Enquanto crescia, em Vila Real, Trás-os-Montes, Violeta Santos Moura estava longe de imaginar que um dia seria considerada, pela revista Time, uma das 34 vozes femininas mais relevantes do fotojornalismo mundial. “Foi uma surpresa”, confessa ao PÚBLICO em entrevista. A sua vida esteve sempre ligada às artes, em particular ao desenho, e a incursão na fotografia foi algo tardia, fruto de um desvio imprevisto para o ramo jornalístico. Foi, por isso, “um óptimo sinal ter havido consenso da parte dos editores da Time, é algo muito positivo”, comenta.
A irreverência de Violeta Santos Moura, a reverência da TIME: veja a fotogaleria completa no p3
Violeta cresceu rodeada de pessoas interessadas em política e actualidade e, aos 16 anos, mudou-se de Vila Real para o Porto, onde frequentou a escola secundária. O seu talento natural na área do desenho levou-a a ingressar no curso de Design e Comunicação da Faculdade de Belas Artes do Porto. “Terminado o curso, eu tinha o desejo secreto de não ser designer, o que era terrível para mim. Andei algum tempo sem saber o que fazer.” Tinha, nessa altura, uma forte certeza: a do seu amor pelas viagens. Desde sempre sentiu aquilo que denomina de “bicho-carpinteiro geográfico”. “Fiz Erasmus na Polónia e realizei o estágio em Marrocos; decidi, depois, concluir o mestrado em Barcelona, na área de jornalismo, e daí seguir para Telavive, onde trabalhei como correspondente para a Agência Lusa”, resume. Foi em Israel que realizou o trabalho fotográfico mais marcante da sua carreira, Breaking Their Silence, a partir de testemunhos de soldados israelitas não-alinhados com a narrativa oficial acerca da intervenção do Exército nos territórios ocupados. Irreverente no formato e inusitado no tipo de linguagem e de construção narrativa, o projecto valeu-lhe a menção no artigo da Time e publicações de relevância e impacto internacionais.
Vulnerabilidade
A recente distinção de Violeta surge num contexto particular, o da chamada de atenção para as disparidades de género dentro do meio fotojornalístico. Kira Pollack, editora de fotografia e co-autora do artigo da Time, foi júri da última edição do concurso World Press Photo e constatou que apenas 15,5% das candidaturas provinham de mulheres – e que esse número nunca fora ultrapassado em edições anteriores. Segundo um estudo levado a cabo em 2015 pelo Reuters Institute for the Study of Journalism, as assimetrias são mais visíveis ao nível da ocupação de cargos (85% são preenchidos por homens) e da remuneração, que é superior para profissionais do sexo masculino. A fotojornalista portuguesa é, portanto, distinguida entre membros de um grupo minoritário num universo em que a presença masculina é fortemente dominante. Esse facto não lhe retira mérito; pelo contrário, poderá até acrescentar.
“Há poucas mulheres nesta profissão porque existe, efectivamente, uma desvantagem em ser mulher no cumprimento desta função”, explica. “É mais difícil ter acesso aos locais e às pessoas, é mais perigoso. Existe uma maior vulnerabilidade. Podemos não sentir dificuldade em vender o trabalho – acredito que não existe esse problema ao nível dos editores dos meios de comunicação –, mas sentimos uma grande dificuldade em realizar o próprio trabalho. Já partimos de uma base mais frágil, que nos possibilita uma menor taxa de sucesso.”
A segurança e os estereótipos de género assumem uma relação estreita e muitas vezes problemática, nos contextos em que geralmente trabalha. “O assédio e o abuso sexual são comuns e a escalada para outro tipo de violência é iminente”, explica. “Já passei por situações em que, sozinha, tive de optar por sair. Já aconteceu também ter sido expulsa violentamente de um local por assumir uma posição de proactividade não recomendável a alguém do meu género.” Violeta dá outro exemplo do seu quotidiano laboral: “Quando uma mulher jornalista ou fotojornalista aborda um sujeito do sexo masculino com um objectivo profissional, ele parte muitas vezes do pressuposto que a relação irá ultrapassar esse cariz. Quando é confrontado com a realidade, muitas vezes a porta fecha-se – o que pode condenar uma peça jornalística ao fracasso.”
Destino: emigração
Violeta Santos Moura colaborou com a agência Lusa como correspondente no Médio Oriente durante dois anos. A fragilidade do vínculo laboral fez que com se dedicasse à profissão como freelancer. “Trabalho fora do país e vendo o meu trabalho fora do país, também. É raríssimo conseguir vender seja o que for em Portugal. Paga-se mal, tarde. Parece que existe tensão ao abordar questões financeiras.” O trabalho independente implica uma elevada instabilidade. “É necessário que encontre um tema de interesse internacional, que faça um investimento pessoal no seu desenvolvimento – em viagens, estadias, etc. – e que, no final, consiga obter retorno financeiro através da venda do material nos meios de comunicação. Se realizar um trabalho pouco vendável, não terei retorno ou forma de investir novamente, motivo por que o experimentalismo representa um grande risco.”
A estabilidade financeira não é uma das prioridades de Violeta, mas é, sem dúvida, uma aspiração. No período em que terminou a faculdade, a crise económica portuguesa estava no seu auge, o que colocou dificuldades no seu ingresso no mercado laboral. “Quando regressei de Telavive, aluguei um quartinho em Lisboa e durante nove meses não arranjei emprego. Já perto do final desse período, com uma enorme frustração, lá consegui algo na área do atendimento telefónico. Enquanto buscava trabalho e ia sendo recusada, fui fotografando o projecto Austeridade, que considero, pessoalmente, o trabalho mais importante que fiz. Durante esse período – de tragédia colectiva – eu tive a sorte de ter família, amigos, mas foi um período trágico. O projecto foi uma forma de expiar e protestar contra o que se estava a passar, de dar voz à preocupação. Fi-lo sem perspectivas de publicar, apenas por sentir necessidade de documentar. Foi dos trabalhos mais dolorosos que fiz, tudo em mim sofria pelo que se passava à minha volta.”
A emigração de Violeta foi forçada, apesar de bem-vinda: “Acontece comigo e com muitos colegas que emigram: enquanto cá estamos, as portas mantêm-se fechadas. Quando partimos e alcançamos algum tipo de notoriedade, de repente tornamo-nos produtos da marca Portugal. É irónico.”