Zeca e a estreia na selecção grega: "Devo tudo à Grécia"
Bastou uma época na I Liga, ao serviço do V. Setúbal, para projectar Zeca para o Panathinaikos, um dos grandes da Grécia. Seis anos depois, o futebolista que chegou a representar a equipa nacional sub-23 prepara-se para vestir a camisola da selecção grega
A data não podia ter sido mais bem escolhida: neste sábado a Grécia assinala o feriado nacional, que comemora a independência do Império Otomano. A selecção defronta a Bélgica e o português Zeca, há seis anos no futebol grego, tem a hipótese de estrear-se pela equipa helénica.
O médio de 28 anos cumpre a sexta temporada no Panathinaikos, clube no qual já enverga a braçadeira de capitão, e foi convocado por Michael Skibbe para o encontro de qualificação para o Mundial 2018.
Após um processo de naturalização que durou ano e meio e incluiu testes de história, Zeca disse estar a viver estes dias com “grande normalidade”. E garantiu que jogar pela Grécia não o torna nem mais nem menos português: “Sei onde nasci e não abdiquei da nacionalidade portuguesa. Vibrei com Portugal no Euro 2016 e vou vibrar sempre. Desde que não seja contra nós.”
O que lhe tem passado pela cabeça nestes dias?
Estou a sentir ansiedade, emoção e felicidade por poder representar a selecção grega, por poder representar este país. Tenho muita ansiedade de o fazer.
Quando é que começou a pensar seriamente nesta possibilidade?
Isto começou há um ano e meio. Numa conversa com o presidente do meu clube, ele falou comigo e perguntou-me se eu não queria ter a cidadania grega. Na altura disse que sim, não vi problema nenhum. E começámos a tratar dos papéis, mas nessa altura ainda nem tinha havido nenhum contacto da parte da federação ou de alguém da selecção. Comecei a tratar disso muito antes, até porque sinto-me bem aqui. Desde que aqui estou sempre me passou pela cabeça ficar aqui a viver se, como espero, ficar aqui até ao final da minha carreira.
É uma forma de retribuir o país lhe deu?
Sim, porque tudo o que tenho devo-o à Grécia. Foi aqui que criei o meu nome, as pessoas receberam-me muito bem. Sem esquecer o Vitória de Setúbal, que foi o clube que me abriu as portas do profissionalismo, e o mister Manuel Fernandes, que foi muito importante. O mister Jesualdo Ferreira, que foi quem me trouxe para o Panathinaikos, também ajudou a que tudo isto acontecesse. Aqui sinto-me bem, sinto o carinho das pessoas e sinto que gostam de mim. Eu gosto de jogar aqui, gosto do país, e achava que com esta oportunidade era uma boa forma de retribuir aquilo que têm feito por mim nestes anos.
O processo de adquirir a nacionalidade foi demorado?
Sim, isto começou há cerca de um ano e meio. Tive de encontrar papéis, de tratar de várias burocracias. Levou algum tempo, mas ainda deu para estar nesta convocatória.
Também envolveu testes, não foi?
Sim, de história do país. Tinha de saber coisas de política, de geografia... fui submetido a esses testes e correu tudo bem. Tive de estudar um bocadinho, eram coisas que não sabia e tive de pesquisar e aprender.
E tudo em grego?
Sim, tudo. Consigo comunicar, toda a gente me entende e eu entendo toda a gente. Não estudei a língua, aprendi grego com os meus colegas de equipa e com as pessoas na rua. Estava sempre a perguntar o que é que as coisas queriam dizer. Fui aprendendo e hoje acredito que consigo comunicar bem com as pessoas.
Já imaginou vestir a camisola da Grécia no Mundial 2018?
Ainda não. Ainda estamos na qualificação, num grupo difícil, e primeiro que tudo o meu pensamento é conseguirmos o apuramento. Quando conseguirmos esse objectivo vou pensar como é que vai ser no Mundial. Mas acredito que no sábado, se realmente me estrear, vai ser o momento mais especial. Será a primeira vez que vou vestir a camisola.
E como será cantar o hino?
Vai ser normal. Tenho encarado esta situação com uma grande normalidade. Nada me parece estranho, porque identifico-me com as pessoas, identifico-me com o povo e com o país.
E Portugal? No Instagram vi que vibrou com a vitória de Portugal no Euro 2016.
Sei onde nasci, o meu país. Não abdiquei da nacionalidade portuguesa, apenas acrescentei mais uma nacionalidade. É normal, vibrei com Portugal como vou vibrar sempre e vou torcer sempre por eles. Desde que não seja contra nós, ou desde que a Grécia tenha a possibilidade de ganhar uma competição.
E se tivesse de jogar contra Portugal?
Toda a gente me faz essa pergunta (risos). Sinceramente não sei responder. Penso que vai ser normal, até porque nunca tive a oportunidade de representar a selecção A. Mesmo sendo o meu país de origem, acho que vai ser normal, por uma questão de profissionalismo e respeitar o país que represento.
Ganhou estatuto no Panathinaikos, equipa da qual é capitão. Alguma coisa o faria voltar a Portugal antes do fim da carreira?
Não sei o que me poderia fazer regressar. Não penso nessa situação, até porque nunca se colocou. O que sei é que estou num clube grande na Grécia, onde me sinto bem e respeitado. Sinto que sou reconhecido pelo trabalho que tenho feito aqui e acho que ainda não fiz o suficiente no clube, ainda não fiz aquilo que queria fazer. Falo de títulos para a equipa: estou aqui há muito tempo mas só ganhei uma Taça da Grécia. Gostava que quando acabasse a carreira – possivelmente aqui, mas isso não depende só de mim, depende também do clube – pudesse dizer que passei pelo Panathinaikos e ganhei vários campeonatos e Taças. Isso era o que me deixava mais feliz.
Mas a família está em Portugal, não é?
Sim, estou sozinho. Ter a família longe foi complicado ao início e continua a ser, mas isto é o nosso trabalho e a gente aprende a viver com estas situações. Nunca nos acostumamos a elas, mas vamos aprendendo no dia-a-dia a sobreviver com essa ausência.
Para além da família, há alguma coisa de Portugal de que sinta a falta e não tenha aí?
Só mesmo dos amigos e da minha família.