PR considera "muito especial" condecoração a Aristides de Sousa Mendes
Marcelo sublinha que a homenagem de um Presidente vindo do centro direita é um gesto de afirmação do valor supremo da pessoa humana sobre "os regimes políticos, económicos, sociais ou até do que os Estados".
O Presidente da República considerou "muito especial" a condecoração de Aristides de Sousa Mendes com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, numa altura em que se vive "o maior drama de refugiados" desde a II Guerra Mundial.
Aristides de Sousa Mendes, que enquanto cônsul de Portugal em Bordéus passou vistos que permitiram salvar milhares de pessoas do Holocausto, foi condecorado esta segunda-feira, a título póstumo, numa cerimónia realizada na sua terra natal, Cabanas de Viriato, no concelho de Carregal do Sal.
Marcelo Rebelo de Sousa disse tratar-se de "uma condecoração muito especial, por ser outorgada num tempo em que as tragédias de novas guerras e perseguições fazem chegar todos os dias as imagens dolorosas de desenraizados em busca de uma terra de liberdade, representando para a Europa o maior drama de refugiados vivido desde a II Guerra". "Condecoração e homenagem, portanto, que são verdadeiros imperativos categóricos", frisou.
O Presidente da República lembrou que, passados 63 anos da sua morte, Aristides de Sousa Mendes recebeu "mais uma justa condecoração do Estado português", a somar àquelas que Mário Soares lhe atribuiu, a título póstumo, em 1986 e 1995. "Quantas décadas passaram antes da democracia e quantos argumentos não foram arremessados contra Aristides de Sousa Mendes, tentando apagar o seu heroísmo num momento dramático da história contemporânea?", questionou.
Marcelo Rebelo de Sousa recordou que se disse, "em ditadura, que ele desobedecera exorbitando funções" e também "que enriquecera com os vistos, desviando para benefício pessoal dinheiro do Estado". "No entanto, o seu amargurado fim de vida, em miséria, e este lugar e esta casa [do Passal] foram o desmentido mais cabal e mais chocante dessa acusação injusta e nunca retirada em tempo útil", frisou.
Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que também se disse que o cônsul de Portugal em Bordéus "se movera por convicções políticas, por fraternidades de grupo, por motivações conjunturais", sem que tenha passado "pelos espíritos mais atentos e mais zelosos na pregação da moral para uso alheio que há princípios que são sagrados e que vivê-los não é berrá-los aos ventos, é torná-los realidade nos desafios de todos os dias".
"Aqui está um Presidente da República vindo do centro direita, católico e, por isso, aberto a todas as fraternidades, professor de direito e, portanto, cultor das regras e das hierarquias, mas acima delas, do primado dos valores fundamentais, a condecorar o ostracizado e vilipendiado do passado, agradecendo-lhe o que fez por Portugal, na pessoa de milhares e milhares de não portugueses", acrescentou.
Na sua opinião, "não se trata apenas ou sobretudo de um gesto da democracia contra a ditadura, do respeito dos direitos fundamentais contra o autoritarismo". "Trata-se de um gesto de afirmação daquilo que vale mais do que os regimes políticos, económicos, sociais e até do que as nações e os Estados: o valor supremo da pessoa humana e da sua intocável dignidade", acrescentou.
Marcelo Rebelo de Sousa considerou que "não há homenagens e condecorações póstumas que devolvam toda a vida destroçada, toda a injustiça cometida, toda a perseguição inexoravelmente mantida". "Não há nunca reparações integrais, mas há reconhecimentos de culpa, há evocações exemplares para o passado, alertas prementes para o presente, lições inevitáveis para o futuro", sublinhou.
A medalha foi recebida por um dos netos de Aristides de Sousa Mendes, Gérald Sousa Mendes, que disse que esta ficará à responsabilidade da fundação, "para que possa vir a integrar a coleção do futuro museu da Casa do Passal".