“Isto não é uma inauguração do MAAT”

Com a reabertura, o novo museu da EDP inaugura a sua exposição-manifesto. Utopia/Distopia ocupa as quatro galerias. Numa delas, o mexicano Héctor Zamora propõe destruir ao vivo sete barcos de pesca portugueses.

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Numa das salas da exposição principal, os néons da obra de Nasan Tur brincam com os erros ortográficos das utopias do século XX Daniel Rocha
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A instalação de Hectór Zamora (em baixo) ocupa a Galeria Oval Daniel Rocha
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Quase podíamos dizer que Miguel Coutinho, director da Fundação EDP, encarnou esta terça-feira René Magritte e a sua célebre pintura, Ceci n'est pas une pipe, para negar aquilo que estávamos a ver: o Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) finalmente terminado. 

À frente das novíssimas recepção e loja, com o merchandising do MAAT já no lugar, Miguel Coutinho começou o encontro com os jornalistas sublinhando a frase, com alguma ironia, e transformando-a num aviso-slogan: “Isto-não-é-uma-inauguração-do-MAAT. Isso, se bem se lembram, foi em Outubro. Isto é a inauguração de três exposições, momento muito interessante e relevante para a Fundação EDP. Esperamos que o MAAT e o seu campus se transformem num pólo de cultura e lazer de Lisboa.”

O novo museu da EDP teve uma soft opening no início de Outubro, para coincidir com a Trienal de Arquitectura de Lisboa, e fazer a apresentação do novo edifício do campus da EDP, desenhado pela arquitecta britânica Amanda Levete. Agora, chamava a atenção Miguel Coutinho, ao lado do director do museu, Pedro Gadanho, é tempo de nos focarmos nos conteúdos. O novo edifício encerrou a 6 de Fevereiro, mantendo-se em funcionamento só o espaço MAAT-Central, que corresponde ao antigo edifício da Central Tejo, para reabrir com três novas exposições e as performances de Michelangelo Pistoletto, um nome histórico da Arte Povera, e Allard van Hoorn. 

“Estamos finalmente a ocupar integralmente todo o edifício”, explicou Pedro Gadanho. Ao contrário do que acontecia em Outubro, quando o espaço foi visto “em estado puro”, o que se descobre agora com a exposição Utopia/Distopia é um layout possível para a Galeria Principal, “em que vários volumes quebram uma escala difícil de controlar”. A mostra agrega também as outras duas galerias disponíveis no piso inferior, o Project Room e o Video Room. 

Gadanho chama-lhe uma exposição-manifesto, a única, acrescenta, que no horizonte dos próximos dois ou três anos vai usar todos os espaços disponíveis no novo edifício, inclusive a Galeria Oval, situada no piso da entrada, onde começou o encontro com os jornalistas. Exposição-manifesto também porque vai explicar com a ambição de um gesto fundador o que quer ser o MAAT, “onde artistas e arquitectos são colocados ao mesmo nível intelectual”. “Uns não são convidados dos outros. Precisamos de inverter a tendência e afirmar a função cultural da arquitectura”, argumenta, resgatando-a de uma dimensão meramente “funcional”. Com curadoria de Gadanho, João Laia e Susana Ventura, Utopia/Distopia junta cerca de 60 artistas e arquitectos, nacionais e estrageiros, em cinco secções: Cidades Ideais?, Ruínas da Modernidade, Visões Tecnológicas, Utopias Pessoais, A Situação Corrente.

O tema da exposição é devedor dos 500 anos da Utopia de Thomas More, que logo em 1516 evocava um espaço imaginário para dar corpo aos projectos alternativos de sociedade. Utopia/Distopia chama a atenção para a substituição da tradição utópica pela ideia de um progresso distópico. Algumas das obras resistem à distopia, propondo micro-utopias ou as utopias realizáveis, de que falava Yona Friedman.

Progresso e destruição

Utopia/Distopia tem um prólogo que é, na verdade, uma outra mostra: Ordem e Progresso, uma instalação-performance na Galeria Oval do artista mexicano Héctor Zamora, com curadoria de Inês Grosso e apresentada em parceria com a BoCA Bienal e a Lisboa 2017 Capital Ibero-Americana de Cultura. 

Sete barcos, entre traineiras e lanchas de madeira, foram recolhidos em cidades e vilas piscatórias portuguesas, de Sesimbra a Aveiro, passando por Ericeira, Nazaré e Figueira da Foz. Um recebeu o nome de Abutre, outro de Paraíso Encantado.
Ordem e Progresso é a divisa inscrita na bandeira do Brasil, onde o artista viveu, mas recua também até ao pensamento positivista de Auguste Comte e às suas promessas de que depois da ordem virá o progresso.

