares para o Congresso.