“As promoções não aumentam a quota de estômago”
Jorge Henriques,presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA), vê como “esgotada” a fórmula do sector da distribuição assente numa política promocional “agressiva”. Até porque o consumo alimentar não voltará tão cedo aos valores antes da crise.
"Não vamos comer mais porque é mais barato", acredita Jorge Tomás Henriques, para criticar o recurso sistemático às promoções nas cadeias de super e hipermercados no país. O presidente da FIPA, federação industrial do sector agro-alimentar e das bebidas, que hoje se reúne em congresso em Lisboa, acredita que "não é possível resistir muito mais tempo a uma depreciação dos preços ao nível daquilo que tem acontecido nos últimos anos".
Em 2016, o sector representou que vendas e que exportações?
O ano de 2016 pode-se considerar como um ano de retoma face ao período de crise, durante os anos de ajustamento. Segundo as estimativas da FIPA, a indústria terá representado praticamente 15,4 mil milhões de euros de facturação. Continuou, nas exportações, a ter um crescimento positivo, de cerca de 3,7%. Aproximámos a quase 4,6 mil milhões de euros nos produtos da indústria agro-alimentar e das bebidas (apenas os produtos transformados) – o que é um crescimento acima da média nacional, da indústria transformadora.
Os 15,4 mil milhões de euros representam que crescimento face a 2015?
À volta de 1%, de 1,2% de crescimento.
Essencialmente devido a exportação? Como é que se comportou o mercado doméstico?
O mercado doméstico começa a experimentar algum crescimento em alguns subsectores. No das bebidas, até porque foi um ano particular em termos climáticos, teve crescimentos extremamente positivos. No geral, a indústria agro-alimentar no mercado doméstico teve um aumento de cerca de 1,5%. Começa a haver nalguns canais uma pequena retoma do poder de compra, mas que não é uma retoma ao nível daquilo que esta indústria necessita. Por isso esta indústria tem que continuar a exportar. Segundo a nossa estimativa, apenas cerca de 20% das empresas da indústria agro-alimentar exporta. E, destes 20%, um pequeno número exporta regularmente. Quer dizer que tem que ser criado um incentivo maior para que estas empresas tenham condições para chegar aos mercados.
No mercado doméstico, na indústria agro-alimentar e de bebidas, já estamos ao nível dos números pré-crise?
Não, vai demorar ainda muito tempo.
Quanto tempo acha que vai demorar ainda?
Se tudo correr bem, dentro daquilo que estamos a prever, necessitamos de mais dois anos para voltarmos, não direi aos números da pré-crise, porque creio que isso não voltará a acontecer...
Acha que não?
Penso que não. O consumo doméstico não tem vindo a readquirir aquela dinâmica que acontecia no pré-crise. Há sinais ainda de alguma moderação. E a indústria agro-alimentar, em termos globais, foi aquela que, provavelmente, menos terá perdido. Há sub-sectores que, de facto, perderam a dois dígitos, mas há outros que conseguiram reequilibrar. Porque substituímos muitas importações por produção local. E foi isto que deu algum ânimo às empresas e aos diferentes sub-sectores.
Importamos menos?
Estamos a importar menos, o défice é menor. Pese embora a agricultura dependa da indústria agro-alimentar em 50%, ainda assim temos que importar mais de 50% das nossas necessidades de matérias-primas. Há um conjunto de matérias-primas, nomeadamente os cereais, que não conseguiremos produzir a nível interno. O que dizemos é que em relação a alguns cereais, poderemos baixar a nossa dependência interna, como nas cevadas dísticas, nos trigos panificáveis – se a nossa dependência exterior é de 95%, podemos passar para 85%. Para estarmos mais perto desta estratégia de aproximação ao aprovisionamento local.
Em 2016, dos dados que tem, o défice alimentar terá ficado em quanto, em Portugal?
Em cerca de 3,51 mil milhões de euros [incluindo alimentar e agrícola].
Porque essa era uma meta vossa – de reduzir o défice da balança comercial alimentar – não era?
Exactamente, sobretudo que a nossa dependência em termos de matérias-primas se viesse reduzindo. E isso aconteceu no tempo de crise. A agricultura mostrou-se muito mais dinâmica em algumas áreas. Mas ainda assim, a produção nacional não é suficiente. E, por outro lado, não temos condições de o fazer, em termos competitivos. A área do território arável de que dispomos para determinadas produções não é suficiente. Mas, por exemplo, se tínhamos um défice de quase 50% em matéria de azeite, hoje nesse capítulo estamos praticamente ao nível da auto-suficiência.
De que forma é que, em sentido contrário, a recuperação do canal Horeca [hotéis, restaurantes e cafés] e a política promocional da distribuição tiveram efeito?
O canal Horeca, pelo número crescente de visitantes e de turistas que nos têm vindo a abordar, ajudou a consolidar algumas das nossas perspectivas de crescimento. Em particular, no caso das bebidas de alta rotação (refrigerantes, águas e cervejas) e no vinho. O canal Horeca ajudou a estancar a sangria que vínhamos a ter nos últimos anos e a promover um ligeiro crescimento.
E as promoções na distribuição?
Esta forma que está completamente esgotada - das promoções - não geram maior consumo. Alteram é o ritmo do consumo, ou até mais, do aprovisionamento familiar. Porque as promoções não aumentam a quota de estômago, não vamos comer mais porque é mais barato. Ao nível promocional, está esgotada a fórmula em si. Porque não é possível resistir muito mais tempo a uma depreciação dos preços ao nível daquilo que tem acontecido nos últimos anos.
Tendo em conta que a distribuição não parece muito inclinada a alterar isso, o que prevê que aconteça nos próximos 12 meses?
Tem que haver uma adaptação à realidade.
De quem – do distribuidor ou do consumidor?
De ambas as partes. Ninguém está interessado em, estando à beira de um precipício, cair lá para o fundo. Pela inteligência, mais do que pela necessidade, vamos chegar a esse momento – temos que restabelecer aquilo que é a verdade relativamente aos preços e aquilo que são as promoções. Tenho uma visão extremamente positiva relativamente a essa matéria. No futuro, ninguém estará disponível para perder dinheiro. Porque não é possível estar muito tempo nessa situação.
E como é que se explica ao consumidor que aquilo que está a comprar está deteriorado em termos de valor? Porque o rendimento dos portugueses não aumentou.
Não pensámos (como alguns defenderam) que a reposição de salários iria favorecer o consumo, nomeadamente o consumo de bens essenciais, que iria ser determinante. É evidente que estes anos de má prática – da prática agressiva – vão ser difíceis de alterar. Mas não há outra forma.
Na área promocional e na relação com a distribuição como está a questão da lei das PIRC (vendas com prejuízo), que no final de três anos (de entrar em vigor) era suposto ser revista?
Foi feito um trabalho de avaliação [IGAE]. Não temos ainda as conclusões. Na FIPA, no seio da CIP, e de que tem uma vice-presidência, trabalhámos empenhadamente para a criação de um código de boas práticas que envolveu todas as confederações, ligadas à indústria e à agricultura, estamos neste momento a dar os primeiros passos na implementação do código.