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Síria: Um ataque dos EUA pela calada com uma mensagem à vista de toda a gente

Estados Unidos lançam mísseis contra a Síria e deixam aviso à Rússia. Líderes europeus põem-se ao lado do Presidente Donald Trump e dizem que o ataque foi merecido e proporcionado.

Foram lançados 59 mísseis Tomahawk
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Foram lançados 59 mísseis Tomahawk FORD WILLIAMS/EPA
A base de Shayrat, atingida pelo ataque norte-americano
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A base de Shayrat, atingida pelo ataque norte-americano Departamento de Defesa dos EUA
Donald Trump durante o anúncio do ataque contra a Síria
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Donald Trump durante o anúncio do ataque contra a Síria Carlos Barria/Reuters
Bashar al-Assad, Presidente da Turquia
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Bashar al-Assad, Presidente da Turquia SANA/EPA

Há menos de quatro meses, quando o embaixador da Rússia em Ancara foi assassinado, foram muitas as vozes que anunciaram o início de um conflito armado, lembrando a morte do arquiduque Francisco Fernando em 1914. Esta sexta-feira, horas após o ataque norte-americano contra uma base aérea síria, a rádio estatal russa Vesti FM repetiu o aviso catastrofista: "Podemos estar perante um acontecimento que muda o curso da História." Mas, tal como aconteceu no primeiro caso, o mais provável é que ainda não seja necessário encher a despensa com comida enlatada.

Para além dos 59 mísseis Tomahawk apontados à Síria, o que os Estados Unidos lançaram na noite de quinta-feira foi uma série de avisos em todas as direcções, precisamente no dia em que o Presidente Donald Trump ia encontrar-se com o Presidente chinês na Florida, e numa altura em que está a ser investigado pelo FBI por causa das suspeitas de colaboração com a Rússia durante a campanha eleitoral do ano passado.

Mais do que lançar o pânico com a antecipação de uma guerra global por causa do ataque norte-americano de quinta-feira, o importante é perceber qual será o segundo passo dos Estados Unidos nesta nova estratégia em relação à guerra na Síria – afinal, é verdade que em pouco tempo Trump rasgou a carta-branca que tinha passado ao regime de Bashar al-Assad e ordenou um ataque militar contra esse mesmo regime.

As reacções da Síria e da Rússia, por mais inflamadas que sejam, não poderiam ser outras – deixar no ar o risco de uma resposta forte é a única solução nestas situações. Damasco acusou os Estados Unidos de terem assumido um comportamento "irresponsável e insensato, que só revela a sua cegueira política e militar em relação à realidade". E Moscovo foi ainda mais longe, na primeira vez que o seu envolvimento no conflito sírio foi posto em causa de forma musculada: "Foi um acto de agressão contra um Estado soberano em violação da lei internacional, sob um pretexto completamente inventado", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, que comparou o ataque à invasão do Iraque em 2003, na medida em que foi lançado sem a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O "pretexto completamente inventado", segundo Lavrov, é a acusação dos responsáveis norte-americanos e de vários países europeus de que a aviação de Bashar al-Assad gaseou até à morte pelo menos 80 pessoas na província de Idlib, na terça-feira, incluindo homens, mulheres e crianças.

Segundo as declarações públicas de Donald Trump, foi esse o acontecimento que o fez mudar de ideias em relação a Bashar al-Assad – em resposta, fez aquilo que desaconselhou Barack Obama a fazer em 2013 e ordenou a destruição da base aérea síria de onde terão saído os aviões para o ataque em Idlib. Pelo menos dez pessoas, entre as quais quatro crianças, terão sido mortas na operação norte-americana, que foi lançada a partir de dois contratorpedeiros estacionados na base naval em Rota, Andaluzia, a pouco mais de 100 quilómetros em linha recta de Vila Real de Sto. António.

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O lançamento de 59 mísseis Tomahawk indica que a ideia era causar muitos estragos, mas o Pentágono diz que Moscovo foi avisado com tempo suficiente para se defender. A intenção era evitar que a Rússia se visse forçada a responder com mais determinação, já que a morte de muitos militares russos levaria a uma onda de indignação entre a população russa. O secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, disse que a Rússia não foi avisada, mas tudo indica que esse aviso foi mesmo feito, não por palavras mas através dos procedimentos militares que sinalizam a acção.

Apesar do tom irado, as reacções da Síria e da Rússia afogaram-se num mar de elogios (ou, no mínimo, de silêncios cúmplices) por parte de vários países. Ao fim de seis anos de conversações e tentativas de cessar-fogo, e apesar dos riscos do envolvimento norte-americano na guerra na Síria, muitos líderes europeus pareciam estar aliviados por finalmente alguém ter feito alguma coisa – ninguém o disse desta forma, mas as declarações oficiais não conseguiram esconder esse sentimento.

"Os americanos acham que já gastaram todas as hipóteses diplomáticas e pacíficas para lidarem com o uso de armas químicas por parte do regime [sírio], e estavam determinados a tentar prevenir futuros ataques, por isso tomaram esta medida", disse o secretário da Defesa britânico, Michael Fallon, tendo o cuidado de sublinhar que o ataque contra a Síria "não foi uma declaração de guerra".

Berlim e Paris também piscaram o olho a Washington, e logo numa significativa declaração conjunta: "A responsabilidade por este desenvolvimento é apenas e só do Presidente Assad. O seu uso repetido de armas químicas e os seus crimes contra o seu próprio povo requerem sanções que a França e a Alemanha já tinham pedido no Verão de 2013, após o massacre em Ghutta" – uma referência ao momento em que a Administração Obama admitiu lançar um ataque contra a Síria, tendo acabado por recuar e fazer um acordo com a Rússia para retirar as armas químicas do alcance de Bashar al-Assad.

