Oito razões a favor do Papa
Francisco fala dos problemas de hoje com a linguagem de hoje e, para isso, nem precisa de ver televisão.
Uns dias depois do atentado contra o Charlie Hebdo, o Papa Francisco disse que “não se pode provocar, não se pode insultar a fé dos outros, não se pode ridicularizar a religião dos outros”. Na altura, escrevi aqui as oito razões que me levavam a discordar do Papa. Hoje, chegou o momento de fazer a crónica-espelho prometida ao Hugo Torres, então nosso editor de comunidades, que teve de gerir os leitores indignados. Crentes ou ateus, temos oito grandes razões para aplaudir este Papa.
1. Francisco é um reformista e enfrenta os católicos retrógrados. Com elegância e sem medo. Três exemplos. a) Abriu a possibilidade de os católicos divorciados e recasados poderem receber a comunhão, uma forma de reconhecer as novas família e não alienar (ainda mais) católicos. Para um ateu, os sacramentos são uma abstracção, mas esta abertura foi o que mais enfureceu os conservadores. b) Demitiu o grão-mestre da Ordem de Malta, o príncipe britânico Matthew Festing, que afastara um cavaleiro alemão que fechara os olhos ao uso de preservativos num projecto de saúde. c) E há anos faz frente ao cardeal americano Raymond Burke, um sonso e intriguista que trava um combate feroz contra os católicos progressistas. Burke é amigo de Steve Bannon (o amigo de Donald Trump), apoia a ideia de um muro a separar os EUA do México, e diz que o "feminismo radical" criou vários problemas à igreja, entre os quais os abusos sexuais de menores. É a ala radical de Burke que acusa Francisco de ter criado uma “confusão sem precedentes na Igreja Católica”. É caso para dizer: viva a confusão.
2. Francisco defende os refugiados muçulmanos todos os dias. Tanto que os seus críticos dizem que está "quase obcecado” e "nem consegue ver que o Islão é uma religião agressiva”, como disse esta semana, ao Financial Times, o professor de História italiano Roberto de Mattei. Autor de vários livros, Mattei repete ideias extraordinárias como os tsumanis serem "castigos divinos" e o Império Romano ter desaparecido por causa do "contágio da homossexualidade".
3. Francisco leva a sério os problemas do ambiente e das alterações climáticas.
4. Mostra aos 80 anos que ser moderno não tem a ver com a idade que temos, mas com a cabeça que temos. Foi ele que disse: "Se uma pessoa procura Deus de boa vontade e é gay, quem sou eu para a julgar?" Foi ele que alargou a todos os padres o poder de absolver as mulheres que abortam.
5. Francisco é o autor das duas melhores expressões do século: "Alzheimer espiritual" e "terrorismo da intriga". O tema da intriga é uma constante. O Papa critica a intriga dentro e fora do Vaticano ("os que dizem mal do seu vizinho são hipócritas e não têm a coragem de reconhecer as suas próprias limitações") e coloca-a na lista das "15 doenças" do nosso tempo. As outras incluem o exibicionismo, o “excesso de trabalho”, “a excessiva planificação” e o "sentir que somos indispensáveis”. A esses deu um conselho: visitem um cemitério e vejam o nome de tantos que “se achavam imortais, imunes e indispensáveis”.
6. Francisco fala dos problemas de hoje com a linguagem de hoje e, para isso, nem precisa de ver televisão (coisa que não pratica desde 1990). Fala dos telemóveis: “O que aconteceria se tratássemos a Bíblia como tratamos os nossos telemóveis? Se andássemos sempre com a Bíblia connosco ou pelo menos com uma versão de bolso? ‘Esqueci-me do telemóvel — Oh! Volto para trás à procura dele.' Se as pessoas lerem as mensagens de Deus como lêem as mensagens do telemóvel…”. Fala da guerra: “Estamos na III Guerra Mundial aos bocadinhos. E fala-se de uma possível guerra nuclear como se fosse um jogo.” E da noção ridícula de que amamentar em público é obsceno e erótico — para não falar do argumento dos “fluidos corporais”: "Amamentem os vossos filhos com naturalidade e sem medo, como Maria". Já agora, quantos Papas enviaram um inquérito às dioceses de todo o mundo para medir o fosse entre o que os católicos pensam e o que ouvem na missa? Um: Francisco.
7. Francisco não acredita em muros e é o mais radical político anti-Trump.
8. Last, but not least, Francisco prefere bons ateus a maus católicos.