Trazidos pelo calor
Voltaram as andorinhas. Já cá estavam quando o vento soprou do sul e a Praia das Maçãs chegou aos 29,5 graus. Havia também borboletas cor de laranja, daquelas que só se vêem em demonstrações de televisores 8K mas que afinal existem.
O calor expulsa de casa os sobreviventes do Inverno. Toda a gente decide passear ao mesmo tempo. Os bebés que entretanto nasceram visitam uma esplanada pela primeira vez. Muitos odeiam e exprimem-se incansavelmente, desejando que todos partilhemos a opinião deles.
Trabalhadores que estão fechados num escritório sentem uma lampadinha a acender-se na mona, calçam umas havaianas e vêm trabalhar para a praia, gritando pormenores de encomendas e powerpoints para os telemóveis, impedindo o sono dos apanhadores de bronzes.
À beira-mar cinco banhistas prematuros imitam uma colónia de flamingos, levantando um pé tremente de cada vez e abraçando o próprio tronco num gesto fútil de consolação. Olham com dó uns para os outros e fazem que sim com as cabecinhas, significando, vez após vez, sim, ainda está muito fria; sim, ainda está muito fria...
Os dois lugares para deficientes são generosamente repartidos por quatro automóveis de pobres desgraçados que não arranjaram outro lugar para estacionar. Às mesas dos restaurantes famílias inteiras brincam ao Roboredo: perde quem baixa o telemóvel mais cedo.
No dealbar de cada Primavera renovam--se os maus humores dos mal-humorados. Todos os anos há razões novinhas para embirrar. Não é concebível: é magia.