PZ às voltas no Império Auto-mano

Império Auto-mano, o quarto álbum de PZ, mantém o olhar satírico e a batida minimal. Dança lúdica e comentário social entre o hip hop e outra coisa qualquer, naquele equilíbrio feliz e inusitado a que nos habituou o criador de Cara de Chewbacca.

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Paulo Zé Pimenta andava às voltas com o Moog Voyager. Gosta de andar às voltas no quarto (esteja ou não de pijama) com os seus sintetizadores e as suas caixas de ritmo a inventar sons e beats que se transformarão em canções. Foi ali, no quarto, que nasceu PZ, alter-ego do fundador da Meifumado que se tornou fenómeno viral quando fez o elogio dos croquetes - bem acima, defendeu, dos pastéis de bacalhau (Croquetes, assim se intitulava a canção) -, e, principalmente, quando transformou uma imagem delirante e uma produção de dB, produtor gaiense, co-criador dos Conjunto Corona, num êxito omnipresente em 2015.

PZ foi o tipo que imaginou uma miúda perfeita em tudo, menos no facto de ter cara de Chewbacca – pelo absurdo, a imagem era por si só incrivelmente cómica, já que a imagem se transformasse em canção e que a canção se tornasse, através do beat vintage viciante e da lírica satírica, uma magnífica ode contra a misoginia e o culto das aparências, é talento do homem às voltas no quarto (com ou sem pijama, que no palco é que o pijama, reflectindo o lado caseiro do projecto, é obrigatório). Mas regressemos ao início.

Paulo Zé Pimenta andava de novo às voltas no quarto com o Moog Voyager. A base sonora estava preparada, faltava que PZ entrasse em cena para que a canção se tornasse, precisamente, uma canção de PZ. E ele entrou. Entrou e, por mais que Paulo tentasse, não se foi embora. “Estava a cantar por cima e, na parte do refrão, só me surgia a expressão ‘fome de lulas’. Mas eu não queria aquilo”. Tanto não queria que andou três dias a trabalhar na canção e a tentar fugir à referência culinária. Infrutífero.  Não conseguia fugir-lhe. “Foi ‘fome de lulas’ com aquela entoação e ‘fome de lulas’ teve que ser”. No alinhamento de “Império Auto-mano”, o quarto álbum de Paulo Zé Pimenta enquanto PZ, encontramos então uma canção sobre um tipo que anda doidinho à procura de uma refeição feita com os saborosos cefalópodes  - “a receita de lulas da minha avó”, precisa.

Doze anos depois do álbum de estreia, Anti-Corpos, PZ pode ditar as regras a Paulo Zé Pimenta, como aconteceu em “Fome de lulas”. Sabemos de que é feita a sua música: canções minimalistas, no sentido de funcionarem quase como um loop de electrónica bem “groovada”, ou de hip hop bem balançado, e letras que, igualmente minimais, são comentário social arrancado à rua ou à casa onde se conversa com família e amigos, devidamente apimentado com calão, com regionalismos, com as doses certas de surrealismo satírico, forma de PZ expôr a sua visão das coisas do mundo. “Canto como falo e como penso. E às vezes nem canto, fico a fazer aquele rap estranho”, diz. “Gosto de um tom confessional simples, de transpor para música a naturalidade de uma conversa”. Portuense e minhoto (“a minha família é de Famalicão, só vim mais tarde para o Porto”), interessa-lhe transportar “as expressões de família e o calão” para a música. “São uma parte importante de nós, da forma como nos relacionamos com um país ou com uma região”.

“Império Auto-mano” é o sucessor de Mensagens da Nave-Mãe, editado em 2015 e que, na peugada de Cara de Chewbacca, single lançado pouco antes, elevou PZ a figura reconhecida e celebrada do cenário musical português – além dos álbuns já citados, a discografia completa-se com Rude Sofisticado (2012).

O título do novo disco, e aquilo que a expressão revela, ajuda a perceber o universo em que se move PZ. Jogo de palavras com o antigo Império Otomano, em referência aos califados a que “querem regressar os muçulmanos extremistas”, e, de caminho, a quem recusa a diferença pretendendo ver um mundo de seres iguais em tudo, tem também outra leitura. “O título reflecte a minha percepção dos tempos que vivemos. O automático, o vivermos cada vez mais ligados a máquinas. Sentimo-nos impotentes perante elas e vivemos em luta interior. Temos este lado de preguiça, de insegurança de medo que nos envolve e em que me incluo. Não sou hipócrita, não me manifesto e não faço grande coisa. Faço música, é essa a minha intervenção, é assim que me consigo expressar melhor ”. Em Olá, segunda canção do novo disco, está a afabilidade transformada em cortesia egoísta – ninguém tem realmente tempo para o outro. Em No meu lugar, a nossa tendência para a misantropia, exacerbada pelas redes sociais e restante vida online – é melhor ficar quietinho, que no mundo lá fora pode estar “um bicho, ou isso”.

O universo de PZ está bem definido praticamente desde o início, ainda assim, ele move-se. Universo Auto-mano é o álbum em que se abre mais: tem latinidades psicadélicas a mover o engatatão que se apaixona por toda a gente em Anda comigo para a lua, tem linhas P-funk mais declaradas, tem os movimentos robóticos do electro a dar cadência a várias canções e até um fado electrónico para despedida - Até nós sermos iguais. Agora, PZ canta mais que rappa aquele rap dele. Quanto ao resto, continua igual a PZ.

Paulo fala-nos das caixas de ritmo Roland e dos sintetizadores que colecciona e com que ganha horas a fazer música. “A expressão inglesa para tocar música, 'play' é muito boa” - afinal, quer dizer também brincar e é isso que ele faz. Tem coisas sérias a dizer, mas fá-lo derramando sátira sobre batida lúdica para boa pista de dança. Fá-lo sem apontar o dedo e sem excluir. Isso é para ele muito importante.

O “mano”de “Império Auto-mano” não está ali por acaso. “Apesar da ironia que utilizo, a música fica numa certa ambiguidade. Canto o 'Caga nela' com imagino que um guna, um 'maninho, a cantasse. Há que rir de nós próprios, tanto quanto do que está à nossa volta”. É aí que a sua música se ganha, na forma como o bom gosto das produções se reúne a esse olhar que é irónico, mas que se inclui no alvo da ironia.

Paulo Zé Pimenta, que passou pela música improvisada dos Zany Dislexic Band e pelo rock americano dos Paco Hunter e que mantém o seu alter-ego de música electrónica, Pplectro, tem muita música na cabeça e tem muitos projectos na gaveta. No próximo ano, conta, podemos receber um novo álbum de PZ. Ou um álbum de canções na linha de PZ, mas cantadas em inglês. Poderemos ouvir a “música popular corridinha, à anos 1930”, que vem trabalhando com o pianista João Salcedo e o seu Small Trio, ou um trabalho “puramente electrónico”, instrumental. “O meu problema é que tenho muita música e a minha cabeça já está a dividir-se em três ou quatro coisas diferentes”. A seu tempo. Por agora, Paulo Zé Pimenta não escapa a PZ. Chegou o Império Auto-mano.

 

 

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