França: a primeira volta das presidenciais será decidida em photo finish
A hipótese de uma segunda volta entre Le Pen e Mélenchon subverte o jogo eleitoral.
1. A 10 dias do voto, uma sondagem Ipsos-Sopra Steria, para o Le Monde, não só confirma o quadro dos “quatro favoritos” como deverá mudar a estratégia dos candidatos na derradeira semana. As opções não serão ideológicas mas centradas numa pergunta: “Quem mais ameaça afastar-me da segunda volta?” É frustrante não falar dos enjeux ou das consequências das eleições mas quase só de sondagens que desorientam os próprios especialistas. Numa final a quatro o que interessa é a ordem de chegada, decidida por photo finish. Do resto, fala-se depois.
Continua a ser uma eleição extraordinária. “Com a sobrevivência da União Europeia em jogo, as apostas são as mais elevadas da história da V República”, comenta o analista Dominique Moïsi. Depois é extraordinária por outro facto: a emergência de um candidato centrista e independente dos dois grandes partidos, Emmanuel Macron, ultrapassando a lógica da clivagem esquerda-direita, baralhou todas as regras, ameaçando fazer implodir o sistema partidário francês. O PS foi a primeira “baixa”; resta ver o que acontece a Os Republicanos (direita).
2. Outrora, na primeira volta das presidenciais, a “emoção” concentrava-se em duelos entre candidatos da mesma área e, na segunda, entre esquerda e direita. Estava tudo decidido antes última semana — à excepção da atípica eleição de 2002, com a surpresa da eliminação de Lionel Jospin por Jean-Marie Le Pen.
Este ano emergiram quatro concorrentes, agora separados por apenas três pontos, em cima da margem de erro. Uma segunda volta entre Jean-Luc Mélenchon e Marine Le Pen é improvável mas é aritmeticamente possível, ou seja, não pode ser excluída. Noutro cenário limite, também improvável mas possível, Marine Le Pen poderia ser eliminada no dia 23.
É extremamente elevado o grau de indecisão, de hesitação entre votar ou não, com imprevisíveis e rápidas transferências das intenções de voto. Mesmo assim, entre os que dizem ir votar, subiu o número dos que se declaram seguros da opção: 66% dizem definitiva a sua escolha, 34 podem ainda mudar de opinião. A tentação de abstenção continua forte — quase um terço na primeira volta — mas poderá diminuir perante uma dramatização de última hora.
“O mercado eleitoral está desregulado”, observa o politólogo Luc Rouban. “Tudo se passa como se a oferta política tivesse deixado de corresponder à procura dos eleitores, cujas escolhas também se tornam difíceis de prever.”
3. Nestas circunstâncias, o leitor perdoará algumas especulações. No dia 23 os franceses vão votar no candidato mais próximo ou no “menos mau” mas sempre a pensar na segunda volta. Antes havia uma alta probabilidade de confronto entre Le Pen e Macron. Mas surgiu uma “grande perturbação”. A ascensão de Mélenchon, levantando a hipótese de uma “final” entre ele e Le Pen, foi um electrochoque de efeitos ainda imperceptíveis e que pode vir a ser determinante. Ele sobe agora mais dois pontos na sondagem Ipsos, perdidos pelo socialista Benoit Hamon, agora reduzido a 7% , reforçando a possibilidade de estar na segunda volta.
Isto é um trunfo e ao mesmo tempo fonte de anticorpos. Os eleitores passam a julgá-lo como candidato a Presidente e não apenas como líder do protesto ou de uma reestruturação da esquerda. É o “mais próximo das pessoas” mas a grande maioria não lhe reconhece um “perfil presidencial”. De resto, não conseguiu apagar por completo a sua imagem “chavista”.
O improvável mas possível cenário do confronto com Le Pen na segunda-volta condiciona muita coisa. As reportagens começam a dar conta das dúvidas que crescem entre os seus próprios potenciais eleitores. Muitos hesitam em assumir esse risco. Assim, as sondagens de Mélenchon na derradeira semana poderão pesar no complexo quadro das escolhas.
4. Em termos de pura lógica, o primeiro beneficiado pelo cenário Le Pen-Mélenchon poderia ser François Fillon. Sofreu um grave desprestígio mas foi declarado “morto” algo prematuramente. Depois do “Penelopegate”, desceu do primeiro para o terceiro lugar nas sondagens. Viu figuras moderadas do seu partido passarem para Macron. Todos os rivais no partido, de Sarkozy e Juppé, pareciam apostar na sua derrota. A sua postura muito à direita dividiu Os Republicanos.
Mas conseguiu manter um núcleo duro entre 17 e 20% das intenções de voto. Perdeu eventuais eleitores para Le Pen, para Macron e para a abstenção. Há duas semanas, um analista referia a existência de um número considerável de votantes virtuais de Macron e de Le Pen que ainda hesitavam entre eles e Fillon. Mas a sua viragem era considerada improvável.
Que efeito terá sobre o eleitorado da direita o fantasma de uma segunda volta Le Pen-Mélenchon? “O caso de Fillon é o que suscita mais interrogações”, escreve o jornalista Eric Dupin. “Não se pode excluir a hipótese de que beneficie, no segredo da cabine de voto, de uma espécie de ‘voto envergonhado’ que foi difícil exprimir durante a campanha.”
5. De Macron quase tudo foi dito. Domina o centro mas tem de gerir um difícil equilíbrio. É um candidato “a cavalo” sobre os eleitorados da esquerda reformista e da direita moderada. Concentrou o “fogo” sobre Marine Le Pen. Mas as últimas sondagens podem levá-lo a repensar a táctica. Um dos seus apoiantes socialistas avisa: “Fillon é o verdadeiro adversário. O segundo lugar vai jogar-se entre ele e nós. O centro sempre foi sobrestimado nas sondagens. É preciso bater forte em Fillon.”
Macron, tal como Le Pen, os até agora “superfavoritos”, estão a sofrer algum desgaste. No entanto, a heteróclita base eleitoral de Macron não se desfez. As sondagens apontam-no como o que melhor derrotaria Le Pen. Tem fragilidades mas também um elevado potencial eleitoral: 46% dos inquiridos nas sondagens declaram que poderiam votar nele. É o candidato com menos anticorpos.
6. Marine Le Pen fez uma má campanha e fracassou nos debates. Está a ser acossada por escândalos. Não está em queda livre mas perdeu a dinâmica, dizem os institutos de sondagens. “O problema é que, ao ser o favorito na primeira volta, se deixa de correr riscos”, declara o Nicolas Lebourg, historiador da Frente Nacional (FN). O politólogo Jerôme Fourquet anota que ela fez “uma campanha de apaziguamento” e sem fulgor.
“Há uma catástrofe que ela ainda não evocou: a sua eliminação na primeira volta”, comentou o Nouvel Obs. É uma blague. Le Pen tem uma forte base de apoio. Mas precisa absolutamente de passar à segunda volta. A França está em vias de um realinhamento político, escreve no Financial Times o politólogo Joël Gombin. “Nesta reconfiguração, a FN — ou aquilo em que a FN se torne — alcançará o potencial de vencer eleições. Mas estaremos então a viver num diferente mundo político.”
Afinal, também Marine Le Pen e a sua FN correm riscos.