Apesar das várias sensibilidades entre os países da União Europeia em relação à guerra na Síria e às relações com a Rússia, tanto o presidente do Conselho Europeu como o presidente da Comissão Europeia foram assertivos na defesa do ataque norte-americano. "O ataque dos EUA mostrou uma determinação necessária contra os bárbaros ataques químicos. A União Europeia vai trabalhar em conjunto com os Estados Unidos para pôr fim à brutalidade na Síria", escreveu Donald Tusk no Twitter.

A reacção de Jean-Claude Juncker chegou num comunicado: "Os Estados Unidos informaram a União Europeia de que estes ataques se limitaram a prevenir futuras atrocidades com armas químicas. O uso repetido deste tipo de armamento deve ter uma resposta."

Em nome da NATO e dos seus 28 membros falou o secretário-geral, Jens Stoltenberg, para se juntar a esta multidão a brandir bastões que se formou atrás dos Estados Unidos: "A única responsabilidade é do regime sírio. O uso de armas químicas é inaceitável, não pode ficar sem resposta, e os responsáveis devem ser confrontados."

Para Jonathan Marcus, correspondente de política internacional na BBC, o que está em causa é, mais do que um jogo perigoso, uma tomada de posição "determinada". "É uma mensagem para Damasco e para Moscovo a dizer que está um novo homem na Casa Branca. É o senhor Trump, o 'anti-Obama', e vocês devem perceber isso", diz.

Apesar dos riscos inerentes, Marcus acredita que a decisão de Donald Trump pode acabar por se revelar positiva: "É de esperar uma resposta inicial dura por parte da Rússia. A longo prazo, tanto Washington como Moscovo têm agora uma melhor noção do que está em jogo. Este talvez não seja o Donald Trump que Moscovo esperava. Mas o sr. Putin é um homem que respeita a acção. Talvez a Rússia e os Estados Unidos consigam encontrar um caminho comum em relação à Síria. Por enquanto, o Governo da Síria e os russos ficam a saber que o sr. Trump – apesar da sua inexperiência e da sua retórica – consegue reagir de uma forma determinada num momento de crise."

Extrema-direita "traída" por Trump

Para além da Síria, da Rússia e do Irão, as críticas mais duras contra Donald Trump foram lançadas por muitos dos seus próprios eleitores e apoiantes, principalmente os que se identificam com a chamada alt-right – um movimento de extrema-direita nativista e islamofóbico –, e por membros do seu Partido Republicano que sempre defenderam uma política externa menos intervencionista.

Paul Joseph Watson, um britânico que escreve para o famoso teórico da conspiração norte-americano Alex Jones, e que tem o seu próprio canal no YouTube com as mais variadas teorias da conspiração, anunciou no Twitter que deixou de apoiar Donald Trump. "Parece que Trump afinal não era uma marioneta de Putin, era apenas uma marioneta do 'Estado profundo' e dos neoconservadores", escreveu Watson, numa referência à tese cara a muitos apoiantes de Trump durante a campanha de que os Estados Unidos são, na verdade, governados por uma rede de falcões da guerra que manobram tudo por trás do pano.

Até Richard Spencer, o homem que cunhou o termo alt-right, e que dirige o site com o mesmo nome, ficou tão desiludido com Donald Trump que promete apoiar em 2020 a candidatura de Tulsi Gabbard, uma congressista do Partido Democrata que foi uma das principais apoiantes de Bernie Sanders no ano passado e que é uma conhecida opositora da intervenção militar na Síria. Spencer gravou um vídeo sobre "a traição de Trump" e "o fim do America First", e passou o dia a partilhar no Twitter mensagens de antigos apoiantes de Donald Trump que se dizem traídos pelo Presidente norte-americano.

Outra ideóloga da alt-right, a comentadora Anne Coulter, também está a afastar-se de Trump por causa do ataque contra a Síria, mas não só: "Bannon saiu. Flynn saiu. Sessions pediu recusa. Nós ganhámos a Casa Branca e as duas câmaras! Imaginem se tivéssemos perdido. O Partido Republicano estaria a ir buscar a roupa lavada dos democratas."

As divisões também se alastraram ao topo do próprio Partido Republicano, com uma ala liderada pelos senadores John McCain e Lindsey Graham a defender a intervenção e os libertários de Rand Paul a acusarem o Presidente de ter agido sem que os Estados Unidos tivessem sido atacados. "As nossas anteriores intervenções na região não fizeram nada para nos tornar mais seguros, e na Síria não será diferente", escreveu Rand Paul no Twitter.

Do lado das figuras mais influentes do Partido Democrata houve várias manifestações de apoio ao ataque, sobrando apenas os avisos sobre os cuidados a ter nos próximos passos. Qualquer crítica negativa da parte do chamado establishment do Partido Democrata seria aproveitada pela Administração Trump para pegar num vídeo filmado horas antes de Donald Trump ter anunciado o ataque contra a base síria, com uma declaração de Hillary Clinton na conferência Mulheres no Mundo, em Nova Iorque: "Assad tem uma força aérea, e essa força aérea é a causa da maioria destas mortes de civis. Acredito mesmo que devíamos ter eliminado, e ainda devemos eliminar, as bases aéreas dele e impedi-lo de conseguir usá-las para bombardear pessoas inocentes e largar gás sarin em cima delas."

O ataque norte-americano contra a Síria surge também num momento muito complicado para Donald Trump no plano interno, e uma acção deste tipo pode provocar uma ligeira subida da sua popularidade. Para além disso, o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, vai encontrar-se na próxima semana com o Presidente russo, Vladimir Putin, e nessa altura poderá apresentar-se com uma posição mais vantajosa para os Estados Unidos do que aquela que tinha antes do ataque.

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