Governo mantém que dívida é para discutir no quadro europeu, não de forma unilateral
PCP vai apresentar “uma proposta tripartida e integrada, de renegociação da dívida, de libertação da submissão ao euro e de retoma do controlo público da banca”. PS vai chumbar comissão eventual.
O PSD está cansado do mesmo filme. A deputada social-democrata Inês Domingos, pelo menos, diz que a forma de o Governo lidar com o problema da dívida pública faz lembrar um filme em que o protagonista acorda todos os dias para reviver o mesmo dia da mesma maneira. Só que à obra cinematográfica a deputada acha piada, aos socialistas não.
O eterno problema da dívida pública esteve nesta quinta-feira em debate na Assembleia da República, a pedido dos comunistas. O PCP anunciou em plenário, pela voz de Paulo Sá, que quer constituir uma Comissão Eventual de Avaliação do Endividamento Público e Externo. O Bloco de Esquerda acompanha a proposta, mas os socialistas não. Consideram que o tema é abrangido pela Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública e que não deve ser criada uma comissão eventual.
A proposta ainda terá de ser votada, mas os comunistas explicaram já o que pretendem: “Uma comissão que, independentemente da posição que cada grupo parlamentar tem sobre a solução para o problema da dívida, permitirá dar um enquadramento institucional adequado a um problema de grande relevância para o presente e o futuro do nosso país. Uma comissão que permitirá analisar as causas profundas do problema da dívida, fazer o diagnóstico da situação actual e da evolução futura da dívida e, naturalmente, analisar soluções.”
O PCP anunciou ainda que apresentará brevemente uma iniciativa legislativa sobre a dívida, o euro e a banca. “Partindo de um projecto de resolução apresentado em 2014, aprofundado no âmbito de uma discussão pública alargada que estamos a promover por todo o país, apresentaremos uma proposta tripartida e integrada, de renegociação da dívida, de libertação da submissão ao euro e de retoma do controlo público da banca”. Para os comunistas, este cenário “abriria caminho à concretização de um projecto soberano e sustentável de crescimento económico e de desenvolvimento social”.
No debate em torno da dívida mantiveram-se as posições já conhecidas das várias forças políticas. A esquerda a apelar à reestruturação, a direita contra. O Governo fica no meio: admite discutir o problema de dívida no quadro europeu, honrando os compromissos assumidos, mas não de forma unilateral.
Esta foi a posição transmitida pelo secretário de Estado do Tesouro, Álvaro Novo, que discursou pela primeira vez no hemiciclo. Apesar do tom baixo com que falou, o que fez foi sublinhar a posição do executivo (já sustentada pelo primeiro-ministro António Costa): a discussão sobre a dívida pública tem de ser feita no âmbito europeu e não de forma unilateral.
Contra “desastre”, Governo cumprirá “palavra”
Antes, o PCP tinha lançado o desafio: “O problema da dívida pública não pode ser varrido para baixo do tapete. Não se pode fazer de conta que o problema não existe ou que se resolverá por si só. É um problema gravíssimo que condiciona profundamente o presente e o futuro do nosso país”, começou por dizer o deputado comunista. Para depois questionar: “O que poderia ser feito, se Portugal pudesse dispor dos mais de oito mil milhões de euros que actualmente são canalizados para o pagamento dos juros anuais da dívida pública? Quantos problemas nacionais poderiam ter uma resposta adequada?”
E as perguntas continuaram: “Quantos médicos e enfermeiros poderiam ser contratados, escolas e hospitais poderiam ser construídos? Que apoios sociais aos mais desfavorecidos poderiam ser reforçados? Quantos impostos sobre o rendimento do trabalho e sobre o consumo poderiam ser reduzidos? Que apoios poderiam ser canalizados para micro e pequenas empresas?”
Paulo Sá deixou ainda uma mensagem ao Governo: “Não se pode alimentar a perigosa ilusão de que o problema da dívida está controlado e que os múltiplos factores externos que condicionam a sua evolução terão sempre um desenvolvimento favorável.” E outra ainda, não só para o executivo de Costa, mas também para o anterior Governo: “Portugal perdeu muito por não ter iniciado o processo de renegociação da dívida em 2011, tal como o PCP propôs, mas perderá muito mais se insistir em não avançar com esse processo.”
Mais tarde, voltou a sublinhar o que separa o PCP do Governo socialista: “O PCP defende uma renegociação nos juros, prazos e montantes. O Governo opta pelas chamadas micro soluções, que podem mitigar momentaneamente o problema, mas não o resolvem.”
Mas, na sua intervenção, Álvaro Novo deixou claro: “A política económica do Governo é conduzida com total respeito pelos compromissos que o país assumiu no passado e que honrará hoje e no futuro. Contudo, porque há uma alternativa às políticas do passado, como os resultados orçamentais e económicos de 2016 demonstram, a gestão da dívida pública, não deixando de ser exigente, será feita num contexto económico e social mais sustentável.” Para tal, sublinhou, são necessárias três condições: “uma política orçamental responsável; aumentar o crescimento económico real e nominal; e assegurar melhores condições de financiamento”.
Elencando o que considera serem os resultados positivos das políticas do executivo, o governante deixou uma garantia: “Como o sr. ministro das Finanças disse em comissão parlamentar, o défice das administrações públicas em 2016, não excederá os 2,1% do PIB. O Governo cumprirá a sua palavra, contra as expectativas e anúncios precoces de um desastre.”
Só que a direita não vê com bons olhos nem as políticas que estão a ser seguidas pelo Governo, nem a possibilidade de se discutir a dívida como a esquerda propõe. A deputada Inês Domingos considera que o Governo está “a jogar lotaria”, a enveredar por uma política “imediatista” e “sem visão para o país a longo prazo”. Para a social-democrata, os partidos que “ameaçam com a reestruturação da dívida” estão a pôr em causa a confiança dos investidores e estão a dizer de “uma maneira suave” que “querem entrar em incumprimento”.
CGD com taxa melhor que Banco Popular de Espanha
Na sua estreia no Parlamento, Álvaro Novo afirmou ainda, em resposta a críticas do CDS sobre o custo da colocação da dívida da Caixa Geral de Depósitos, que o banco público conseguiu uma “taxa melhor” do que o Banco Popular de Espanha.
"Foi de facto nos 10,75%, mas este valor é inferior aos 12% que o Banco Popular de Espanha, que tem um rating melhor do que a CGD, conseguiu, e essa é que é verdadeiramente a comparação que devemos fazer, porque é banco com banco que estamos a comparar", disse, sublinhando que a CGD o conseguiu por beneficiar de um programa aprovado pela Comissão Europeia "sem ser ajuda de Estado", o que "gerou confiança junto dos investidores". com Liliana Valente