Héctor Zamora explica que a instalação dos sete barcos na Galeria Oval é apenas o começo. Na quarta-feira, com início marcado para as 18h, está prevista a parte da performance, em que 30 operários vão destruir os sete barcos com marretas, martelos e machados. “O progresso é os barcos a serem destruídos. Portugal não existiria sem esta relação tão íntima com o mar, uma das bases da sua cultura é a pesca, mas a indústria global e as quotas impostas pela Comissão Europeia estão a fazer desaparecer a pesca tradicional.” O barco, que é um símbolo universal de viagem, representa também a tragédia do que está a acontecer no Mediterrâneo com os imigrantes. 

Ao contrário do que acontecia com a instalação que anteriormente ocupou a Galeria Oval, o público vai ficar de fora a assistir à performance, que como o artista explicou teve a sua apresentação original em Lima, no Peru, em 2012, e uma segunda versão no Palais de Tokyo, Paris, em 2016. 

Com essa disposição, explica a curadora Inês Grosso, evocam-se as naumaquias do império romano, memória sublinhada pela forma oval da galeria. Essas batalhas navais, que faziam a apologia da violência, têm uma declinação neste “espectáculo brutal”. Somos convidados a assistir ao “abate” dos sete barcos, para usar o termo da burocracia de Bruxelas. Os operários que vão executar o espectáculo são trabalhadores da construção civil. “Esperamos que na sua maioria sejam imigrantes negros, que trarão mais uma camada de leitura possível à obra.” No MAAT, depois da performance desta quarta-feira, ficará apenas disponível o registo sonoro, ao lado dos destroços dos barcos, enquanto o vídeo terá a sua vida na Internet. 

Utopia

Utopia/Distopia continua no andar inferior com uma imagem da gravura que fez o frontispício da primeira edição da obra de Thomas More. Outras cidades (ideais) que aqui aparecem? A síntese de várias cidades de vanguarda do WAI Think Tank, um atelier de Beijing, a Lagos do vídeo 360º, do arquitecto e artista de origem nigeriana Olalekan Jeyifous, ou a feira de cubos de açúcar do artista português Rodrigo Oliveira, que faz parte da colecção EDP.

Pedro Bandeira, numa colaboração com o colectivo 18:25, já em plena secção dedicada às Ruínas da Modernidade, mostra um dos seus “projectos específicos para clientes genéricos”, em que interpela lugares da cidade do Porto que podiam ter outros usos. Desta vez, transforma o Pavilhão Rosa Mota num jardim tropical. Explora a distância curta entre utopia e distopia, numa peça intitulada Paraíso que é também um crítica ao turismo contemporâneo.

Como explicou João Laia, as secções pretendem ser fluidas, híbridas e com muitas contaminações. Quem vê a exposição “tem de ter isso presente conceptualmente e espacialmente”. Também nas Ruínas da Modernidade encontramos o vídeo de Cyprien Gaillard, Pruitt Igoe Falls, que refere no seu título o infame complexo habitacional construído nos anos 50 em Saint Louis, nos Estados Unidos, e deitado abaixo em 1972. A última data foi usada posteriormente para assinalar a morte da arquitectura moderna. O autor do complexo, Minoru Yamasaki, é também o arquitecto das Torres Gémeas, destruídas em 2001 por um ataque terrorista.

O trabalho de Timo Arnall, assinala Pedro Gadanho, “é capaz de ser a peça mais angustiante de toda a exposição” e está na secção Visões Tecnológicas, dedicada às questões das utopias tecnológicas vistas muitas vezes como soluções milagrosas. Somos colocados no ponto de vista de robôs que tentam mapear a realidade envolvente, espelhando o controlo do espaço urbano pela Inteligência Artificial.

Ausente da exposição está o trabalho da artista alemã Hito Steyerl, que não foi possível trazer a Lisboa. Acabou por cair, explica o director do museu, porque na montagem de uma exposição há sempre adaptações a fazer. Do MoMA, por exemplo, em vez de viajar o original de 1968 do arquitecto Arata Isozaki, Re-ruined Hiroshima, project, Hiroshima, Japan (Perspective), que obriga a despesas grandes com seguros, está exposta uma reprodução. “Mas temos originais fantásticos como o do Aldo Rossi.”

Pedro Gadanho sublinhou também a importância de o MAAT chamar curadores externos para programar espaço e conteúdos. A colecção EDP, tema da terceira nova exposição a abrir agora ao público, é olhada por Inês Grosso (interna) e Luiza Teixeira de Freitas, numa exposição intitulada O Que Eu Sou.

À excepção do director, os quatro curadores andam todos na casa dos 30 anos, porque, como disse em Outubro Gadanho, é preciso trazer pessoas mais novas para a curadoria em Portugal.

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