Campanha para referendo na Turquia provoca tensões entre Berlim e Ancara

Comícios de ministros de Ancara cancelados, dias depois de detenção de correspondente do jornal Die Welt na Turquia.

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Manifesação em Dresden exigindo a libertação do jornalista alemão do Die Welt Denis Yücel FILIP SINGER/EPA

Diferentes responsáveis turcos lançaram ataques de uma dureza invulgar contra o Governo alemão, que acusam de fazer campanha contra o referendo de Recep Erdogan para mudar a Constituição e estabelecer um regime presidencialista na Turquia. A fúria turca foi desencadeada pela anulação de dois comícios pró-Erdogan em cidades alemãs, uma medida justificada por motivos de segurança e dificuldades logísticas.

“Eles não querem que os líderes turcos façam campanha por estarem a trabalhar para o voto ‘não’. Querem impedir a criação de uma Turquia forte”, lançou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Çavusoglu, em declarações aos jornalistas em Ancara. “Esta atitude é contrária à democracia, ao direito à reunião e à liberdade de expressão”, acrescentou.

Mais longe ainda foi o ministro da Justiça, Bekir Bozdag, sugerindo que a Alemanha deve “olhar para o seu passado” e descrevendo o país como “santuário para todos os que cometem crimes na Turquia”, dos curdos do PKK à organização FETO, como os dirigentes turcos se referem aos apoiantes do imã Fetullah Gülen, que acusam de ter orquestrado o golpe de Estado falhado de 15 de Julho. Vários militares e diplomatas turcos com receio de serem presos pediram recentemente asilo na Alemanha.

Dos perto de três milhões de turcos a viver na Alemanha (a maior comunidade da diáspora turca), 1,4 milhões podem votar na consulta do próximo mês.

Erdogan e os ministros do seu AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento) têm repetido que apenas “terroristas” defendem o “não” no referendo marcado para 16 de Abril, tornando assim muito difícil a tarefa dos opositores. As duas maiores formações da oposição, o CHP (Partido do Povo Republicano) e os curdos do HDP (que têm alguns dos seus principais dirigentes sob detenção) consideram que a reforma vai dar demasiados poderes ao Presidente e enfraquecer o Estado de direito, ao diminuir a capacidade do Parlamento para vigiar a acção presidencial e enfraquecer a independência do poder judicial.

Bozdag contava ter participado na quinta-feira num encontro organizado pela União dos Democratas Turcos Europeus na cidade de Gaggenau, no sudoeste da Alemanha (a sede da autarquia foi evacuada esta sexta-feira, depois de uma ameaça de bomba, mas a polícia não encontrou nada no local). O ministro da Economia, Nihat Zeybeckci, tinha previsto ir domingo a Colónia, para um comício da mesma organização.

No primeiro caso, as autoridades municipais cancelaram o evento alegando que o espaço não tinha capacidade para o número de pessoas esperadas; no segundo, os organizadores terão começado por reservar a sala para um “espectáculo teatral” antes de explicar que se trataria de uma “reunião de informação política” – a câmara diz que a informação não chegou a tempo para serem tomadas as medidas de segurança necessárias.

O Governo holandês fez também saber a Ancara esta sexta-feira que não era desejável a realização de um comício das autoridades turcas marcado para 11 de Março em Roterdão - a quatro dias das legislativas holandesas -, no qual deveria participar o ministro Mevlut Çavusoglu.

Liberdade de expressão

A chanceler alemã viu-se obrigada a dizer esta sexta-feira que o seu Governo não teve nada a ver com os cancelamentos. Estas decisões, disse Angela Merkel em visita à Tunísia, foram tomadas “pelos municípios”, sem interferência do Governo federal. “Como princípio, aplicamos a liberdade de expressão na Alemanha”, afirmou ainda.  

Mas a verdade é que Merkel, que em Setembro enfrenta as eleições que já descreveu como “as mais difíceis” da sua vida política, está sob pressão para impedir o regime de Erdogan de fazer campanha no país. Em Fevereiro, o seu Governo já tinha sido criticado pela oposição por permitir a realização de um comício do primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, que falou para milhares de turcos num estádio na região de Düsseldorf.

A detenção do correspondente do jornal Die Welt na Turquia, Deniz Yücel, que esta semana passou de uma esquadra para uma prisão, só fez subir ainda mais as tensões entre os dois países, assim como a pressão da opinião pública alemã, que exige a Merkel mão dura face a Erdogan. Denis Yücel, que tem dupla nacionalidade, turca e alemã, é acusado de fazer propaganda ao terrorismo, uma acusação que lá levou à detenção de inúmeros jornalistas turcos desde o golpe falhado.

Erdogan usou o golpe como pretexto para purgar a função pública de possíveis opositores – mais de 100 mil pessoas foram suspensas ou afastadas dos seus empregos e 43 mil estão detidas ou a aguardar julgamento, incluindo 150 jornalistas, para além de terem sido encerradas dezenas de publicações consideradas críticas do regime.

Nos últimos dias, Berlim chamou o embaixador turco na Alemanha para discutir o caso de Yücel: no encontro, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sigmar Gabriel, deixou claro que “há enormes diferenças entre os dois países no que respeita à liberdade de imprensa e de opinião”, cita a emissora pública Deutsche Welle. A seguir, foi Ancara a chamar o representante alemão na Turquia por causa do cancelamento dos comícios.

Entretanto, em protesto contra a anulação do encontro da comunidade turca, Bozdag, o ministro da Justiça, decidiu cancelar completamente a sua visita à Alemanha, onde estava previsto que se encontrasse com o seu homólogo – o Governo alemão esperava poder discutir o caso de Yücel.

Críticas internas

Na terça-feira, muitos jornalistas e milhares de pessoas saíram à rua em várias cidades alemãs em protesto contra a detenção. “É importante deixar claro que os tempos para dar abraços a Erdogan chegaram ao fim”, disse numa das manifestações Cem Özdemir, um dos onde membros do Parlamento alemão de origem turca. Özdemir, líder dos Verdes, diz que o acordo negociado entre Merkel e a Turquia para travar a chegada à União Europeia de refugiados sírios deixou o seu Governo fraco face a Erdogan.

As críticas à chanceler não chegam apenas da oposição. “Os políticos estrangeiros não têm qualquer direito legal para fazerem campanha na Alemanha”, defendeu esta sexta-feira Wolfgang Bosbach, deputado da CDU de Merkel. “Quando os políticos turcos querem usar as nossas leis liberais para promover uma reestruturação antidemocrática no seu país estão a abusar dos seus direitos como convidados”, sustentou, por seu turno, Horst Seehofer, primeiro-ministro da Baviera, e líder do partido irmão da CDU no estado, o CSU.

Para a próxima quarta-feira está agora marcado um encontro entre os dois ministros dos Negócios Estrangeiro, Gabriel e Çavusoglu. A reunião, decidida num telefonema feito pelo chefe da diplomacia turca ao seu homólogo, tem como objectivo “discutir as tensões entre os dois países”. Atenuá-las não parece tarefa fácil.

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